segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O DIABO E OS EVANGÉLICOS – OCULTISMO NAS OBRAS DE REBECCA BROWN


Rebecca Brown é o pseudônimo de uma ex-médica chamada Ruth Irene Bailey, que se tornou conhecida internacionalmente como autora evangélica. Um dos seus livros que ficaram famosos no Brasil é “Ele Veio para Libertar os Cativos”, obra que fez com que Rebecca Brown fosse um dos autores mais lidos nas igrejas evangélicas durante a década de 90. Neste livro e nos demais ela conta sua trajetória como alguém que ajudava pessoas a se libertar do ocultismo nos Estados Unidos. Uma personagem importante das histórias de Brown é uma mulher chamada Elaine, descrita como uma grande ex-sacerdotisa do satanismo, e que após tomar a decisão de abandonar a “Irmandade”, sofre retaliações diversas por parte dos satanistas. Os livros de Brown relatam as lutas das mulheres contra os satanistas, supostamente desvenda a influência dos tais na política e na economia norte americana e mundial, assim como revela seus sinais de identificação e suas estratégias de infiltração nas igrejas cristãs. Também descrevem os rituais de sacrifícios humanos praticados em determinados sábados do ano (Black Sabbath), e afirmam que os satanistas possuem o poder de sair dos corpos e em espírito viajar para qualquer lugar, não havendo lugares seguros para elas, que então tinham que sofrer e refugiar-se na fé cristã.

Apesar de serem contextualizados nos Estados Unidos, e narrarem histórias que mais parecem roteiros de filmes de terror, os evangélicos brasileiros receberam bem os livros e em certos meios até surgiram certas superstições baseadas nas histórias de Brown. Logo outros títulos similares surgiram no mercado editorial brasileiro, dentre eles os de Daniel e Isabela Mistral intitulados “Filhos do Fogo” (2 volumes) e “Guerreiros da Luz” (2 volumes). Mas da mesma maneira como Rebecca Brown “explodiu”, também foi sufocada. Organizações religiosas passaram a investigar a autora e a publicar artigos que negavam a veracidade dos fatos narrados nos livros. Dentre as informações que desde então são empregadas para deslegitimar Rebecca Brown e suas histórias, estão estas: Além da identidade falsa que a autora usava, descobriu-se que ela teve sua licença médica cassada por imperícia e medicação imprópria a seus pacientes. A personagem Elaine também trata-se de um pseudônimo, e foi identificada na realidade como Edna Moses, uma mulher com instabilidade mental que conheceu Brown quando esta fazia residência médica em 1980.

Rebecca Brown lidera atualmente um grupo cristão chamado “Guerreiros da Colheita” ao lado do marido. E há até edições de seu Best-Seller “Ele Veio para Libertar os Cativos” em quadrinhos. No entanto, sua influência na formação de uma imagem personificada do mal a partir do satanismo norte americano já não é tão relevante no cenário brasileiro.

Aqui talvez tenhamos espaço uma breve discussão mais técnica sobre como a sociedade brasileira em seu recorte “evangélico” lida com a verdade e a mentira nas fontes de informação. Queremos chamar a atenção para o fato de que mesmo o caráter fortemente ficcional dos livros de Rebecca Brown não incomodaram os leitores até que surgissem opositores que atacassem moralmente a autora. Nosso estranhamento se dá porque sabemos que toda narrativa possui um forte elemento ficcional, e isso mesmo quando estamos falando de narrativas históricas, que procuram encadear fatos supostamente reais, que foram produzidas por cientistas que analisaram suas fontes criticamente e “reconstruíram” o passado. Mesmo na narrativa história, o autor não só descreve eventos como também os posiciona numa sequência temporal que é fictícia, num cenário ou mundo fictício, e faz com que os fatos sigam uma sequência de ações (enredo) que está sob o controle do narrador. Tais características levam os linguistas a afirmar que toda narrativa é ideológica (Charaudeau, 2010, p. 153-156). Para Hayden White, toda narrativa que pretende ser histórica possui tanto um “conteúdo”, nome que ele dá aos eventos extraídos da análise das fontes documentais, quanto uma série de ornamentos, que são recursos mais ou menos artísticos não tão seguros, mas que são indispensáveis para a “dramatização”. Para White, sem estes recursos da narratividade que imita a vida, a historiografia voltaria à tradição cronística (2011, p. 464).

Porém, a hermenêutica praticada nos círculos evangélicos lida com a Bíblia e com outras fontes de informação de maneira demasiadamente crédula. Os textos bíblicos e as criações do próprio “mundo evangélico” são recebidas como verdades até que alguém prove o contrário. Por isso é tão fácil manipular esses grupos, que recebem informações sem qualquer senso crítico. Brown, enquanto escritora, talvez criasse narrativas totalmente fictícias, ou quem sabe romanceava os fatos como qualquer biógrafo faz, mas seus leitores ignoraram o inevitável fator criativo dos seus textos por conta de seus hábitos positivistas, adquiridos ou desenvolvidos mesmo pela leitura evangélica da Bíblia. Depois, críticos também fundamentalistas atacaram não as obras Brown em si, mas a reputação da autora, para transformar suas histórias em completas mentiras. Se os livros tinham algum valor como literatura, agora é este valor que é ignorado, posto que a expectativa do leitor era por “fatos”, ainda que os “fatos” fossem de homens que recebiam poderes demoníacos e saíam do corpo para atacar uma mulher em seu leito.

Mais uma vez, foi possível constatarmos como se dá a recepção de imagens do mal personificado entre os evangélicos, mas agora, com um elemento novo a destacar; os evangélicos são abertos às influências advindas de evangélicos, confiam naqueles que aparentemente se encontram do lado de dentro dos seus “muros”. Todavia, quando Brown foi expulsa do circulo evangélico por alguns, rejeitada por conta de supostas falhas morais, também suas obras foram rejeitadas por muitos. A avaliação que se fez da obra estava baseada na ideia de uma proximidade social, ou seja, Brown e os leitores eram “irmãos”. Com o fim desse laço evangélico, ela será estigmatizada, o que não nos impede de encontrar em suas obras algumas curiosidades sobre a formação desse imaginário religioso.

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