quinta-feira, 25 de novembro de 2010

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO – ANÁLISE DA ESTRUTURA EXTERNA DO TEXTO / O CONTEXTO LITERÁRIO

Até agora, o que vimos se limita ao estudo da perícope, do texto que selecionamos que pode variar de tamanho, de um a dezenas de versículos. Eu disse que não era aconselhável ao estudioso consultar fontes externas para que exercitasse sua percepção, sendo melhor ficar apenas no texto em si. Pois bem, começaremos agora a ampliar nossos horizontes, mas vamos devagar, vamos ampliá-lo a princípio para os textos que rodeiam o nosso.

O contexto literário é a análise do lugar em que nossa perícope se encontra. Perguntamos primeiros sobre o que há antes e depois, no mesmo capítulo e nos que estão em volta. Será que há alguma relação entre os textos? Será que nosso texto é parte de uma composição maior?

Eu, por exemplo, trabalhei no meu mestrado Mateus 6.19-21. São só três versículos. Mas eles fazem parte de uma unidade maior de textos econômicos, que vai de 6.19-34. E não é só, esta unidade é parte de um bloco ainda maior, que é o chamado “Sermão da Montanha” de Mateus, que engloba os capítulos 5 a 7. E depois tive que ver os demais discursos de Mateus, que são cinco. A montagem dos textos não é igual à dos demais evangelhos, e certamente não coincide com a trajetória de Jesus, trata-se de estratégia literária.

Então, temos que pensar que nosso texto foi montado pelo autor/redator de maneira estratégica, e entender porque nosso texto está aqui e não em outro lugar, ou porque ele está junto com este ou aquele texto. Até vale a pena consultar alguma literatura para ver outras propostas de estruturação do livro, mas em geral, suas conclusões pessoais são melhores que as dos outros.

Não desistam, ainda temos cinco passos pela frente. Até a próxima.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO – ANÁLISE DO GÊNERO LITERÁRIO

Tenho notado que muitos exegetas principiantes confundem a análise das formas (assunto da última postagem) com a análise dos gêneros literários. Isso é um erro. Quando falamos de gêneros literários, falamos de padrões estabelecidos no discurso bíblico, de modelos tradicionais que vez ou outra são empregados para se compor um novo texto. Mas nem sempre um texto é construído a partir de formas fixas de um gênero mais antigo, e nestes casos a análise das formas é independente.

Então, os gêneros literários são espécies de convenções da linguagem, que oferecem formatos comuns sob os quais podemos escrever novos textos. Por exemplo, uma parábola é um gênero que possui características específicas, como a linguagem metafórica, a abertura típica, o elemento de comparação geralmente tirado da natureza, um final surpreendente que traz o ensino pretendido por quem a conta... Então, se estamos estudando uma parábola, devemos entender as características de uma parábola para que compreendamos melhor nosso texto. Isso acontecerá muitas vezes, nas profecias, nos textos apocalípticos, nas histórias de casamento, nas aparições de anjos, nas genealogias etc. Em todos estes casos temos que estudar o gênero empregado, e aí sim, este passo exegético pode ser considerado parte da análise das formas.

Repetindo, se não identificamos um gênero literário específico sendo adotado em nosso texto, isso não nos impede de estudar sua forma. Aí as dicas fornecidas no passo anterior continuam sendo as melhores.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO - ANÁLISE DA ESTRUTURA INTERNA DO TEXTO / ANÁLISE DAS FORMAS

O tema de hoje é análise da estrutura interna do texto, ou a análise das formas. Enquanto no item anterior foi dito que a crítica textual é um passo metodológico opcional, agora devemos começar dizendo que este é um passo obrigatório, para o qual eu costume dedicar bastante tempo. Entendo que uma boa tradução e uma boa análise das formas já nos dão uma exegese bem desenvolvida, mas esse método de análise não é nada fácil. Primeiro porque não costumamos ouvir ninguém falar do assunto, e mesmo os livros costumam ser insuficientes para o estudo das formas. Segundo porque cada texto possui uma forma particular, e saber analisar os profetas não significa saber analisar Atos dos Apóstolos, isso pelas enormes diferenças entre os gêneros literários. Então, tentando ser breve, fornecerei aqui definições simples, para uma primeira análise das formas.

Para falar da estrutura interna do texto de maneira simples, eu diria que o principal objetivo deste passo metodológico é identificar as divisões naturais de um texto. Quero dizer que quando escrevemos, seguimos de maneira involuntária. Quando paramos de falar para respirar, criamos no discurso uma lacuna que textualmente é expressa por vírgulas ou pontos; quando mudamos de assunto temos que mudar de parágrafos, ou mesmo de capítulo, e quando incluímos explicações geralmente usamos parênteses. Ou seja, os sinais de acentuação servem para demarcar no texto as subdivisões que já existem em nossa fala.

O problema da Bíblia é que no tempo em que foi escrita não existiam esses sinais, e todas as vírgulas, pontos, parágrafos, capítulos ou versículos, foram inventados posteriormente para facilitar nossa leitura, porém, são interpretações do texto que nem sempre nos ajudam. Nossa tarefa então constituir-se-á dos seguintes momentos: 1) temos que ler o texto novamente separando frase por frase; 2) depois tentamos entender as relações entre cada uma das frases que foram separadas, onde notaremos que há frases que dão continuidade à anterior, frases que só repetem a anterior noutras palavras, e frases que mudam o assunto; 3) entendida a relação entre as frases, podemos dar nome a elas para entender a estrutura do texto, ou seja, onde está sua introdução, sua conclusão, a exposição do tema, as exemplificações etc; 4) finalmente, sugiro que construamos um gráfico que traduza o texto e exponha aos nossos olhos de maneira mais clara cada umas seções que formam esta perícope.

Parece difícil? Mas essa tarefa é muito intuitiva e basta ler o texto com atenção para que a realizemos. Lembre-se que o objetivo é só identificar as divisões naturais da fala e do pensamento humano. Existem sim estruturas textuais elaboradas, pensadas por autores hábeis, construídas como verdadeiros quebra-cabeças, mas como introdução, procuro ajudar os estudantes a encontrar apenas aquelas estruturas básicas do discurso humano, o que é suficiente para analisar a grande maioria dos textos bíblicos.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO – NOTA SOBRE CRÍTICA TEXTUAL

Para que não se pense que negligenciei esse passo exegético, vou fazer apenas algumas observações sobre ele justificar a não utilização do mesmo no método que estou propondo.

A Crítica Textual é um passo exegético em que comparamos as principais variantes que existem entre os antigos manuscritos bíblicos existentes. Sabemos que não existem originais dos textos bíblicos, mas cópias de séculos posteriores que hoje nos servem de base para a produção de nossas Bíblias; a questão é: qual dessas cópias é mais fiel ao original que se perdeu?

Por exemplo, vemos que para um determinado texto que estamos estudando existem diferentes manuscritos antigos, mas que apresentam pequenas variações. Empregamos critérios técnicos para escolher a versão que provavelmente mais se aproxima da original, e também podemos explicar os motivos para que os copistas deixaram que tais alterações se introduzissem no texto bíblico.

Como vemos, o trabalho é bastante técnico, exige conhecimento do grego ou hebraico e uma boa introdução ao “aparato crítico”, que é o instrumento que exibe ao exegeta as principais variações de cada palavra da Bíblia e quais manuscritos apresentam cada variante.

Acho que já está explicada a razão pela qual não emprego tal passo em meus cursos de exegese bíblica. Reservo tal passo às análises mais técnicas e profundas, conforme as exigências do meio acadêmico.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO – TRADUÇÃO E COMPARAÇÃO DE TRADUÇÕES

Geralmente os manuais de exegese trabalham a tradução do texto antes da delimitação, mas acho que só posso me debruçar sobre o texto grego ou hebraico quando já sei que texto vou traduzir. Assim, só agora, após ter escolhido o texto, lido-o e decidido onde ele começa e termina, me dedico à tradução.

Traduzir um texto do seu idioma original não é coisa fácil, é um passo necessário àqueles que já estudaram as línguas bíblicas, mas inacessível à maioria das pessoas. Por isso, além da tradução eu incluo a comparação de traduções já feitas como passo exegético que pode ser feito independentemente de uma tradução própria. Esse passo também não significa que as nossas Bíblias foram todas traduzidas de maneira equivocada. Há problemas em todas as traduções, inclusive nas nossas, mas enquanto traduzimos nos aproximamos ainda mais do texto, do significado de suas palavras e frases, e boa parte da interpretação está feita após este árduo trabalho. Assim, mesmo que a tradução que se tem em mãos seja boa, ainda é aconselhável traduzir o texto para que aos poucos tomemos posse de seu conteúdo. É uma tarefa recompensadora.

Enquanto traduzimos, também comparamos nosso trabalho com as demais traduções para o português, e muitas vezes palavras com traduções problemáticas só são resolvidas a partir da sugestão de outras traduções. Sempre indico a leitura de várias Bíblias diferentes nesse passo. De preferência, siga o “Novo Testamento Interlinear” da SBB, e compare também a versão de Almeida Revista e Corrigida, a NVI, e a Bíblia de Jerusalém. Penso que assim temos uma visão geral suficiente do texto que temos em mãos. Em resumo, não confie na primeira versão que ler, mas observe e questione cada variação constatável.

No final desse passo, ainda temos um texto provisório, bem literal e difícil, do tipo que ninguém compraria. Também não temos ainda todas as respostas, o que é natural; toda dúvida de tradução deve ficar registrada em notas de rodapé. Até o final da exegese correções poderão ser feitas nessa tradução a partir do resultado de outros passos exegéticos.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA PASSO A PASSO – APROXIMAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEXTO

Vamos começar nosso curso de exegese falando da aproximação para com o texto. Claro, primeiro é preciso escolher um texto, e depois lê-lo algumas vezes com atenção para que comecemos nossa análise.

Se há uma dica valiosa para o exegeta, é a de que ele não deve ler o texto bíblico juntamente a qualquer tipo de auxílio. Isso quer dizer que você deve ficar só com a Bíblia na mão, e não ler qualquer livro ou mesmo notas de rodapé de Bíblias de estudo. Quando lemos o texto junto com a opinião de outros somos condicionados pelas interpretações alheias e acabamos por não ver o texto com nossos próprios olhos. Assim, a melhor maneira de exercitar nossa percepção é nos achegarmos ao texto tão livres quanto possível de interferências alheias.

Neste momento em que o texto é escolhido, conhecido e lido algumas vezes, também já faço minha prévia delimitação de perícope. Ou seja, já tento descobrir onde meu texto começa e onde ele termina, e forneço por escrito alguns argumentos para isso. Geralmente, mudanças de personagens, de local geográfico, de tempo, de assunto... são dicas de que temos uma nova unidade começando. Obviamente há relação entre as unidades textuais, porém, o objeto de uma análise exegética deve ser uma passagem o mais breve possível, de alguns poucos versículos de preferência. Assim, faço uma escolha consciente, e digo aos meus leitores as razões pelas quais não vou trabalhar um capítulo inteiro, por exemplo.

O importante nesse primeiro momento é conhecer o texto e saber delimitá-lo, de forma que cheguemos a um texto completo, com começo, meio e fim bem demarcados, e que saibamos defender nossa delimitação. Cuidado apenas para não se deixar levar pelas divisões já existentes na Bíblia, que separam-na em capítulos e versículos. Essa delimitação é apenas uma sugestão, e não precisamos segui-la, já que os textos bíblicos em sua composição não possuem tais divisões.