terça-feira, 19 de junho de 2012

O SUJEITO TEOLÓGICO


A fim de aprofundar os conceitos anteriormente expostos sobre a teologia e seu lugar no ambiente acadêmico e religioso, seguiremos desenvolvendo o tema a partir de um novo modo de ver. Procuraremos definir o “Sujeito Teológico”, que é um sujeito ideal e imaginário, que possui as principais virtudes que defendemos; ele será construído a partir da comparação didática com outros sujeitos estereotipados que criamos, o “Sujeito Religioso” e o “Sujeito Científico”. Tais personagens são fictícios, representam posições extremas, baseadas na união de características observáveis individualmente em sujeitos concretos. Por incluírem em suas descrições virtudes e defeitos presentes nos diferentes grupos sociais que observamos e para os quais atuamos, estes “sujeitos” podem nos ajudar a refletir sobre o posicionamento do teólogo no mundo atual, nos levando à reflexão construtiva.

O Sujeito Religioso: Comecemos definindo o “Sujeito Religioso” como aquele que usa a fé para interpretar o mundo. O “Sujeito Religioso” é fundamentalista, assume como verdades inquestionáveis os elementos de fé que assimilou, e julga tudo o que o cerca a partir de seus próprios dogmas. Como não podia deixar de ser, o “Sujeito Religioso” não está aberto ao diálogo quando qualquer de seus dogmas religiosos é questionado, e embora saibamos que tais dogmas são aceitos pela fé e estabelecidos pela autoridade religiosa, para este sujeito eles possuem mais valor ou são mais seguros do que qualquer resultado da aplicação de métodos científicos empíricos. Como resultado, o “Sujeito Religioso” vive em constante conflito com a racionalidade científica, que sempre está em transição ao oferecer novas formas de entender o mundo.
Dentre os muitos elementos negativos que resultam da postura fundamentalista, poderíamos destacar algumas que estão bem presentes em nosso cotidiano. Por exemplo, o “Sujeito Religioso” constrói sua identidade criando fronteiras imaginárias os homens, cria grupos antagônicos baseados principalmente na opção religiosa de cada um, e isso pode acabar por autorizar conflitos entre o “nós” e o “eles”. Muitas “guerras santas” tiveram seus reais interesses mascarados religiosamente, e mesmo quando a violência não é uma opção, a discriminação, a intolerância e o desrespeito para com as diferenças pode ser uma realidade. Assim, o “Sujeito Religioso” costuma rotular os grupos sociais, geralmente dividindo o mundo em duas partes, a dos “santos” e a dos “pecadores”, a dos “irmãos” e a dos “mundanos”, a dos “filhos de Deus” e a dos “filhos do Maligno”... Tudo isso reflete uma visão limitada do mundo, uma leitura condicionada pelo dogma que resulta no desconhecimento do outro.
Além de dividir a espécie humana em duas partes, também podemos constatar que o “Sujeito Religioso” mantém essa ótica dualista de mundo (céu e terra, bem e mal), em outras instâncias da vida. Para alguns deles, a terra é um terreno tenebroso, amaldiçoado, destinado à destruição. Não surpreende que para os tais, toda a materialidade é tratada com desprezo, e que o “Sujeito Religioso” negligencie seu papel na preservação da natureza, sua responsabilidade na ordem política, sua importância no âmbito social. Estes “desajustes” não são para ele meramente resultados da ação humana irresponsável, mas efeitos irreparáveis da criação, e a solução para tais desajustes está na expectativa de intervenções divinas, e isso em termos bem mitológicos. Se para esse tipo extremo de “Sujeito Religioso” a ordem problemática do mundo não é um problema cuja solução necessite de sua participação, é claro que outros desajustes sociais também ganham legitimação religiosa, e que os tais resistem às mudanças. Assim, a fé mantém sistemas opressivos, incentiva a hierarquização humana, a desigualdade socioeconômica, o machismo, a repressão contra a liberdade filosófica...
Como já dissemos, nosso personagem chamado “Sujeito Religioso” reflete uma leitura extrema que fazemos de sujeitos concretos que usam os dogmas religiosos como critério para interpretar o mundo. O que importa é afirmar que esta posição, mesmo que não assumida de maneira tão radical, não é a que consideramos ideal para o “Sujeito Teológico” que procuramos formar. O discurso do sujeito religioso é abrangente para o fiel em termos cosmológicos, porém ineficaz em seus efeitos práticos e na sua influência externa. Sua fundamentação religiosa e resistência injustificada para com a racionalidade científica é vista como postura antiquada, como elemento limitador para sua visão de mundo, e com efeito, tal discurso possui alcance restrito, fica preso ao círculo de uma mesma confissão religiosa, e produz poucos resultados para além do indivíduo e seu grupo mais íntimo.

O Sujeito Científico: Em radical oposição ao anterior, o “Sujeito Científico” ou racional é aquele que assume a ciência e seus métodos como elemento capaz de explicar o mundo. A sua suposta racionalidade empírica, todavia, resulta numa forma invertida de fundamentalismo, onde a “ciência” assume mesmo poderes sobrenaturais e concentra todas as esperanças do indivíduo. O não reconhecimento das limitações inerentes à racionalidade científica é também uma forma de dogmatismo, tão cega quanto qualquer fanatismo religioso, pois o cientista contemporâneo deve saber das limitações dos seus métodos, da subjetividade das suas escolhas e leituras, e da transitoriedade dos resultados da sua ciência.
            Como acontece com o “Sujeito Religioso”, o “Sujeito Científico” acaba rotulando os seres humanos. A princípio, podemos supor que seu critério de avaliação seja o conhecimento, todavia, em muitos casos a opção religiosa é o elemento utilizado para tal classificação. Desta maneira, pode o “Sujeito Científico” agir de maneira contrária à sua racionalidade ao considerar o indivíduo religioso sempre um ignorante, antiquado, infantil... Portanto, a racionalidade desse tipo não é capaz de pôr fim aos preconceitos e às falsas fronteiras que dividem a humanidade em nosso imaginário.
            Além do que já foi dito, o “Sujeito Científico” pode ser caracterizado pelo pragmatismo que condiciona suas ações. Ou seja, todo seu empenho está baseado na necessidade, na demanda, e sua ciência como instrumento para ler o mundo acaba servindo como um facilitador para nossa cultura de consumo. O “Sujeito Científico” emprega seu tempo e pesquisa tendo em vistas o resultado prático e lucrativo, e a religião naturalmente será um produto cultural de importância relativa. Não é fácil notar que em todo esse processo produtivo existe uma carência de fundamentação ética, a qual é substituída por leis e ameaças, cujos resultados em nossa sociedade já demonstram sua insuficiência. Mesmo assim, o “Sujeito Científico” continua acreditando na racionalidade, na sociedade perfeita que é construída por meio da democracia e de códigos legais mais abrangentes. Se o sistema não funciona, a culpa é dos seres “não racionais”, que votam por motivos religiosos, que por ignorância não entendem nem obedecem as normas estabelecidas.
            Sem dúvida, o discurso do “Sujeito Científico” parece mais atual, porém, ainda se mostra inocente quando não sabe reconhecer sua insuficiente e não é capaz de reconhecer o valor de explicações alternativas para a existência. Por mais atualizado que seja cientificamente, ele continuará sem respostas para antigas crises existenciais dos seres humanos, e naturalmente, essa lacuna continuará sendo preenchida pela mitologia, linguagem que continua sendo de domínio religioso.

O Sujeito Teológico: Diferente dos outros sujeitos descritos, o “Sujeito Teológico”, que não precisa necessariamente ser um teólogo, é aquele que sabe articular o conhecimento religioso e científico, tirando de ambos os elementos necessários para interpretar o mundo. Noutras palavras, ele é alguém que assume a racionalidade científica e suas explicações, mas que não considera isso um empecilho para a fé que é necessariamente não empírica.
            Pode parecer estranho, mas o “Sujeito Teológico” é capaz de assumir Deus como uma hipótese plausível, como o elemento capaz de explicar o que não pode ser explicado cientificamente. Porém suas definições religiosas não admitem dogmatismos. Por estar em conformidade com a evolução da racionalidade científica, o “Sujeito Teológico” entende que por vezes é necessário reformular sua hipótese religiosa, conformando sua fé às conclusões científicas que lhe parecem seguras. Logo vê-se que o “Sujeito Teológico” não é necessariamente um indivíduo religioso, embora possa se manter participante de atividades rituais. Diferente dos outros sujeitos fundamentalistas que descrevemos, o “Sujeito Teológico” está consciente das limitações de seu conhecimento, da transitoriedade de seus pressupostos, e assim se transforma em alguém mais tolerante, que não julga necessário “converter” o outro às suas hipóteses.
            Outra virtude do “Sujeito Teológico” é que ele, por não fazer da religião o fim último de sua ação no mundo, atua de maneira mais eficaz sobre a realidade do que o “Sujeito Religioso”. Todavia, diferente do “Sujeito Científico” que se caracteriza por um pragmatismo consumista, o elemento religioso lhe oferece padrões éticos que o envolvem numa missão de caráter mais humano, permeada por valores que só se justificam através da fé. O “Sujeito Teológico” se torna, dentre os três estereótipos criados, o mais eficaz quando pensamos em temas como o da “consciência ecológica”, quando empreendemos ações sociais que visam alcançar o próximo em sua integralidade, ou quando falamos de verdadeiro ecumenismo.
            O discurso do “Sujeito Teológico”, por conta de tudo o que já dissemos, é o mais maleável. Este sujeito é capaz de dialogar com competência dentro dos meios acadêmicos, pois valoriza a educação formal e pode possuir as competências adquiridas nas instituições de ensino, mas ele não deixa de ser relevante nos círculos religiosos, onde pode se transformar no grande responsável pela transformação social.

Um comentário:

Anônimo disse...

Texto excelente, conheço alguns destes "sujeitos" e me identifiquei com um deles, acho que até mesmo antes de me converter e estudar no ICEC rsrsrsrs abraços. Valderi