Desde que começamos a ler o Evangelho de Mateus, vimos que a infância de Jesus foi narrada a partir de uma fonte exclusiva de Mateus, o “Livro da origem de Jesus Cristo”. Deste livro que o ocupa os dois primeiros capítulos, retiramos informações importantes sobre a teologia mateana, que defende a messianidade de Jesus, e constrói esse Messias como um líder nacional semelhante a Davi, e como um legislador como Moisés. Depois vimos o começo da atuação pública de Jesus, seu contato com a comunidade de João Batista, os rituais pelos quais Jesus teve que passar antes de atuar, e sua pregação que imitava à de João pela Galiléia.
Pouco ou quase nada dessas narrativas encontra fundamentação histórica. Estes primeiros capítulos ensinaram o leitor de Mateus sobre quem é Jesus, mas o caráter ficcional dessas passagens faz com que os estudiosos do Jesus Histórico deixem-nas de lado, com exceção da participação de Jesus no ministério de João Batista. Mas mesmo que todas essas histórias sejam fictícias, elas pretendiam desempenhar para os leitores a mesma função que a história exerce para nós hoje, a de preencher as lacunas da história e construir memórias coletivas. Essas histórias são necessárias, produtos que nascem espontaneamente em todas as culturas para nos consolar com a criação de alguma história sobre nossa origem. No nascimento do cristianismo, os evangelhos que hoje temos na Bíblia fizeram com que os cristãos tivessem respostas quanto à história de Jesus, sua inspiração. Se falassem apenas de fatos, talvez realmente diriam que até o início da pregação de Jesus em Cafarnaum sua vida correspondeu à de um camponês ou artesão Galileu comum. Mas a inexistência de relatos sobre eventos surpreendentes sobre a vida de Jesus antes do ministério não calaram os autores cristãos, em vez disso, deu-lhes margem para criar com maior liberdade uma história que lhes parecia condizente com sua fé e com aquilo que já sabiam sobre Jesus.
Não é por acaso que nos primeiros capítulos do evangelho de Mateus podemos notar de maneira especial a presença do narrador interpondo-se entre as perícopes. O redator trabalhou mais nestas seções a fim de ensinar seu leitor sobre quem é Jesus, e é a partir dessas informações que deve-se ler o restante do evangelho (Marguerat; Bourquin, 2009, p. 152). Isso é que o que nos explicou João Leonel dizendo:
[...] no material próprio a Mateus, há uma forte presença do narrador que se propõe a conduzir o leitor na identificação de Jesus Cristo, fornecendo dados que serão fundamentais para a compreensão do evangelho. Em outras palavras, o narrador educa seu leitor a compreender adequadamente os elementos relativos a quem é Jesus, de onde vem e qual sua missão. A partir desses dados, que passam a fazer parte da enciclopédia de conhecimento dos leitores, os próximos capítulos trarão a ausência do narrador que caracterizará o estilo narrativo até o final do evangelho. (2006, p. 46)
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