Leia mais essa passagem de Mateus e note que José continua dominando a narrativa, guiando o menino Jesus e orientando-se a partir dos desígnios divinos. Como já dissemos, ele é, em Mateus, bem mais importante que Maria. Agora, o anjo lhe diz para que fuja para o Egito com a família, a fim de livrar o menino Jesus da violência de Herodes, que ainda planejava matar o suposto futuro rei dos judeus (v. 13). José, claro, faz o que o anjo manda, e fica no Egito até que Herodes morre (v. 14).
Aqui, como de costume, Mateus inclui uma citação do Antigo Testamento que lhe parece relacionada à vida de Jesus. Outra vez, ao citar Oséias 11.1, Mateus lê o texto desconsiderando seu significado primevo; ele nem mesmo menciona que Jeremias falava do êxodo, da saída do Egito, mas vê apenas a volta de Jesus do Egito, como um novo libertador semelhante a Moisés. Novamente, o texto é lido a partir da perspectiva exclusiva do leitor, a despeito de seus significados históricos.
É bom aproveitar a ocasião para ver que há uma costura de perícopes neste ponto do evangelho. Nos versículos 13 a 15 temos um texto completo, com uma citação do Antigo Testamento que completa a idéia. Herodes já morreu, o menino Jesus já pode voltar, mas o evangelista une a essa passagem outra em que Herodes Magno ainda vive, a fim de tornar sua narrativa mais completa. A narrativa retrocede cronologicamente, deixando-nos ver um problema de coesão. Passemos então a esta segunda parte, que segue a mesma estrutura com uma breve narrativa e uma citação bíblica como conclusão.
Herodes, ainda vivo, manda matar todos os meninos de dois anos para baixo em Belém e nas proximidades (v. 16). Jesus, como sabemos, já não está na região, fugiu para o Egito, para que de lá voltasse, simbolicamente, como um novo Moisés libertador. Nem vem ao caso se esta matança de crianças realmente aconteceu na história; no texto, ela é importante porque mais uma vez nos faz lembrar de Moisés, que por pouco livrou-se da morte quando o faraó ordenou que matassem os meninos hebreus, em Êxodo 1. A mensagem não precisa de comprovação histórica, pois tem o objetivo de anunciar Jesus como um Messias mosaico, e trabalha com uma perspectiva intra-textual, fazendo-nos viajar pelas histórias da Bíblia.
Uma nova citação de Jeremias 31.15 fecha a perícope. Uma leitura rápida desta passagem de Jeremias e dos versículos subseqüentes é suficiente para nos revelar que mais uma vez Mateus não faz uma grande exegese. A Raquel é simbólica, e chora por seus filhos por conta do exílio babilônico; Mateus aplica esta passagem à morte dos meninos em Belém.
A conclusão que podemos tirar dessas duas passagens é a seguinte: o evangelho de Mateus quer nos convencer de que Jesus é o Messias, fazendo-o semelhante a Moisés. Vemos que esta é mais uma característica de sua própria expectativa messiânica, a de que o Messias seria como Moisés. Os sinais para que o identifiquemos desta forma estão aí: Jesus é perseguido no nascimento, como Moisés; Jesus escapa da morte no Egito, e de lá sai como um libertador para a sua nação, como Moisés.
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