terça-feira, 25 de janeiro de 2011

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO – OUTROS PASSOS EXEGÉTICOS

Tratamos anteriormente da “crítica textual”, apresentando esta abordagem ao mesmo tempo em que dizíamos ao leitor que não utilizaríamos como passo obrigatório neste nosso esboço de curso de exegese. Agora, vale a pena dizer que há ainda outros passos que também não abordamos ao longo do estudo, e cada um deles por razões próprias.

Há, por exemplo, um passo exegético bem atual que chamamos de “análise da recepção”, onde se estuda a maneira como determinado texto foi lido e interpretado ao longo da história. Averigua-se, por exemplo, como os pais da igreja, os teólogos da idade média, da reforma, e dos tempos modernos, entenderam o texto que estamos estudando. Este é um passo que exige grande pesquisa, mas que nem sempre é aplicável; isso depende dos nossos objetivos com a exegese. Mas ele possui uma grande importância, a de nos fazer conscientes de que o texto bíblico nunca limitou-se a uma só leitura, o que deve ser suficiente para não apostarmos que nossa exegese apresentar-se-á como a leitura definitiva.

Outros passos muito comuns nos manuais de exegese foram descartados em nosso breve curso porque já não atendem às exigências do nosso momento. Por exemplo, temos a “análise da historicidade do texto”, que foi utilizada principalmente para distinguir textos que relatam eventos reais daqueles que tratam de eventos fictícios, como se os relatos reais fossem melhores, mais confiáveis, ou mais “divinos” que os outros. Hoje tal conceito está superado, e ler o texto sem esperar dele completas verdades inerrantes é o melhor caminho. Isto é, o texto tem valor independente de nos contar algo real ou de nos apresentar um mito.

Há também a chamada “crítica das fontes”, que procura distinguir no texto bíblico momentos redacionais distintos. Procura-se identificar a versão mais antiga de um texto, e explicar as correções ou alterações que o texto sofreu ao longo do texto. Assim, o próprio texto bíblico apresenta-se como obra coletiva que foi lida e relida por séculos até que chegasse à versão que temos em mãos. Esse passo ainda possui seu valor, mas também não devemos confundir o antigo ou original com o que é melhor. Se um versículo é originalmente de Isaías, não significa que merece mais atenção do que outro do “segundo Isaías” que ampliou o livro do profeta muitos anos depois.

Enfim, a exegese é uma ciência ampla. O uso dos passos exegéticos e a escolha deles para solucionar os mais diversos problemas que a Bíblia nos apresenta é algo que depende primeiramente do domínio metodológico do exegeta, depois de sua dedicação e experiência. Quanto mais exegeses fazemos, melhores ficam nossas interpretações da Bíblia.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

NOVO ARTIGO PUBLICADO – UM REINO PLENAMENTE IGUALITÁRIO (Mt 20.1-16)

Amigos, estou muito feliz em comunicar-lhes a publicação de um novo artigo meu. Tenho me dedicado aos artigos porque este meio nos dá a oportunidade de trabalhar uma idéia única, e de divulgar o resultado da pesquisa rapidamente, produzindo conhecimento de ponta para nossa área de atuação. Para os pesquisadores, os artigos são os mais importantes meios de comunicação, mais até do que os livros, que trazem conhecimentos consolidados, porém, não tão atuais.

O texto que publiquei traz uma exegese de Mateus 20.1-16 (Parábola dos Trabalhadores na Vinha), que preparei no final do ano passado para que futuramente faça parte de minha tese de doutorado. O resultado me agradou muito, cheguei a conclusões novas sobre o sentido texto, sobre a economia no cristianismo primitivo, e sobre o princípio da igualdade na comunidade cristã. Aconselho a leitura a todos.

O arquivo está disponível em pdf no site da revista Jesus Histórico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: www.revistajesushistorico.ifcs.ufrj.br

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO – HERMENÊUTICA OU ATUALIZAÇÃO

O roteiro exegético que eu queria propor aos meus alunos e leitores em geral está completo com a aplicação dos passos anteriores. A análise já nos deu materiais suficientes para que digamos o que quer dizer o texto, para supor de maneira mais crítica a leitura que seus primeiros leitores fizeram dele. Porém, parar aqui só satisfaz os acadêmicos. Falar sobre o texto como documento histórico, como obra literária, é o que faço nos meus artigos publicados; porém, isso não basta para a vida fora da academia, para a igreja, para a fé das pessoas que esperam de nós, exegetas, alguma resposta tirada da Bíblia.

Por isso incluo ao final da exegese este passo, a hermenêutica ou a atualização do sentido do texto. A partir do resultado obtido na exegese, nos perguntamos pelo valor que aquela mensagem possui para os nossos dias atuais. Aqui importam os valores, os princípios morais, éticos, os conselhos para se viver melhor e de acordo com o que acreditamos ser a vontade de Deus. É hora de pregar, de fazer com que o texto fale a todas as pessoas de maneira simples e prática, propondo um modo de vida, uma mudança de conduta, um novo tipo de comportamento...

É difícil estabelecer critérios para escolher o que merece ser lido como norma para os dias de hoje ou não. Muitas exegeses nos mostrarão que a mensagem central do texto não diz muito para a nossa geração, e ao tentarmos tirar do texto um sermão útil, acabamos por falar o que o texto não diz. Isso é um crime imperdoável; nós gastamos muito tempo estudando o texto para que agora o deixemos de lado para ensinar aos outros nossos próprios conceitos. Nestes casos, seja honesto, admita que o texto é antiquado e parta para outro. Jamais caia novamente no erro de usar o texto como pretexto para seus sermões.

Noutros casos o problema é que a mensagem do texto é ruim. Isso acontece mesmo quando estudamos a “palavra de Deus”. São textos que incentivam a violência, a discriminação, o sacrifício de animais... Coisas assim não nos servem, e temos que escolher entre desobedecer o texto ou falar asneiras que podem até resultar em processos contra nós. Eu escrevi algumas linhas sobre isso no meu blog, num texto chamado “O que eu faço com esse texto? Como pregar a partir de textos bíblicos que incentivam a violência”. Não vou repetir o que já disse, por isso indico o texto e encerro a questão dizendo que haverão ocasiões em que é melhor não usar o texto.

Agora o conselho mais útil. No geral, para tirar da Bíblia o que ela tem de melhor para os cristãos de hoje, eu parto sempre da mitologia como o ponto mais importante. Quero dizer, que é na mensagem de fé, de esperança, de uma restauração do mundo etc, que se concentra a mensagem atemporal da Bíblia. Os fatos históricos geralmente não são mais que curiosidades, mas quando o texto diz que Deus livra os seus das mãos dos inimigos, isso é importante e eterno. Não importa se o evento narrado ocorreu ou não, importa a fé do autor e nossa de que Deus salva aqueles que ama. Assim, repito: está na mitologia, na mensagem que exige fé, que não se poderá provar, aquilo que a Bíblia tem de melhor.

Esse passo exige prática e bom senso, sensibilidade às necessidades humanas e às atualidades mundiais... Porém, o mais importante é não se esquecer de partir da exegese. Sem exegese, tiramos do texto o que ele não disse, e voltamos a pregar qualquer coisa, como toda igreja por aí faz quando só vê na Bíblia aquilo que confirma seus pressupostos.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO – ANÁLISE DAS TRADIÇÕES

A análise da tradição que incluí aqui pode ser considerado um trabalho a ser feito junto ao passo anterior, a análise literária. Mas por razões didáticas, é bom que tratemos dele em separado.

Esse momento da exegese consiste basicamente em pesquisa bibliográfica. Ao identificarmos no texto alguma palavra ou expressão que possui um significado cultural, ligado ao seu período de uso ou de seu lugar, temos que fazer uso de dicionários teológicos ou livros especializados que explicam o que tal palavra ou expressão significa. Noutras palavras, o sentido do texto ficou para trás, dependia de uma tradição, e nós não o encontraremos a não ser que tomemos conhecimento dessas tradições.

Quando no Novo Testamento alguém fala sobre “sacrifício”, por exemplo, temos que nos lembrar que tal expressão remetia os primeiros leitores ao derramamento de sangue de animais em templos, uma forma primitiva de religião que hoje os cristãos rejeitam. Não podemos ler “sacrifício” e pensar em grande esforço ou dedicação, como hoje usamos o mesmo termo. Trata-se de um caso em que a tradição determinava o sentido da palavra, e por isso nós temos que fazer uma análise da tradição por trás desta palavra. Queremos saber como ela foi usada no Antigo Testamento, na literatura extra-canônica, no mundo romano etc...

Poderíamos dizer que este passo envolve também um estudo da intertextualidade bíblica. São casos em que um texto utiliza-se conscientemente ou não de outro, depende de certa forma dele. Por exemplo, quão dependente do Antigo Testamento, ou quão original, é o uso do termo “sacrifício” nas cartas de Paulo? Para responder a pergunta temos que estudar o sentido do “sacrifício” no Antigo Testamento e no mundo greco-romano, e avaliar se Paulo segue a mesma tradição ou transforma o termo a partir de seu próprio momento e experiência (como realmente faz em Rm 12.1-2).

Na distribuição da exegese, não costumo separar a análise da tradição do passo anterior, a análise literária. Incluo o resultado da pesquisa da tradição no texto sem especificá-lo.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO – ANÁLISE LITERÁRIA

Chegamos finalmente à hora de abordar nosso texto inteiro. Até agora, vimos o texto sendo dissecado e estudado em partes distintas; hora averiguamos sua tradução, hora sua forma, hora seu contexto narrativo, hora sua sociologia... Agora vamos abordá-lo completamente, frase por frase.

Neste passo, obviamente todas as informações já adquiridas anteriormente acabam voltando, se repetindo, mas o leitor só irá tomar conhecimento de nossa completa interpretação neste ponto, onde tudo o que foi trabalhado é novamente abordado e aquilo que fora deixado de canto ganha importância. Assim, nesta análise é importante ter sempre em mente que nada é descartável, que não há frases irrelevantes que devam ser puladas. Tudo, mesmo o que parece fácil ou que permanece sendo enigmático para o exegeta, deve ser comentado. Um erro comum dos exegetas é falar muito do que gostam, e ignorar aquilo que não entendem. Mas isso é uma séria falha metodológica.

Procuro me guiar pela subdivisão feita na análise das formas, estudando cada seção dividindo-a por frases. Falo de cada frase segundo a necessidade, e depois uno uma sub-unidade textual comentando seu conteúdo em geral. Essa dica faz sentido para que o exegeta não pense em abordar seu texto versículo por versículo, o que geralmente nos conduz a inúmeros problemas.

Como instrumento de pesquisa, é chegada a hora de ler outros exegetas, de ler os comentários bíblicos, de comparar suas conclusões precedentes com a de outros. Nalguns casos citamos os demais apenas para afirmar nossa opinião, ou para destacar a novidade de nossa interpretação. Mas há casos em que acabamos descobrindo que estávamos enganados, ou que deixáramos de ver algum detalhe do texto. Esta será, por isso, a parte do trabalho onde mais citaremos outros autores.

Há quem chame este passo de “análise de conteúdo”, e quem prefira o nome tradicional, o de “comentário”. Independentemente de como o chamamos, é aqui que explicamos o texto todo ou admitimos que há frases sem explicação, motivo pelo qual este passo ocupará um número de páginas maiores do que os passos anteriores.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

NOVO ARTIGO PUBLICADO: BREVE HISTÓRIA DA PROFECIA BÍBLICA


Quero divulgar a publicação de mais um artigo meu, chamado "Breve História da Profecia Bíblica". Ele tem uma história interessante: escrevi a maior parte de cabeça, sem consultar nada, quando fiz minha prova para entrar no mestrado na Medotista em 2008. Depois, divulguei-o no blog, usei-o em sala de aula, e aos poucos o aperfeiçoei. Em 2010 esse texto ganhou novas revisões para que servisse de base para a matéria Teologia do Antigo Testamento que lecionei no ICEC, pela convalidação da Faculdade Unida de Vitória. Esta versão é a que foi agora publicada pela revista Ciberteologia, que disponibiliza o texto integral em pdf. Acessem: ciberteologia.paulinas.org.br