quarta-feira, 13 de junho de 2012

A RELIGIOSIDADE SACRIFICIAL NA LITERATURA BÍBLICA


O tema deste capítulo é a religiosidade sacrificial, prática tão antiga quanto a própria religiosidade, e que por isso não pode ser datada ou localizada.
Como temos feito, vamos estudar textos bíblicos, analisar a lógica sacrificial expressa em textos bíblicos, e daí extrair conceitos gerais sobre a religiosidade sacrificial, que sem dúvida poderão servir a análises de outras religiões não vinculadas às tradições bíblicas.
Infelizmente não é possível oferecer apenas uma resposta à existência desse tipo de religiosidade, em que os deuses exigem vidas humanas ou animais. No final do mito do dilúvio em Gênesis 9.5, Deus é o narrador e quer sangue humano, mas neste caso, o texto já aboliu o sacrifício humano substituindo-o pelo sacrifício de animais:
E certamente requererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida; da mão de todo animal o requererei, como também da mão do homem e da mão do irmão de cada um requererei a vida do homem.
Assim, a Bíblia traz a memória do sacrifício humano, mas sempre o rejeitando. Em Levíticos 27 temos alguns bons exemplos disso, pois o texto trata de casos em que alguém quer oferecer uma oferta a Deus, dedicando pessoas através do sacrifício (v. 2). Mas o Deus de Levíticos, embora aceite tais ofertas, não quer que seres humanos sejam mortos, então estabelece valores para o “resgate”, isto é, um preço que deverá ser pago um lugar da vida que se queria oferecer. Os homens de vinte a sessenta anos valem seiscentos gramas de prata, e as mulheres trezentos (v. 3-4). Pessoas mais jovens ou idosas que isso valem bem menos (v. 5-7). Caso a pessoa quisesse oferecer uma vida e não tenha prata para pagar o valor estabelecido para o resgate, deveria levar a pessoa viva ao sacerdote, que estabeleceria um valor condizente com suas condições (v. 8).
Embora não encontremos muitas justificativas para o sacrifício humano, segundo a Bíblia Hebraica pessoas são dedicadas a Deus e passam a servi-lo de forma vitalícia por meio de atividades sacerdotais. Este é o caso de uma tribo inteira, os filhos de Levi (os levitas). Segundo Números 3.41, eles devem ser dedicados ao Senhor em resgate por todos os primogênitos do povo de Israel. Esta tribo se tornaria a responsável pelos ofícios religiosos, e não teriam direito a terras como heranças, pelo que também não tinham independência econômica, precisando ser sustentadas pelas demais tribos. Como resultado desse modelo religioso que elege sacerdotes de tempo integral, o Deus deles continuará exigindo ofertas, dízimos, sacrifícios diversos, para a sustento da linhagem sacerdotal.
Números 18.14-16 Deus diz que todo primeiro macho nascido de qualquer ventre pertencerá a Arão, isto é, aos sacerdotes. Por isso, os israelitas deveriam resgatar os primogênitos humanos pelos valores estabelecidos, assim como todos os animais considerados impuros para o sacrifício. Entretanto, há animais considerados puros, e estes não seriam resgatados, mas sacrificados no lugar escolhido. Na cerimônia religiosa, parte do animal era queimada no altar para Deus, e outra parte da carne serviria de alimento aos sacerdotes (v. 17-18).
Nestas primeiras considerações fica claro que na tradição bíblica temos a assimilação de hábitos religiosas antigos, que estão sendo adaptados à cultura e necessidades locais. O sacerdócio e o sacrifício são instâncias inseparáveis dessa antiga tradição religiosa. Olhando por um lado, Deus quer sacrifícios, ele se agrada do derramamento de sangue, do cheiro dos cadáveres queimados, e sem dúvida a prática sacrificial pode ser entendida como um tipo de manipulação do sagrado. Por conta disso, eles precisam de pessoas aptas para manter Deus continuamente satisfeito, e estabelecem ofícios sacerdotais e normas rituais. Por outro lado, a eleição de sacerdotes é um fenômeno social que traz suas implicações econômicas, pois se alguém vai viver exercendo atividades religiosas, outros precisam trabalhar mais para sustentar esses sacerdotes. Daí é preciso exigir sacrifícios, ofertas, dízimos, e de certa maneira controlar a religiosidade popular a fim de que o sistema possa funcionar.

Nenhum comentário: