quarta-feira, 6 de junho de 2012

LENDO A EPÍSTOLA DE TIAGO


Introdução
Seguindo nossos hábitos de leitura, nos voltamos agora para a Epístola de Tiago para fazer dela o instrumento de nossos exercícios exegéticos. O principal objetivo é praticar a leitura livre, não dogmática, que lê atentamente e questiona o texto por conta própria. Metodologicamente, tentamos identificar as unidades temáticas, as estruturas que pelas quais se desenvolve o discurso, e sugerir a partir de nossos conhecimentos já adquiridos, caminhos para o entendimento do texto bíblico. Com isso queremos dizer que não nos ocuparemos com grandes pesquisas externas, dificilmente recorreremos à pesquisas bibliográficas, aceitando assim certas limitações em nossa leitura, que se caracteriza como passos iniciais da exegese propriamente dita.

Abertura (1.1)
Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que andam dispersas: saúde.
            O texto começa de maneira tradicional, apresentando seu autor e seus pretensos destinatários, mas mesmo essas simples colocações dão margem para algumas discussões que podem ser úteis, como introdução à nossas pesquisas. Primeiro consideremos o autor: sabemos que a pesquisa bíblica concorda, de modo geral, que esta epístola é uma obra pseudoepigráfica, isto é, ela na verdade é uma obra de autor anônimo que assume o pseudônimo “Tiago”. Este recurso é bastante comum dentro e fora da Bíblia, era usado para tornar mais relevante o conteúdo que se queria transmitir. Tal empréstimo não se limita ao nome de outrem, mas à autoridade que este personagem adquirira no contexto social da epístola, produzida provavelmente nas últimas décadas do primeiro século. Assim, por meio da influência de Tiago, uma nova geração de seguidores de Jesus poderia ser instruída de maneira mais eficaz.
            Este Tiago que aqui se mostra como um monoteísta “proto-cristão” (ele se diz servo de Deus e de Jesus Cristo), quer se dirigir às doze tribos dispersas, isto é, a judeus da diáspora. Porém, essa é uma definição muito abrangente; é improvável que ele realmente imaginasse que seria lido por judeus do mundo todo. O mais provável é que ele estivesse se dirigindo aos cristãos de etnia judaica, ou seja, às muitas e pequenas comunidades de judeus que criam em Jesus, que estavam espalhadas pelas nações já naquela época. Isso caracteriza o gênero “epístola”, que diferente de uma carta que é pontual, pessoal, é pensada desde o início como uma espécie de “circular”. As epístolas não se dirigem a pessoas ou grupos pequenos, mas são feitas para grandes públicos, para serem lidas e conhecidas por muitos, como todos os judeus servos de Jesus Cristo neste nosso caso. No início do versículo 2, vemos que a epístola fala aos “meus irmãos”, o que nos confirma que os leitores implícitos são mais limitados do que essas doze tribos a quem o autor primeiro se dirige.

As Provações da Fé (1.2-4)
2 Meus irmãos, tende toda alegria quando cairdes em várias tentações, 3 sabendo que a prova da vossa fé produz a perseverança. 4 E a perseverança tenha sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada necessitados.
               A epístola realmente começa no versículo 2, quando encontramos a primeira asserção de Tiago: “tende grande gozo quando cairdes em várias tentações”. Aqui temos uma afirmação estranha, que propõe uma interpretação particular do mundo que vai na direção oposta àquela do senso comum. Tiago diz aos irmãos que as tentações são boas, que são motivos de alegria. É obvio que a ideia comum que se tem sobre tentações é negativa, e por isso, esta afirmação precisa ser desenvolvida, defendida, explicada. O versículo 3 nos apresenta uma primeira explicação, nos mostra que as tentações às quais o texto se refere são provas de fé, e que uma fé que é provada e aprovada produz perseverança. Portanto, para ser uma pessoa perseverante, cuja fé é segura, é preciso superar os desafios que chamamos de tentações.
            No versículo 4 a argumentação ou defesa da asserção inicial continua. Diz o texto que a perseverança precisa ter sua obra perfeita, o que parece querer dizer novamente quão importante é superar os desafios da fé; e esta perseverança que foi aperfeiçoada por diferentes tentações vencidas produzem novos resultados, a saber: irmãos perfeitos, íntegros, em nada necessitados.
            Vamos representar graficamente o que lemos até aqui:

            Asserção/Leitura do Mundo: É bom cair em tentações

            Explicações:
·       Fé provada nas tentações = perseverança
o   Perseverança aperfeiçoada = irmãos perfeitos
       íntegros
       completos

A Falta de Sabedoria: Um Exemplo (1.5-8)
5 E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e não o lança em rosto; e ser-lhe-á dada. 6 Peça-a, porém, com fé, não duvidando; porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo vento e lançada de uma para outra parte. 7 Não pense tal homem que receberá do Senhor alguma coisa. 8 O homem de coração dobre é inconstante em todos os seus caminhos.
            Neste outros quatro versículos, julgamos ter um exemplo oferecido para tornar mais clara as afirmações feitas nos anteriores. Antes lemos que o “cristãos” que passa por tentações de fé e as vence, se torna mais perseverante, e que quando se adquire uma perseverança perfeita por meio de uma vida de superações, o resultado são cristãos perfeitos, íntegros, e que não têm falta de coisa alguma. Agora o autor nos propõe um exemplo, levantando o caso de alguém que não tem sabedoria. A falta de sabedoria, se identificada, pode ser solucionada através da ação de “pedir a Deus”. Aí está um exemplo de tentação, ou de prova para a fé. Esse pedido deve ser feito com fé e sem nenhuma dúvida, pois a dúvida torna o pedido ineficaz, reprova a fé daquele que pede, e consequentemente, tal cristão não terá nem sabedoria nem perseverança em sua fé.
            Esses versículos nos ajudam a entender provisoriamente o conceito de “tentação” usada em Tiago; trata-se de desafios para a fé. Os aprovados são aqueles vivem a partir dessas “certezas” religiosas sem duvidar. Também entendemos o seu conceito de “sabedoria”, que é uma forma de gnose, de sabedoria divina que se obtém por meio de um contato direto com a divindade. Por isso, para adquirir sabedoria não o leitor não é aconselhado a ler, estudar, meditar... ele deve orar, pedir a sabedoria de Deus.
            Assim, a crítica contra os homens inconstantes, que por falta de fé se deixam levar pelas circunstâncias, parece ser o tema da exortação dessas primeiras linhas de Tiago. Aparentemente ele imagina os judeus cristãos para os quais escreve como pessoas que suportam tentações, que são provados, desafiados, e pede que eles se alegrem nessas situações, que superem os desafios por meio da fé, e os motiva dizendo que aqueles que conseguem vencer tais tentações são aperfeiçoados adquirindo perseverança. Ainda não sabemos bem que tipo de tentações os tais possam estar sofrendo em termos práticos, o caso da sabedoria, como já dissemos, foi só um exemplo. De qualquer maneira, já sabemos que pelo menos segundo a interpretação que este autor faz da realidade, a fé deles está sendo exigida para que suportem algumas circunstâncias contrárias.

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