quarta-feira, 21 de março de 2012

O QUE É “OBRA DE DEUS”? – UM MANIFESTO PELO SACERDÓCIO PESSOAL

A pergunta é: o que é “obra de Deus”? Esta questão volta a ser relevante quando nos sentimos agredidos por líderes religiosos que dizem fazer a “obra de Deus” enquanto manipulam pessoas sem instrução e arrecadam fortunas. Tudo o que se pede é em nome de Deus, e mais especificamente, o dinheiro que se exige do público religioso é para a “obra de Deus”. Então, volto a perguntar: o que é “obra de Deus”?

Sem procurar muita profundidade, diríamos que essa prática é uma herança cultural de antigas formas de religiosidade. Nas páginas da Bíblia, e também entre os povos não contemplados em suas narrativas, houveram inúmeros homens (principalmente homens, já que as mulheres dificilmente eram dignas de fazer a “obra de Deus”, pelo que até Deus é imaginado como um homem) que atraiam o público por serem os “fazedores” da “obra de Deus”. Primeiro os videntes e curandeiros, que de maneira bem popular evocavam forças sobrenaturais e colocavam o mundo em contato com os deuses. Mas nos referimos principalmente aos sacerdotes em suas mais diferentes formas, que em todas as partes do mundo existiram e trabalharam na “obra de Deus”. O que faziam os sacerdotes? Eles eram intermediários entre os deuses e os homens, diziam-se incumbidos da responsabilidade de guiar os homens na direção desejada pelos deuses. Eles interpretavam o mundo, e em tempos de seca, de guerra, de pragas, aplacavam a ira dos deuses com ofertas em nome de todos.

Se olharmos para o sacerdócio dos tempos do Antigo Testamento, por exemplo, hoje concordaremos que o que eles faziam e chamavam de “obra de Deus” era basicamente derramar sangue. O sacrifício era a principal atividade religiosa desses homens, coisa que obviamente, nos parece antiquada e não divina. Então, quem lhes mandou fazer tais coisas para os deuses? Ou ainda, quem lhes elegeu ao sacerdócio?

É difícil dizer como tudo começou, mas não demorou muito para que percebessem quão vantajosa podia ser a atividade sacerdotal. Pedir que o povo trouxesse recursos para alimentar os deuses mostrou-se uma fonte de lucro pessoal, e por isso, nos dias de Jesus os líderes religiosos eram os homens mais ricos da sociedade judaica. Assim, também a eleição de sacerdotes se tornou uma disputa por privilégios; e aquela linhagem sacerdotal idealizada, formada exclusivamente por descendentes de Arão, havia sido substituída inúmeras vezes, de modo que quem fosse mais dedicado aos serviços políticos, auxiliando os poderes estrangeiros no controle da população local subjugada, era quem tinha melhores condições de manter o sacerdócio.

A “obra de Deus”, infelizmente, sempre atendeu aos interesses humanos. Os obreiros não eram escolhidos por Deus, claro, e uma série de interesses escusos sempre permeou a atividade religiosa. Tais motivos provocaram tantas divisões, tantas batalhas internas, tantos escândalos... Até que mais recentemente os reformadores, revoltados com os abusos dos líderes do catolicismo romano criaram uma nova forma de religiosidade, que estava baseada numa utopia: eles defenderam o “sacerdócio universal” dos crentes. Ou seja, todos podemos ser sacerdotes, e com isso não precisamos nos curvar àqueles que distribuem entre si títulos honoríficos e passam a vida a explorar a fé dos “leigos”. Cada pessoa poderia, de acordo com essa utopia, ser um sacerdote, buscar por si mesmo o contato místico com a sua divindade, e mais, podia ter acesso direto ao texto sagrado em seu próprio idioma. Mas a utopia não pôde revolucionar a religião cristã tanto quanto se imaginava, pois as hierarquias eclesiásticas não desapareceram, talvez porque tantos milênios de opressão religiosa nos tenha marcado sobremaneira.

E hoje, como anda a tal “obra de Deus”? Agora os sacerdotes (eles mudaram o nome da atividade para não notarmos quão sanguinários ainda são) não aceitam mais bois, ovelhas e cereais, eles querem dinheiro vivo, para não ter que queimar nada no altar. Dizem que você deve “se sacrificar” um pouco pela “obra de Deus” depositando alguma quantia numa conta bancária, para que eles administrem este valor na “obra de Deus”. Na verdade, o dinheiro é investido nos próprios programas de TV e nas construções dos seus templos. Isso é “obra de Deus” para eles, já que por trás de tais empreendimentos sempre dizem que a divulgação do evangelho para a salvação das pessoas é o objetivo. Todavia, não há como negar que maiores templos e mais programas de TV não só atraem mais pessoas, como mais dinheiro. Quem tem fé, pode acreditar que o objetivo é realmente o evangelho (embora na maioria das vezes o tempo dedicado ao seu anúncio seja pequeno, e a qualidade das ministrações ridícula), mas quem não tem, vai sempre entender que o enriquecimento pessoal e o fortalecimento empresarial são as verdadeiras “obras de Deus” que os tais líderes estão empreendendo.

Vê-se que o argumento religioso continua sendo bom, eficaz. Todavia, há uma grande falha em todo esse sistema religioso, que é o próprio direito de ser sacerdote. Os líderes religiosos de hoje precisam legitimar suas atividades, então criam vínculos falsos entre si e os antigos sacerdotes. Por exemplo, dizem que a “casa do tesouro” de Malaquias agora é sua própria igreja, dizem que os dízimos que cobram é o mesmo dos textos bíblicos. Mas a verdade é que eles estão reconstruindo as arcaicas e abusivas instituições religiosas que os profetas condenaram, que Jesus menosprezou, que os reformadores, ao menos na teoria, quiseram transformar.

Agora exponho a verdade (pelos menos a minha): não existem sacerdotes! Afirmo que ninguém foi chamado por Deus para exercer controle religioso sobre a vida dos outros, que Deus não criou hierarquias religiosas, nem ordenou que nos submetêssemos aos tais. Se alguém julga ter algo a oferecer, a ensinar, alguma experiência que pode auxiliar outros em sua busca religiosa, que seja um mestre, e não um sacerdote; que seja um companheiro de caminhada, não um intermediário entre os homens e os deuses. Insisto que se existe alguma “obra de Deus”, esta não está sob a administração desses líderes, e deixo esta orientação: prega o evangelho por ti mesmo, ajuda o próximo com teu dinheiro, mas não se sinta obrigado a deixar nas mãos de outros homens tal responsabilidade.

Sente-se incapaz de assumir o sacerdócio da tua vida? A Bíblia está aí para que você leia. Não sabe ler? As escolas estão aí para que aprendas. Ou então, em vez de pedir que alguém administre tua vida religiosa, peça que o ensine a ler a Bíblia, para que adquiras autonomia e sirvas a Deus sem ser controlado por outros.

Pronto, coloquei minha utopia! Ela vai mudar alguma coisa? Não sei, eu estou mudando a partir dessas reflexões e me sinto livre. Hoje realmente não preciso prestar contas aos homens sobre o que acredito ou o que digo. Penso que tenho sim responsabilidades para com outros seres-humanos, e que Deus espera algo de mim, todavia, não me quero ajuda de sacerdotes, e nem quero me tornar um sacerdote. Eis o meu manifesto pelo sacerdócio pessoal dos crentes.

3 comentários:

Vj disse...

Qual é ordem hoje? não é investir no reino!!que reino é este? o do céus? mas eles vivem como se nunca fossem morar no céu... e ainda dizem para não ajuntar tesouro na terra e sim no céu, sendo que suas contas bancarias estão recheadas...! Estes homens tem que ser desmascarados.
O que a igreja deveria fazer hoje, não o faz que é denunciar a corrupção

Em busca da verdade disse...

acho que esse é o grande desafio... sera que concientizar as pessoas disso muda algo ou elas estao tao alienadas que gostam de ter alguem responsavel por sua "vida eterna", e pior pagando por esses serviços. devemos continuar a falar, uma hora dessas algo começa mudar, ou nos mantem pensando assim e relembrando a nós mesmos nosso compromisso.

Anderson de Oliveira Lima disse...

Ufa!!! Que bom que alguém entende o que estou falando! Esqueci de uma coisa: a maior prova de que a "obra de Deus" dessa gente não é investir em pessoas e em sua salvação, é que essas pessoas alcançadas não têm liberdade para frequentar outra igreja, e eles constroem seus templos em lugares já evangelizados demonstrando que querem membros para si, e não discípulos de Cristo para o Reino de Deus...

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