sábado, 5 de junho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS (Parte IV)

A abertura narrativa do texto não acabou ainda, falta-nos o v. 7, que trata exatamente da ação estranha e inesperada de uma mulher para com Jesus. A partir de agora, teremos que começar nossa comparação sinótica, isto é, vamos comparar o texto de Mateus com seus paralelos nos outros evangelhos, e para isso, vamos ter que dedicar pelo menos uma postagem para expor alguns dos pressupostos da exegese dos evangelhos. Nosso tema de hoje é a “teoria das duas fontes”.

Bem, os textos bíblicos não nos dão indicações de autoria, datação ou local de composição; não nos dizem sob que condições foram produzidos e quais são seus objetivos. Nós temos que desenvolver nossas próprias hipóteses e testá-las para ver se elas resistem quando confrontadas com a exegese. Para os evangelhos, há muito que se distingue os sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) de João, que faria parte de uma tradição distinta e que só com grandes reservas deve ser lido em conjunto com os outros. Assim, comparar João com Mateus nem sempre é um estudo compensador, mas a análise entre os sinóticos é quase que um passo obrigatório.

Quanto aos sinóticos e a relação literária evidente entre eles, a pesquisa atual é quase unânime em aceitar que Marcos escreveu seu evangelho primeiro por volta do ano 70 d.C., e que Mateus e Lucas o utilizaram para comporem seus próprios evangelhos entre os anos 80 e 90 d.C. Assim, todo texto de Mateus que encontra um paralelo em Marcos é comparado para se averiguar como Mateus utilizou-se de sua fonte moldando o texto mais antigo segundo seus próprios interesses. Caso um texto de Mateus não esteja em Marcos, mas somente em Lucas, supõem-se que ambos tenham o aproveitado de outra fonte, que perdeu-se e para fins didáticos chamamos de “evangelho Q”.

Em nosso caso, o texto de Mt 26.6-13 veio de Marcos. O autor de Mateus não considerava Marcos um evangelho canônico, sagrado, e por isso não se conteve e reescreveu sua obra com todas as melhorias que lhe convinham. Por isso, vamos sempre observar como Mateus aproveitou-se do evangelho mais antigo e ver a que resultados essa comparação sinótica nos conduz.

Não se engane pensando que toda essa teoria é inútil, toda leitura está embasada em algum tipo de teoria como esta. Se você acredita que quem escreveu o evangelho foi um apóstolo por volta dos anos 50, isso muda tudo. Eu sigo a opinião acadêmica de que o texto foi produzido não a partir de uma testemunha ocular, mas literária, e por volta dos anos 80 a 90 d.C., quando o Templo de Jerusalém já havia sido destruído pelos romanos. O autor do evangelho aproveitou a tradição mais antiga para escrever uma linda mensagem sobre Jesus para seus próprios companheiros, mas nunca conheceu Jesus.

Não desista, logo ficará claro na exegese a importância dessa pausa para expor nossas hipóteses sobre as fontes dos evangelhos.

Um comentário:

Anderson de Oliveira Lima disse...

A teoria exposta nesta última postagem não é nada incomum entre os estudiosos. Há já séculos que ela é conhecida e aceita, porém, por ir contra alguns dos conceitos tradicionais da religião cristã, há ainda muitas publicações fundamentalistas que preferem ignorá-la. Por isso, decidi indicar três obras que podem ser consultadas a respeito disso para quem quer se aprofundar:

A primeira e mais completa das três obras é "O Nascimento do Cristianismo" de John Dominic Crossan, publicada pela editora Paulinas. É um livro muito grande, caro, e completo. Vale a pena para quem quer realmente profundidade sobre as fontes do cristianismo primitivo.

Também da Paulinas, há "Os Evangelhos Sinóticos" de Benito Marconcini. É uma obra mais antiga, mas que é menor e mais acessível aos iniciantes.

Por último, há um livro breve e muito eficaz de um renomado estudioso. Trata-se de "O Novo Testamento" de Gerd Theissen, esse da editora Vozes.

Desejo sucesso a todos em suas pesquisas.