sexta-feira, 14 de setembro de 2012

FILMES RELIGIOSOS, VIOLÊNCIA RELIGIOSA: EVANGÉLICOS E MUÇULMANOS DEFENDEM SEUS PROFETAS


Fiquei surpreso quando, um dia depois de escrever um texto sobre os protestos evangélicos contra o projeto de Renato Aragão (veja a postagem anterior), os jornais noticiaram ataques a representações diplomáticas norte-americanas em diversos países governados por regimes islâmicos.


Eu critiquei no texto anterior a atitude dos evangélicos diante da mera possibilidade da produção de um filme que supostamente diminuiria a importância de Jesus na história, e cheguei a comparar essa atitude àquela típica dos países muçulmanos mais extremistas. Agora, também por causa de um filme muito mais agressivo que parece ridicularizar o islamismo e dizem ofender a memória do profeta Maomé, muitos grupos muçulmanos protestaram violentamente.

Não vi nenhum evangélico defendendo a causa islâmica, apoiando seus ataques, embora tenham feito algo semelhante e antes de assistirem qualquer filme, prova de que eles não agiram antes por princípios éticos, pedindo respeito para com sua confissão de fé, mas por um impulso fundamentalista que os faz crer que são os donos da verdade e que merecem direitos especiais.

Pior é que no caso brasileiro o suposto autor do filme, Renato Aragão, é um cristão católico, que dificilmente faria ofensas à imagem de Jesus como se supôs. Se repudio a violência muçulmana, também tenho que repudiar a atitude dos evangélicos, que pode não ter se mostrado tão violenta a ponto de causar mortes, mas que de forma bem mais arbitrária, nasceu de meros boatos sobre um filme que nem existe.

Enfim, o alerta que pretendo deixar com tudo isso é este: mais um pouco de poder nas mãos dos evangélicos e eles instituirão um regime ditatorial aqui no Brasil, regime muito próximo àquele que muçulmanos de vários países estão rejeitando nos últimos tempos. Volto a esse tema em breve, na próxima postagem.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

OS EVANGÉLICOS E SUAS GUERRAS IMAGINÁRIAS NAS REDES SOCIAIS


Já faz dias que tenho visto essa postagem nas redes sociais, e hoje, por motivo desconhecido, não aguentei ficar calado, resolvi expressar aqui minha decepção, espaço que criei para tais desabafos e experiências.

Vamos ao texto que os evangélicos estão postando: Os evangélicos comemoram porque supostamente frustraram um projeto de um filme supostamente anti-cristão que supostamente Renato Aragão pretendia lançar. Isso tudo é suposição, ok? Dá pra ver que o tal filme não passa de um projeto, pelo que a briga é por conta desse título provisório: "O Segundo Filho de Deus". Também está claro que ninguém leu o roteiro, ninguém sabe do que se trata, nem mesmo o tal Lauro Jardim, colunista do site da Veja que é citado duas vezes apenas para dar credibilidade ao conteúdo.

O texto também apoia sua posição em desconhecidos "portais", mas estes também não são citados, não temos a chance de consultá-los e de nos aprofundar na questão. Esses "portais" também estão presentes de maneira muito imprecisa apenas como recurso retórico, para dar confiabilidade ao texto, para não deixar o leitor notar que tudo não passa de mera especulação. Algo semelhante pode ser dito sobre a data que o texto apresenta (sexta-feira, 31), dia da publicação da Veja, a qual não passa de uma "ancoragem" que de alguma forma liga o texto à realidade, informação que geralmente não é decisiva para o conteúdo em si.

Depois, o próprio texto diz, citando uma tal de "Focus Filmes", que as especulações sobre o conteúdo anti-cristão do filme são falsas, que a história não seria essa. Apesar de tudo o que está dito não ser de grande confiança, o próprio texto nos mostra que não há motivos para se discutir. Estão numa guerra imaginária, e os alvos podem ser inocentes dos ataques sofridos. Outro dado desse tipo que o texto traz é aquele em que a Sony não teria apoiado o projeto por razões desconhecidas. Talvez a Sony tenha influenciado na decisão de adiar o filme mais do que a "retalhiação" dos evangélicos, mas o texto não está interessados nesses detalhes.
Veja na parte de baixo da imagem que a revista Veja é citada como "fonte", o que é uma mentira, posto que o conteúdo não traz citações precisas da revista, mas uma leitura bastante parcial do que ela teria publicado em sua versão digital. Novamente, temos um recurso retórico empregado para manipular o leitor.

Pior ainda, lemos no final um convite: "se você está feliz com isso, compartilhe". Os evangélicos que compartilham esse texto, que curtem, que festejam, estão comemorando o quê? A ideia de que eles podem ter frustrado um projeto cinematográfico que lhes parece contrário à confissão de fé? Não podem as pessoas que pensam diferente se expressar artisticamente? Querem eles restaurar o sistema ditatorial no Brasil? Não é esse um modo de agir próprio dos estados islâmicos extremistas? Depois ainda vão pedir nosso voto para instaurar um Brasil evangélico e opressor da liberdade humana...

Mas além da atitude opressiva que demonstram, de não notarem que podem estar prejudicando inocentes que só queriam produzir um filme como qualquer outro, também me incomoda a falta de sensibilidade artística desse grupo religioso. Os evangelhos do Novo Testamento nos contam uma história bonita, onde um homem admirável foi morto pelos romanos por expressar um discurso religioso de características subversivas. Ali, Jesus, que aos olhos humanos foi derrotado, transforma-se no vencedor; ele volta à vida e assume uma posição de honra e poder que supera a dos seus assassinos. É uma história de fracos que vencem, uma história que transmitem esperança.

Suponhamos que realmente o filme rejeitado de Renato Aragão seja aquele em que um outro "filho de Deus" vem ao mundo para completar a missão de Jesus. Essa história não seria tão absurda artisticamente falando, ela é até criativa. Faz-se uma nova interpretação da história de Jesus, onde um projeto divino é realizado em duas etapas, admitindo que poderia eleger outro messias. Na minha opinião, o tema aproveita bem uma das muitas possibilidades interpretativas que são possíveis para a história da morte de Jesus, embora saibamos que essa leitura não coincide com a adotada pelo cristianismo.

Os evangélicos não sabem brincar... Não sabem o que é ficção, não sabem como funciona o humor, e por isso lêem a Bíblia como verdade histórica e depois tentam evangelizar os outros através da exibição daquele filme do Mel Gibson sobre Jesus, que é católico, fictício, hipotético, e também faz uma leitura muito pessoal e violenta da morte de Jesus. Mas como esse filme serve aos propósitos deles, o apoiaram. Agora, me envergonham (digo "me envergonham" porque talvez ainda seja parte involuntária desse grupo) com essa "festinha" pela vitória numa guerra imaginária e preconceituosa... (e todas as ofensas deselegantes que eu ainda gostaria de dizer aqui estão implícitas nessas reticências).

terça-feira, 11 de setembro de 2012

HORIZONTE UTÓPICO? RICARDO GONDIM E OS FUNDAMENTALISTAS NUM DEBATE INFINDÁVEL



Não faz muito tempo que surgiu na internet uma árdua discussão sobre o conceito de “horizonte utópico”. Um vídeo do pastor Ricardo Gondim empregando o conceito foi divulgado, e muitos foram os que se colocaram contra o que ele dizia. Eu não gostaria de tomar partido nesse embate, mas acho que posso contribuir a meu modo com a discussão.
O que aconteceu era previsível. Ricardo Gondim sempre foi admirado como pregador evangélico até que seu discurso mudou, ficando inadequado no tradicionalismo evangélico e galgando adversários ferrenhos. Ele passou a ser chamado de “herege”. A mudança no seu discurso é natural, ele foi estudar, fez mestrado, cresceu como pessoa, conheceu pensadores da religião de fora do seu círculo tradicional... Em todo processo de aprendizagem somos confrontados, transformados, e para pessoas que como ele, falam em público com frequência, isso é um risco. Gondim, todavia, possui uma grande virtude; mais do que um pensador, ele é corajoso, e não se importou com o prestígio que porventura tinha, nem com a repercussão negativa de suas novas posturas. Passou a falar o que pensava comprometido com a verdade (que pode ser transitória neste caso), coisa que a grande maioria dos líderes religiosos não fazem, por medo de perder o que construíram. Então, se há uma crítica a fazer a Ricardo Gondim, talvez seja esta: ele expôs suas ideias publicamente cedo demais, e possivelmente faria com mais cautela se desse tempo para que tais ideias amadurecessem. Mas minha crítica não tem tanto valor, já que faço o mesmo, recebo as críticas (não tantas já que não sou tão conhecido na mídia), e mudo de ideia frequentemente sem nenhum constrangimento.
 No caso do “horizonte utópico”, Gondim disse (e sempre há o risco de entendermos mal a questão quando vemos um texto ou vídeo fora de seu contexto existencial) que o conceito se aplicava à volta de Cristo, ou seja, que a promessa de que Jesus voltaria glorificado à terra tinha a função de motivar, incentivar, dar esperança àqueles que creem. Segundo o conceito, que supostamente ele herdou do teólogo Jürgen Moltamnn, essa esperança seria utópica, permaneceria sempre no horizonte, o que, convenhamos, obviamente suscitaria sentimentos violentos e pouco cristãos em muitas audiências. Gondim sabe muito bem que lida com um público fundamentalista, que não sabe ler a Bíblia a não ser de maneira literal. Ele sabia que estava comprando brigas.
Agora ele multiplicava ainda mais o número dos seus rivais. Os fundamentalistas passaram a demonizá-lo na internet, e no fim das contas, todo o embate mostrou-se pouco produtivo. Primeiro, não é possível discutir essas questões com os fundamentalistas, que citam versículos como se fossem provas históricas e científicas de tudo o que eles creem. Os fundamentalistas não sabem ler a Bíblia, e jamais seriam convencidos a não ser que aceitassem passar um bom tempo sentados em salas de aula para aprender a ler. O pastor Ricardo Gondim pode não tido a intenção, mas questionou a “confiabilidade” (equivocada) que os evangélicos atribuem ao texto bíblico, acabou alegando que o “contrato” que há entre Deus e os cristãos é um mero simulacro, e dessa forma deu a eles um motivo para atacar, para expressar toda sua intolerância. Eles agora podiam justificar sua violência como sendo uma reação aos ataques heréticos empreendidos pelos demônios; eles podiam dizer que estavam numa “guerra santa”.
Por sua vez, Gondim também estava errado. O conceito do “horizonte utópico” é útil, mas não nesse caso. Assim como os fundamentalistas, ele também não fez um bom uso do texto bíblico, que concordemos ou não, afirma a volta literal do Cristo. Essa é a fé expressa pelo texto, é sua teologia, e por mais que o cumprimento dessa promessa nos pareça tardio ou improvável, os leitores de fé e o próprio texto acreditam nele. Nesse caso, temos um horizonte, um motivo para esperar e para se inspirar, mas não poderemos esperar que os cristãos aceitem o uso do termo “utopia” para descrevê-lo. A Bíblia nos traz outros “horizontes utópicos”, como por exemplo, quando em 1Pedro lemos “Sede santos, porque eu sou santo”. Nesse caso, todo leitor de fé sabe muito bem que nunca poderá ser santo igual a Deus, mas aceita o convite para continuar procurando a santidade. Pode ser que o alvo nunca seja atingido, e nem por isso dizemos que Deus nos fez um convite falso; o próprio leitor sabe que o objetivo do texto é oferecer um motivo para sermos melhores, mas não espera se tornar um deus.
Certamente não foi o pastor Ricardo Gondim o criador das ideias pelas quais agora é atacado; o problema com ele é especial porque antes ele havia sido um porta-voz evangélico, e as expectativas do público evangélico são frustradas quando o “pastor” passa a falar de coisas que não coincidem com o que eles gostam de ouvir. Também é relevante que, embora Gondim tenha mudado, evoluído, essa nova consciência que assumiu ainda não encontrou lugar apropriado. Embora não o conheça bem, suponho que seu modo de vida não tenha sofrido mudanças na mesma proporção, suponho que sua igreja continue trabalhando segundo o “antigo” modelo evangélico, e que seu público (ideal) ainda possa ser rotulado como “evangélico”. A partir de minha própria experiência, digo que entendo um pouco desse processo, pelo que posso dizer que as mudanças ideológicas se sucedem primeiro, puxando atrás de si um longo caminho de renovações que deve influenciar toda a vida, as relações sociais, familiares, profissionais etc. Gondim está no processo, sofrendo com ele, é verdade, mas espero que apesar dos erros e retaliações, tenha a força para continuar o que já começou. A igreja cristã precisa disso.
Quanto aos fundamentalistas, e provavelmente muitos dos meus leitores estão entre eles, desejo que também enfrentem crises como essas, que aprendam, que cresçam. É decepcionante descobrir que nossa fé estivera baseada em fantasias, eu sei, mas não há outro caminho para aqueles que querem amadurecer na fé. Enquanto os falsos teólogos, líderes cristãos, continuarem usando suas verdades indiscutíveis para justificar o ódio, pouca esperança há de que essa igreja venha a se salvar da estupidez que lhe é peculiar, e que só ela não vê.