O tema deste capítulo é a religiosidade sacrificial, prática
tão antiga quanto a própria religiosidade, e que por isso não pode ser datada
ou localizada.
Como temos feito, vamos estudar textos bíblicos, analisar a lógica sacrificial expressa em textos bíblicos, e daí extrair conceitos gerais sobre a religiosidade sacrificial, que sem dúvida poderão servir a análises de outras religiões não vinculadas às tradições bíblicas.
Como temos feito, vamos estudar textos bíblicos, analisar a lógica sacrificial expressa em textos bíblicos, e daí extrair conceitos gerais sobre a religiosidade sacrificial, que sem dúvida poderão servir a análises de outras religiões não vinculadas às tradições bíblicas.
Infelizmente não é possível oferecer apenas uma resposta à
existência desse tipo de religiosidade, em que os deuses exigem vidas humanas
ou animais. No final do mito do dilúvio em Gênesis 9.5, Deus é o narrador e
quer sangue humano, mas neste caso, o texto já aboliu o sacrifício humano substituindo-o
pelo sacrifício de animais:
E certamente requererei o vosso sangue,
o sangue da vossa vida; da mão de todo animal o requererei, como também da mão
do homem e da mão do irmão de cada um requererei a vida do homem.
Assim, a Bíblia traz a memória do sacrifício humano, mas
sempre o rejeitando. Em Levíticos 27 temos alguns bons exemplos disso, pois o
texto trata de casos em que alguém quer oferecer uma oferta a Deus, dedicando
pessoas através do sacrifício (v. 2). Mas o Deus de Levíticos, embora aceite
tais ofertas, não quer que seres humanos sejam mortos, então estabelece valores
para o “resgate”, isto é, um preço que deverá ser pago um lugar da vida que se
queria oferecer. Os homens de vinte a sessenta anos valem seiscentos gramas de
prata, e as mulheres trezentos (v. 3-4). Pessoas mais jovens ou idosas que isso
valem bem menos (v. 5-7). Caso a pessoa quisesse oferecer uma vida e não tenha
prata para pagar o valor estabelecido para o resgate, deveria levar a pessoa
viva ao sacerdote, que estabeleceria um valor condizente com suas condições (v.
8).
Embora não encontremos muitas justificativas para o sacrifício
humano, segundo a Bíblia Hebraica pessoas são dedicadas a Deus e passam a servi-lo
de forma vitalícia por meio de atividades sacerdotais. Este é o caso de uma tribo
inteira, os filhos de Levi (os levitas). Segundo Números 3.41, eles devem ser dedicados
ao Senhor em resgate por todos os primogênitos do povo de Israel. Esta tribo se
tornaria a responsável pelos ofícios religiosos, e não teriam direito a terras como
heranças, pelo que também não tinham independência econômica, precisando ser sustentadas
pelas demais tribos. Como resultado desse modelo religioso que elege sacerdotes
de tempo integral, o Deus deles continuará exigindo ofertas, dízimos, sacrifícios
diversos, para a sustento da linhagem sacerdotal.
Números 18.14-16 Deus diz que todo primeiro macho nascido de qualquer
ventre pertencerá a Arão, isto é, aos sacerdotes. Por isso, os israelitas deveriam
resgatar os primogênitos humanos pelos valores estabelecidos, assim como todos os
animais considerados impuros para o sacrifício. Entretanto, há animais considerados
puros, e estes não seriam resgatados, mas sacrificados no lugar escolhido. Na cerimônia
religiosa, parte do animal era queimada no altar para Deus, e outra parte da carne
serviria de alimento aos sacerdotes (v. 17-18).
Nestas primeiras considerações fica claro que na tradição bíblica
temos a assimilação de hábitos religiosas antigos, que estão sendo adaptados à cultura
e necessidades locais. O sacerdócio e o sacrifício são instâncias inseparáveis dessa
antiga tradição religiosa. Olhando por um lado, Deus quer sacrifícios, ele se agrada do
derramamento de sangue, do cheiro dos cadáveres queimados, e sem dúvida a prática
sacrificial pode ser entendida como um tipo de manipulação do sagrado. Por conta
disso, eles precisam de pessoas aptas para manter Deus continuamente satisfeito,
e estabelecem ofícios sacerdotais e normas rituais. Por outro lado, a eleição de sacerdotes é um fenômeno
social que traz suas implicações econômicas, pois se alguém vai viver exercendo
atividades religiosas, outros precisam trabalhar mais para sustentar esses sacerdotes.
Daí é preciso exigir sacrifícios, ofertas, dízimos, e de certa maneira controlar
a religiosidade popular a fim de que o sistema possa funcionar.
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