sexta-feira, 1 de junho de 2012

AINDA PRECISAMOS DE IGREJA?

Ontem tivemos mais um gratificante encontro no ICEC (Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos). Leciono lá há algum tempo, e nesta quinta discutia com os futuros teólogos sobre textos que tratam do contexto político das cartas paulinas. Surgiu então, nem me lembro a partir de onde, uma breve conversa sobre nossa participação em igrejas. Venho diretamente ao blog para desenvolver aquele raciocínio esboçado e compartilhar algumas das conclusões alcançadas, que talvez não sejam definitivas nem abordem completamente a questão, mas que podem nos oferecer alguma orientação para a religiosidade pessoal.

Nos últimos anos tenho me convencido cada vez mais de que as ligações entre Deus e igrejas não são tão estreitas quanto geralmente as pessoas afirmam. Se cremos num Deus onipresente, não temos a necessidade nenhuma de ir até os "templos" para nossas práticas religiosas. Se Deus está lá, também está aqui agora no meu escritório, e no fundo não preciso de igrejas para esse negócio de "buscá-lo". Não acredito em dias santos, em lugares sagrados, em objetos inspirados... fico com aquela religiosidade simples, direta, disforme, incerta, e até ancestral se preferir.

Também tenho bem resolvida a questão do sacerdócio (já discuti isso noutra postagem), ou seja, não acredito que eu tenha que ir até determinadas "autoridades" ungidas, divinamente eleitas, que trabalham como intermediários entre Deus e os homens. Na verdade, tenho horror a essas "autoridades" que em muitos casos acabam misturando a voz de Deus aos seus próprios interesses e fazendo da religião um instrumento de manipulação. Discurso dos seus pressupostos, duvido das suas supostas "eleições", rejeito as hierarquias, e não pretendo me submeter a qualquer um deles.

Diante dessas minhas confissões, o leitor nota que não tenho nenhum apreço por instituições religiosas, e que minha primeira resposta à pergunta que fiz no título seria "não". Não acho que precisamos de igrejas. Mas não "precisar" de algo não quer dizer que devemos extinguir algo. Mesmo afirmando que igrejas não são necessárias, que não são essenciais para nossa vida religiosa, ainda não faço dessas instituições meus alvos. Não quero destruí-las nem incentivar ninguém que as frequenta a deixá-las. Só acho que precisamos ser mais independentes em relação a nossa religiosidade, e entender o que as igrejas podem oferecer e julgar se eu quero isso.

Na discussão de ontem em sala de aula, eu fiz algumas afirmações que me parecem importantes, que me conduziram à reflexão. Pensei que a igreja não é um lugar para "buscar Deus", como se ele só pudesse ser encontrado lá, mas é um lugar apropriado para reunir pessoas que o buscam, e que procuram na "teologia" razões para viver melhor.

Por "teologia" não me refiro àquela área acadêmica, mas à reflexão e discussão das coisas relacionadas à fé. Falo de uma teologia popular, cotidiana, em que pessoas que creem assimilam valores éticos e morais que se justificam pela fé, e pensam em modos de aplicar tais valores à própria vida nos níveis pessoal e social. Por exemplo, pela fé formulamos um conceito de justiça divina, que é contra as desigualdades e contra toda forma de violência. Desse conceito teológico elaboro estratégias para viver minha vida sob estes princípios, e gradualmente mudo minha forma de lidar com a família, com o trabalho, com a sociedade em geral.

Enfim, a igreja pode ser útil como um meio de aproximar pessoas de fé, conduzi-las a este tipo de reflexão teológica que nos impulsiona a melhorar como seres humanos, e elaborar estratégias práticas comuns que podem, se praticadas por grupos, produzir impactos sociais mais significativos. Daí afirmei que, se nossa vivência na igreja não está sendo capaz de nos motivar como seres humanos, se não nos faz refletir sobre a fé e sua expressão prática, então de nada está adiantando. Para crer em Deus, ler a Bíblia, orar, não precisamos de igrejas; mas igrejas conscientes de seu papel social, e capazes de produzir teologia de qualidade, podem ser ajuntamentos muito frutíferos.

Assim, a resposta final para a pergunta "ainda precisamos de igreja?" vai depender da experiência de cada pessoa. Cada frequentador de igreja deve julgar por si mesmo se está ouvindo meros sermões moralistas que julgam os "mundanos" e aprisionam as pessoas aos templos como se fossem os únicos lugares "santos" da terra, ou se encontram ali pessoas de fé conscientes de seu lugar no mundo. Da mesma forma, cada não frequentador de igreja precisaria também avaliar sua fé, julgar se realmente sua maneira individualista de crer em Deus e sua teologia pessoal têm promovido melhorias em si mesmo e para aqueles que o cercam.

7 comentários:

Nander Novaes disse...

Grande Anderson, paz e bem pra ti meu velho! Obrigado por postar este artigo. Já a alguns anos eu defendo a tese de que pertencer à membresia de qualquer comunidade religiosa cristã que seja não é fator sine qua non para a nossa experiência do e com o divino. Nunca foi, e jamais será, pois do contrário estaríamos encarcerados num sistema religioso heterônomo, liderado pelas chamadas "lideranças religiosas" que pessoalmente creio causam mais rupturas na vida espiritual das pessoas que as ajudam a religarem-se com Deus. De fato, ir à igreja não é fundamental para se ter vida com Deus, embora ali ainda possamos encontrar pessoas que, como você bem disse, podem compartilhar sobre o viver através da fé. No mais, eu fecho com o profeta (ou o crítico radical) Ezequiel, que pregava ào povo de Israel exilado na Babilônia que Deus estava presente ali mesmo, no exílio, e não necessariamente no templo em Jerusalém, como defendido por outros profetas. Em outras palavras ele falava de uma renovação interior, autônoma, mas que não excluía de forma alguma Deus como o mentoriador de todo o processo.

Sérgio Sanchez disse...

Ainda mais quando as pessoas acostumam a ter contato com Deus somente através da igreja, deixam de ter uma ligação com Ele, em qualquer lugar e a qualquer momento, e quando ficam sem poder ir a igreja, acabam se afastando de Deus.
boa matéria

Anderson de Oliveira Lima disse...

Nander, estou feliz por ver que leu minha reflexão. Claro que aqui não se trata de nenhuma tese, apenas do desejo de expressar opiniões pessoais. Sabes que foi um dos meus primeiros mentores na vida cristã, e por isso, saber que nossos caminhos distintos nos conduziram a convergências, é muito gratificante.

Obrigado amigo pelo apoio.

Anderson de Oliveira Lima disse...

Valeu Sérgio por continuar acompanhando meus devaneios. Precisamos nos aproximar, acho que você tem muito a me ensinar sobre essa coisa de viver a fé independente. Abraço.

Jairon disse...

Grande Anderson,

Concordo, penso na importancia da igreja, acredito na sua necessidade, mas rejeito a importancia mística valorizada por muitos.... grande reflexão !

Jairon

Anderson de Oliveira Lima disse...

Pois é Jairon, e aí vamos nós nessa procura por uma vida cristã perfeita, busca que nos ocupará até o fim. A verdade é que apesar do possível amadurecimento que nos livrou dessa dependência em relação às instituições, sentimos que sem a igreja estamos vivendo uma fé egoísta.

Que bom que leu e gostou da reflexão. Um abraço.

jubis disse...

creio firmemente que o projeto de Deus passa pela igreja local. Agora, que tipo de líderes e sermões, aí é outra história. A igreja ainda é o local onde as pessoas são instruídas a serem melhores seres humanos e ainda é o lugar de ter comunhão com outros que professam sua mesma fó, e ainda é o lugar de apoio mútuo. A igreja é um lugar de mutualidade.. Sem a igreja com i minúsculo a Igreja com I maiúsculo se desestrutura, se desliga e não consegue caminhar tão bem quanto juntos, interligados e em comunhão com Deus e com o próximo.