sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

QUANTO ESTUDAR PARA EXERCER O MINISTÉRIO PASTORAL?

            A fé cristã, assim como a Bíblia, é bastante popular aqui no Brasil. Todos podem assumir essa forma de religiosidade, e com essa opção, exercer sua religiosidade de diferentes formas. O que quero dizer por “exercer sua religiosidade” é: frequentar cultos cristãos, estar entre outras pessoas dessa mesma confissão, orar livremente à divindade a que crê, aprender sobre os dogmas de sua religião e até divulgar essas coisas elementares a outros. Mas as coisas não são tão simples quando estamos falando dos líderes cristãos.
            A liderança religiosa pode ser escolhida por inúmeros critérios diferentes, escolhidos pela própria religião. No cristianismo, muitas vezes o tempo de participação é importante, já que indica alguma experiência com os dogmas e também dá mostras de que tal cristão vive sob tais dogmas há anos, sem cometer sérios deslizes. Outras comunidades exigem também algum grau de instrução, talvez uma formação teológica. Outras usam critérios mais subjetivos, como a posse de determinados “dons espirituais”. A questão que me leva a escrever essas linhas está relacionada ao grau de instrução dos líderes cristãos, algo que me parece significativo para o tipo de cristianismo que por aqui se pratica.
Falando brevemente, eu pessoalmente não acho que a educação formal, aquela que se adquire em instituições de ensino, seja necessária para a prática cristã ou para o ato de “pastorear”. Convém lembrar que o cristianismo nasceu entre pessoas de pouca ou nenhuma instrução (me refiro a Jesus e seus apóstolos), onde a leitura de textos era uma questão muito marginal ou mesmo desnecessária, e no meu modo de ver, algo está errado quando a inexistência de diplomas inviabiliza a prática cristã. O problema é que já não é esse o cristianismo que vemos. Eventos como o advento da imprensa, a produção de traduções da Bíblia para praticamente todos os idiomas desde a Reforma Protestante, a popularização da educação formal, e a valorização do conhecimento científico desde o Iluminismo, tornaram os cultos momentos intelectualizados. Hoje, os cristãos valorizam o conhecimento, dedicam boa parte de seus encontros à leitura de seus textos sagrados, e tudo isso tornou o nível de alfabetismo determinante. Os líderes já não são somente condutores de orações, incentivadores de experiências religiosas, manipuladores do sagrado; atualmente eles exercem também a atividade docente.
Nas reuniões cristãs (note-se que me refiro principalmente aos cultos evangélicos) os pastores leem a Bíblia, tentam explicá-la, e esperam que os ouvintes guardem seus ensinos e os ponham em prática. Isso não é culto, é aula, e para isso a educação formal é necessária. Na infância não sabemos ler, e vamos à escola onde somos instruídos, estudamos gramática, temos algum contato com literaturas, e gradualmente vamos nos tornando mais aptos para ler, interpretar, e consequentemente, para ensinar. Assim, se o culto cristãos de hoje se transformou em parte numa atividade de leitura, interpretação e ensino, é obvio que o nível de instrução dos líderes se equivale à qualidade dessa leitura, interpretação e ensino. Noutras palavras, se o cristão quer basear sua fé num texto, é preciso saber ler.
Não posso sugerir que se abandone a prática da leitura, então só posso argumentar a favor da formação dos líderes que, por exigência do cristianismo contemporâneo, também devem exercer a atividade docente. Claro que há pastores eloquentes, convincentes, articulados... mas isso não quer dizer que tenham feito uma boa leitura do texto bíblico. Por minha experiência com o texto bíblico e com a frequência em encontros desse tipo, eu diria que estão aptos para a atividade que comumente chamamos de “pregação”, aqueles indivíduos que não apenas sabem ler e escrever, mas que são capazes de entender o que leem. É difícil falar sobre isso de maneira simples, afirmar que ter o nível fundamental, médio ou superior completos capacita alguém a ler e interpretar. Chamamos de analfabetos funcionais os indivíduos que embora tenham estudado, saibam ler e escrever, não estão aptos para ler livros de dificuldade média, interpretar, compreender e emitir juízos sobre o que lê, e infelizmente, boa parte da nossa população segue nessa condição.
As igrejas que exigem uma escolaridade mínima para o ministério, ao meu ver, estão fazendo algo correto. Reconhecem o papel docente dos pastores e contam, ao menos, com a garantia mínima que um diploma de alguma instituição reconhecida pode oferecer. Algumas pessoas podem discordar do que estou dizendo, alegando conhecer pastores sem formação alguma e que são “uma bênção”. Novamente, acredito que possam ser cristãos honestos, que cuidam (pastoreiam) bem de seus discípulos (ovelhas), e até que possam ser convincentes em seus sermões, mas sigo duvidando da qualidade de suas leituras, da coerência do conteúdo de suas homilias, ou de sua originalidade, já que podem estar se limitando a repetir outros pregadores. Nenhuma inspiração divina me fez reconhecer exceções a essa regra básica até agora: a Bíblia é uma coleção de textos, e sem uma educação formal de qualidade não se alcança uma razoável compreensão de sua mensagem.
Todavia, além desse nível de instrução mínimo que, segundo minha opinião, todo líder cristão que pretende pregar deveria ter, devemos considerar ainda as especializações. Muitas vezes as pessoas se confundem e aceitam instruções de pessoas que são formadas noutra área. Assim, um pastor com nível universitário não é necessariamente um especialista em Bíblia. Se a formação de um líder é em filosofia, psicologia ou mesmo teologia, ele está teoricamente apto para emitir juízos sobre filosofia, psicologia ou teologia. Novamente, minha experiência me fez ver que pastores sociólogos, médicos ou advogados, falam da Bíblia como bons leitores, mas ainda como leigos em Bíblia. Essas formações podem tê-los tornado bons intérpretes de textos, mas alguém com uma boa formação de nível médio saberia ler tão bem quanto eles.
Aí surge outra questão: é necessário ser um especialista em Bíblia para ser um líder cristão? Nesse caso eu diria que não, pelo menos ainda não, já que o ensino de qualidade sobre a literatura bíblica é tão raro. Exigir que pastores saibam traduzir os textos do grego, que façam exegese, que conheçam os princípios da teoria literária, é ir longe demais para a nossa modesta realidade.
Deixo assim minhas breves considerações sobre essa difícil questão que é a necessidade de instrução formal para o exercício do ministério pastoral. Escrevi-as com o intuito de auxiliar, mas se alguém porventura mostrar-se incomodado com meus argumentos, basta matricular-se numa escola. Dificilmente pessoas que tenham gasto dinheiro e tempo em algum curso declara arrependimento ao final.