Sou um
estudioso da religião. Mais precisamente, me tornei, a partir de minha carreira
acadêmica, um cientista da religião. Passei algum tempo num seminário
teológico, mas depois me voltei definitivamente para aquilo que realmente
chamava minha atenção, que é a literatura bíblica, e embora esse objeto de
pesquisa possa servir a outras áreas do conhecimento como à história antiga, à literatura
clássica, à sociologia, antropologia etc, não dá para negar que a Bíblia é para
a nossa cultura essencialmente um livro religioso, pelo que me encontro
amarrado ao estudo da religião mesmo quando proponho outras ênfases às minhas
leituras. Quer dizer que sou um profissional que aparentemente terá toda a
carreira ligada a públicos religiosos, especialmente nas faculdades de teologia.
Este é um destino que não me assusta, mas que exige constante reflexão teórica,
para que minhas abordagens literárias ou históricas continuem se mostrando
relevantes aos estudos da religião.
Diante das
constatações que acima fiz sobre meu próprio lugar de atuação, coloco-me a
pensar a respeito desse campo do conhecimento no qual tenho me inserido, que é
a teologia. As páginas que começo a escrever aqui de maneira bastante pessoal e
objetiva, querem dar início a uma reflexão sobre a teologia como área do
conhecimento acadêmico, temática nada original, e sobre o lugar da literatura
bíblica, minha especialidade, nesta disciplina. Sem grandes pretensões, espero
oferecer uma espécie de introdução ao pensamento teológico útil a todos os
interessados na teologia, mas que esteja voltada para minha própria área de
atuação, situando o estudo acadêmico da literatura bíblica dentro deste amplo
ramo do conhecimento científico contemporâneo.
Primeiras Definições
Não sou capaz de iniciar qualquer
reflexão sobre a teologia sem que minha atenção se desvie para a formação
paradoxal da própria palavra “teologia”. Mesmo olhando-a assim, a grosso modo,
é fácil notar a que paradoxo me refiro. A “teologia” amarra os substantivos gregos
theos (deus) e logia, e esta última pode ser entendida neste
contexto como “discurso”. Ou seja, “teologia” é o resultado da reflexão humana
sobre deus; ou ainda, o estudo do discurso humano sobre as coisas de deus. Desta
breve observação etimológica notamos, pelo uso do idioma grego e pelo uso de “deus”
no singular, que tal definição teve origem no ocidente cristão, onde a
racionalidade grega e o monoteísmo cristão reinam há muitos séculos.
Tomás de Aquino, um dos pais da teologia como campo
do conhecimento acadêmico, ofereceu a seguinte definição: “A doutrina sagrada
trata de Deus e das coisas enquanto se referem a Deus” (Passos, 2011, p. 14-15).
Aí temos um primeiro motivo para a reflexão: a chamada “doutrina sagrada” que
trata de Deus não pode mais ser diretamente considerada teologia. Acontece que
a(s) divindade(s), o “sagrado”, o transcendental... não podem ser objetos de
estudo acadêmico. Não se pode colocar um deus nos microscópios ou em nossas
mesas para dissecá-lo e compreendê-lo em termos científicos. A própria
definição do que é “sagrado” depende acima de tudo de julgamentos humanos, o
que faz dele um objeto de estudo da antropologia. Então, a teologia não pode e
nem poderá jamais se considerar uma ciência que estuda deus; a “doutrina sagrada”
de Tomás de Aquino não é necessariamente sagrada para o cientista, que precisa se
debruçar sobre este “sagrado” como quem não crê, para que seus juízos possam
ser considerados válidos para a academia.
Então,
fiquemos provisoriamente com a definição anterior, a de que teologia é o estudo
do discurso humano sobre as coisas de deus. Compreendendo a teologia sobre esta
ótica, o estudioso que inicia um curso de teologia deve ficar sabendo que ao
longo de sua trajetória universitária não conhecerá deus de nenhuma maneira
mais “profunda” do que aquela que porventura julgava conhecer antes; a
religiosidade continuará a ser individual e em grande parte dependente das
experiências religiosas de cada indivíduo. Mas se é assim, em que nos ajuda a
teologia? Como separar devidamente nossas próprias convicções religiosas do
conhecimento teológico que precisa assumir ares acadêmicos e sincréticos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário