terça-feira, 14 de maio de 2013

O ISLAMISMO E A HERANÇA JUDAICO-CRISTÃ




1 – Os Mitos Fundantes que Aproximam Judeus e Muçulmanos
Não há dúvidas de que as raízes do Islamismo estão vinculadas à herança do judaísmo e do cristianismo, religiões que o precederam e na época de sua origem (começo do século VII EC.) já haviam sedimentado suas tradições escritas e os principais dos seus dogmas. Isso não é novidade; o próprio islamismo procurou vincular, até com exageros, a figura de Maomé à memória do patriarca hebreu Abraão.
Sobre Abraão nós podemos ler no livro bíblico de Gênesis a partir do capítulo 12. Nas narrativas, ele foi chamado por Deus para dar origem a uma nova nação, um povo eleito por Deus, através do qual todas as nações da terra seriam abençoadas. Na Bíblia, é obvio que a história de Abraão e sua descendência é contada como mito fundante do povo hebreu, mas segundo as lendas sobre as origens do islamismo, Maomé seria um descendente de Abraão. Diz-se até que o próprio Abraão teria construído em 2000 AEC. a Caaba, uma estrutura de granito localizada no centro da grande mesquita da cidade de Meca, na qual está incrustada uma pedra negra que supostamente veio do céu.
Em Gênesis, uma crise marcante é instalada no texto quando, apesar da promessa divina de que Abraão (ou Abrão) seria o pai de muitas nações, lemos que sua esposa era estéril. Além disso, Abraão e Sara (ou Sarai) já tinham idade avançada, e o próprio Abraão começa a duvidar das promessas (Gn 15.1-7). O capítulo 16 é marcante, pois conta que Abraão e sua mulher tentam solucionar a crise entre a promessa divina e a limitação física gerando um filho de Abraão com uma escrava (v. 1-3, 15-16), e dessa decisão nasce Ismael. Segundo o texto bíblico o privilégio da escrava Hagar gera ciúme em Sara, um conflito que prenuncia pela primeira vez a rivalidade entre judeus (filhos legítimos) e árabes (filhos bastardos) (Gn 16.4-12).
Depois de uma longa lacuna a história bíblica continua no capítulo 21, quando já idosa Sara finalmente (e milagrosamente) gera o verdadeiro descendente de Abraão, Isaque (v. 1-7). Passado alguns anos, o conflito crescente entre Ismael e Isaque força a separação entre os dois irmãos. Abraão escolhe proteger Isaque, ouve as reclamações de sua esposa e expulsa sua escrava com o menino, que todavia, seriam acolhidos por Deus (v. 8-21). Nesse ponto Ismael simplesmente desaparece das narrativas, mas sua passagem deixa com o leitor a promessa de que ele também daria origem a uma grande nação. Essa narrativa talvez reflita a certeza por parte dos autores e redatores bíblicos de que um numeroso povo árabe que habitava as regiões desérticas do oriente próximo tivera uma origem comum à deles, mas a lacuna deixada pela narrativa quanto à vida de Ismael, seu destino e a concretização da promessa divina seriam aproveitadas pelo islamismo. Para os muçulmanos, parte dessa história é real. Ismael não seria o bastardo, mas o verdadeiro herdeiro da promessa divina, pelo qual a sucessão patriarcal viria e a fé de Abraão seria preservada. Esse traço interdiscursivo é testemunha das proximidades que desde o princípio essas religiões mantiveram, e um modo de o islamismo se posicionar harmoniosamente dentro de uma já consolidada tradição religiosa judaico-cristã que dominava o mundo em que ele nascia.
Como sabemos, para os muçulmanos Maomé é uma figura digna de extrema admiração e respeito por ter sido o último dos profetas de Deus. Mas nem por isso ele é considerado alvo de adoração. Ele está acima dos patriarcas, acima dos profetas anteriores, e assume um posto similar ao de Moisés para os judeus. Só o cristianismo dentre as três religiões acabou divinizando seu suposto fundador. Vejamos alguns dos versículos do Corão que falam sobre sua relação com o judaísmo e o cristianismo:

Surata 2.134-137: Aquela é uma nação que já passou; colherá o que mereceu e vós colhereis o que merecerdes, e não sereis responsabilizados pelo que fizeram. (Eles) disseram: Sede judeus ou cristãos, que estareis bem iluminados.
Responde-lhes (vós): Qual! Seguimos o credo de Abraão, o monoteísta, que jamais se contou entre os idólatras.
Dizei: Cremos em Deus, no que nos tem sido revelado, no que foi revelado a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e às tribos; no que foi concedido a Moisés e a Jesus e no que foi dado aos profetas por seu Senhor; não fazemos distinção alguma entre eles, e nos submetemos a Ele.

2 – As Origens do Corão
Não é por acaso que o islamismo seguiu a tradição dos judeus e cristãos compilando também as “revelações” dadas ao seu profeta sob a forma de um livro, que ganharia rapidamente valor normativo. Seguiu-se também o modelo judaico-cristão no que diz respeito à produção de uma tradição religiosa escrita. O Corão supostamente reúne as revelações de Deus feitas ao profeta Maomé através do anjo Gabriel, e traz instruções para a crença e a conduta do seguidor da religião, embora não fale apenas de fé, mas também de muitos aspectos sociais e políticos do seu tempo. Assim como ocorre com a Bíblia, os leitores geralmente aceitam o livro canônico e não questionam seu processo redacional, mas o Corão também nasceu de supostas revelações divinas que Maomé, analfabeto como Jesus e seus discípulos, transmitia oralmente. Conta-se que Maomé e seus primeiros seguidores foram perseguidos por grupos rivais e tiveram que deixar a cidade de Meca, partindo para Medina em 622. Esse evento é chamado de Hégira, e marca o começo histórico do Islamismo. Foi a partir daí que essas memórias religiosas começaram a ganhar a forma escrita em língua árabe, e em fragmentos cujos suportes eram o couro, ossos, madeira etc.
 Outra tradição relevante sobre esse processo é que o sucessor imediato de Maomé, o califa Abu Bakr, teria encomendado uma primeira compilação do material fragmentário, livro que teria sido destruído décadas depois, quando outro califa empreendeu um processo reacional que revisou e ampliou a coleção original. Para assegurar a sacralidade do Corão, muitos afirmam que a preservação da memória de Maomé e sua reprodução escrita foi perfeita, milagrosa, mas é certo que os estudiosos empreendem a comparação de manuscritos e de variantes textuais, assim como fazem com a Bíblia.

O Corão está dividido em capítulos e versículos; são 114 "suratas" (capítulos) com vários versículos cada, mas é particular nessa literatura que ele foi escrito em árabe, pelo que com o tempo tornou-se de difícil compreensão mesmo para os adeptos. Há quem afirme que o Corão (que literalmente traduzem por “recitação”) foi produzido para a leitura ritual, isto é, para a recitação religiosa, e não para a leitura e meditação, pelo que muitos afirmam não ser correto tomá-lo como mero objeto de reflexão. Os rituais religiosos muçulmanos devem, portanto, sempre reservar um importante espaço para a recitação, para a leitura em voz alta do texto sagrado que é quando realmente Deus se manifesta.
Segundo a tradição, foi em Medina que Maomé e seu livro sagrado ganharam fama, o que parece improvável já que como vimos, esse livro provavelmente não estivera pronto durante a vida de Maomé. Mas parece certo que o próprio profeta retornou a Meca (e até hoje os muçulmanos peregrinam até Meca numa grande festa religiosa e repetem simbolicamente a viagem do projeta), e ali sua religião se consolidou, dando a oportunidade de que em poucas décadas os adeptos tivessem acesso a uma tradição fixada por escrito. Dizem que quando Maomé morreu a maior parte da Arábia já era muçulmana. Um século depois, o islamismo era praticado da Espanha até a China, e hoje é a religião que mais cresce no mundo, contando com algo em torno de 1,3 bilhão de adeptos.

3 – Islamismo Contemporâneo
Os muçulmanos dos nossos dias estão divididos entre grupos distintos e às vezes rivais. Dentre eles se destacam os sunitas, o grupo majoritário, e os xiitas, os quais também contam com variações. De forma geral os primeiros se caracterizam pela aceitação da autoridade de uma tradição secular de califas, que deram sequencia ao trabalho do profeta Maomé conduzindo a fé islâmica. Os xiitas, que reúnem apenas cerca de 10% dos muçulmanos, criaram uma divisão no islamismo por adotar Ali, um primo de Maomé, como o herdeiro legítimo do poder islâmico após a morte do profeta. Ou seja, esses últimos rejeitam a sucessão adotada pelos sunitas, pelo que até hoje existem sérias divergências entre esses dois grandes grupos. Dos grupos muçulmanos mais extremistas, boa parte está ligada ao islamismo de tradição xiita, que são mais numerosos em países como o Líbano, Irã e Iraque.
Em 1979 houve uma chamada “revolução iraniana” liderada pelo clero xiita, que derrubou uma monarquia pró-Ocidente. A partir daí o islã virou sinônimo de fanatismo e terrorismo aos nossos olhos. Embora atos de radicalismo e violência religiosa existam, temos que lembrar que são minoria. Na Arábia Saudita, onde mais de 90% da população é sunita, quem rouba ainda tem a mão cortada, e quem mata injustamente é executado em praça pública. Estes são alguns resquícios de um radicalismo muçulmano minoritário cada vez menos praticado, tanto é, que hoje a maioria dos países muçulmanos está reconhecendo os direitos das mulheres, permitindo a elas que trabalhem ou que usem roupas modernas junto com os tradicionais véus, coisas inadmissíveis antigamente.
A base da fé islâmica é o cumprimento dos desejos do “único” Deus, assim como a fidelidade à mensagem do Corão. Este livro sagrado é para eles a continuação de uma grande linhagem de profecias, trazidas por figuras que fazem parte dos livros sagrados dos judeus e cristãos. Mas além dessas leis gerais, há outras cinco regras mais específicas a serem cumpridas:
1.     Todos devem pronunciar a “chahada”, uma declaração de fé que diz: “Não há outra divindade além de Deus e Mohammad é seu Mensageiro”.
2.     Devem realizar cinco orações por dia, no ritual chamado "salat". Essas orações não precisam ser feitas nas mesquistas, mas nelas, algum membro experiente da comunidade recita versos do Corão em árabe, e depois todos fazem suas súplicas pessoais em seu próprio idioma. As orações são feitas no amanhecer, ao meio-dia, no meio da tarde, no cair da noite e à noite.
3.     O muçulmano deve ajudar quem precisa, e este é o chamado "zakat". A caridade é uma obrigação, mas deve ser voluntária e, de preferência, em segredo.
4.     Eles também jejuam durante o mês sagrado do Ramadã. Nesse período, todos os muçulmanos (capazes) devem jejuar durante o dia, além de absterem-se de bebida e sexo. Os “incapazes” podem fazer caridade em lugar dos jejuns, ou simplesmente o guardar noutro período.
5.     Realizar a peregrinação a Meca, o "haj". Todos os muçulmanos (capazes) devem realizar a peregrinação pelo menos uma vez na vida. Todos os anos, cerca de 2 milhões de pessoas de todas as partes do mundo se reúnem em Meca com vestimentas modestas para eliminar as diferenças de classe e cultura durante suas festividades.