No exercício de hoje vamos atentar para o segundo detalhe relevante que se encontra no v. 6b, detalhe que não é incomum nas narrativas sobre Jesus. O texto, além de colocar Jesus na Judéia (v. 6a), nos diz que Jesus está na casa de um homem leproso chamado Simão. Aqui, exegeticamente falando, cabe a análise traditiva, onde procuramos entender como o autor do evangelho entenderia essa informação com base na sua própria experiência de mundo.
Segundo o Antigo Testamento os leprosos eram considerados imundos e deveriam habitar fora do arraial (Lv 13.45). Era exigida a separação da comunidade para evitar que o “impuro” contaminasse os “puros”, e essa contaminação, conforme eles concebiam, não era apenas de uma doença infecciosa, mas do próprio pecado ao qual a doença era atrelada. Por isso, quando alguém dizia-se curado da lepra, não bastava mostrar a pele saudável e voltar à aldeia, ele teria que ir ao sacerdote, o responsável pelos rituais religiosos, e oferecer sacrifícios, que eram feitos exatamente para a remissão dos seus pecados (veja Lv 13). No evangelho, porém, Jesus é descrito como um personagem surpreendente que contraria as leis de pureza da Torá (cinco primeiros livros do Antigo Testamento) comungando com excluídos como Simão. Ele inverte a lógica tradicional e vai até os impuros para os purificar por meio de sua pureza.
Notemos então que essa abertura narrativa aparentemente simples do v. 6 anuncia que Jesus um dia foi ao território inimigo, na Judéia, e ali afrontou com seus gestos inclusivos alguns dos grandes paradigmas da religiosidade nacional. O evangelista está dizendo que Jesus não era como os sacerdotes e fariseus, e que quando o Galileu dirigiu-se à “terra santa” desafiou costumes considerados “sagrados” em favor dos marginalizados, gerando um ódio previsível e acabando preso e depois assassinado. Lembra-se que na parte II de nossa análise eu disse que Jesus entrara na fase final de sua vida quando viajara até a Judéia? Pois bem, a presença na casa do leproso se liga a esse momento; foi uma ação considerada inapropriada pela sociedade local, e que vai ser somada a outros fatores para conduzir Jesus à cruz.
Ficaremos por aqui, dando tempo para que os leitores contribuam com essa pesquisa sobre o papel da ida à Judéia em Mateus, e sobre as leis de pureza do Antigo Testamento relativas à lepra. Toda informação que nos ajudar a compreender o escândalo que Jesus causou e os motivos de sua prisão e morte serão úteis.
4 comentários:
Jesus o homem que quebrava as tradiçoes. Bacana esta observação e gosto de pensar o motivo que Jesus não escolheu nenhum sacerdote, religiosos, homens que dominavam e conheciam como ninguem as Leis ? Qual foi a motivação que levou Jesus a Escolher os homens do Mercado? Penso que se Jesus viesse para mais uma missão de tres anos em nossa terra, provavelmente rejeitaria a participação de muito "reliogosos" que estão preso a dogmas, as tradiçoes, as tabus e preconceitos que foram gerados na educação religiosa.
Enoque, sua pergunta veio em boa hora. Para entender essa atitude "rebelde" de Jesus em relação à religiosidade de seu tempo, temos que estudar a história, e ver como ele e seu povo da Galiléia sofreram sob a dominação romana, apoiada pelas elites nacionais. Assim, eles eram inimigos, e Jesus nunca foi "submisso" ao Templo como muitos pensam. Ele era praticante de um tipo diferente de judaísmo, e certamente existiam muitos.
Se tiver interesse em aprofundar-se no tema, comece lendo meu artigo sobre isso em:
http://www.revistajesushistorico.ifcs.ufrj.br/arquivos4/1Anderson%20de%20Oliveira%20Lima.pdf
Quanto à sua suposição sobre Jesus e a religião de hoje, eu diria que é assim que também aplicaria o texto, fazendo sua hermenêutica (aplicação do texto aos problemas atuais). Jesus diria que a religião foi feita para o homem, e não o homem para religião, como eu escrevi noutro texto.
Caro Sir Anderson, li seu artigo "Roma e os Camponeses da Galiléia" onde o modelo politico e social é representado através do Império Romano quando na verdade o modelo de estrutura organizacional sofreu a influência direta da Filosofia Grega" onde defendem que uns nasceram para liderar e outros para serem liderados (subjulgados).
Os Romanos destruiram o império Grego mas nao conseguiram destruir as idéias dos Filósofos, portanto foram formatados e consequetemente serviram de modelo para a composição da história de liderança do Mundo (modelo de liderança).
Interessante que podemos perceber dois modelos de liderança totalmente distinto, o modelo de Jesus e o modelo dos Romanos.
Entendo Enoque, mas o sistema clientelista, que qualifica as pessoas em classes e influenciou de maneira decisiva a trajetória de Jesus na Palestina, foi imposto pela dominação romana e não grega. Tanto é verdade que durante 100 anos de domínio romano houveram mais revoltas populares do que sobre todo o tempo de dominação grega e persa. Quem chocou a cultura judaica tomando-lhes as propriedades foram os romanos. Por isso, ninguém que trate do cristianismo leva em conta a filosofia grega, pouco relevante, mas o poder militar e a exploração da classe camponesa pelo império romano.
Jesus era, para mim, alguém que queria restaurar os padrões de igualdade e mutualismo dos aldeões, indo contra o sistema imperial que os agredia.
Porém, devo ressaltar que esse problema já não é o maior em Mateus. Agora o Templo não existe, os romanos haviam devastado o país, e o próprio Jesus já não existia; mas intensificou-se os conflitos entre grupos judaicos, como entre os judeus-cristãos e os judeus-fariseus. Temos que ter isso em mente, para não transportar ao tempo de Jesus as circunstâncias de Mateus, ou ao contrário.
Mateus aceitou a ação de Jesus, o seu comportamento inclusivo, mas mudou a rivalidade original para os judeus ou fariseus de seu tempo. Essa discussão ainda vai longe, mas o próximo post vai acrescentar dados importantes...
Continue contribuindo quando puder, isso nos enriquecerá muito.
Postar um comentário