A segunda unidade do Sermão da Montanha é claramente dirigida aos seguidores de Jesus, aos leitores (implícitos) do evangelho, muito provavelmente, à comunidade cristã da qual o próprio autor (ou autores) fazia parte. É importante não perder de vista que este fator, o de que ao falar do “sal da terra” e da “luz do mundo” o texto oferece definições identitárias para esses possíveis leitores; trata-se de um processo de convencer o leitor a aceitar a auto-imagem proposta no texto. Sem dúvida, esse tipo de mensagem só faria sentido se o autor dela pensasse que os seus destinatários precisassem dela.
Como na perícope anterior, a dos Bem-Aventurados, estas duas pequenas unidades textuais nos ajudam a formular hipóteses sobre a imagem que o autor tinha do grupo que chamava de ekklesia. Desta vez, ele emprega metaforicamente o sal e a luz, e o desenvolvimento de sua mensagem motivacional é simples. Na primeira (v. 13), os discípulos são comparados ao sal, que no contexto geral da massa do pão, é um ingrediente minoritário. Todavia, sua presença no saber do produto final é marcante, e por isso, conclui-se que sem ele toda a massa perderia seu valor. Supomos a partir daí, que o grupo que inspira o texto é também pequeno, minoritário, e que o evangelista quer fazê-los conscientes de que eles exercem um papel importante na sociedade como um todo. Mas o texto não deixa de ameaçar seus leitores quando diz também, que o sal, se perder o seu sabor, que é sua essência, perde seu valor e só serve para ser jogado fora e pisado pelos homens.
Sabemos que os seguidores são comparados ao sal, mas não fica claro a partir da linguagem metafórica, qual elemento real está sendo comparado ao sabor que dá valor ao sal, ou que tipo de problema está sendo descrito como a perda do sabor. Também não temos informações suficientes para subtrair da metáfora o que seria o “ser lançado fora e pisado pelos homens”. Para essas importantes implicações que sem dúvida determinam a aplicabilidade prática da mensagem, não temos outro caminho a não ser as conjeturas. Imaginamos que o discípulo é comparável ao sal que dá sabor quando, em contato com a sociedade, mostra-se eficaz em influenciá-la positivamente.
Não se trata apenas de evangelismo, mas também de bom testemunho na vida de forma geral (v. 16). Sem dúvida, o discípulo desta comunidade idealizada por Mateus é alguém que pratica sua religiosidade de maneira impecável, mas é também alguém que torna o mundo melhor por conta de sua conduta ética incondicional. Lembremos que em Mateus há forte ênfase no amor ao próximo, e em especial em Mt 7.12, lemos que “... tudo o que quereis que façam a vós os homens, assim também vós fazei a eles”. Ainda que tais mandamentos morais objetivem acima de tudo o convívio intra-comunitário, não podemos achar que eles não valiam quando se tratava de relacionamentos extra-comunitários.
Consequentemente, o sal sem sabor seria a imagem que representa o discípulo que, esquecendo-se desses ensinamentos (supostamente de Jesus), não exerce no seu cotidiano aquilo que é esperado de um discípulo. Ele está no meio da sociedade, porém não a torna melhor (com bom sabor), como se a própria experiência cristã não tivesse tido qualquer significado. Para estes discípulos improdutivos é que vale a ameaça mateana. Sabemos que o Evangelho de Mateus (desenvolveremos essa ideia mais à frente, especialmente quando tratarmos do capítulo 18) não estimula qualquer tipo de punição ou excomunhão dos discípulos faltosos, e por isso, ser lançado fora para ser pisado como o sal sem sabor deve nos remeter a um juízo escatológico. Basta lembrar que em Mateus 7.21-22 está escrito que nem todo aquele que se diz servo de Cristo entrará no Reino dos Céus.
O uso da segunda imagem, a da “luz do mundo” (5.14-16), é semelhante. Ainda que tenhamos duas metáforas, o encadeamento delas no texto de Mateus quer nos obrigar a lê-las em conjunto. O versículo 14, após apresentar os destinatários (leitores-implícitos) como a “luz do mundo”, emprega um terceiro elemento metafórico que é a cidade. Sem nos estendermos muito, cidades naquele tempo eram construções estranhas ao cenário prioritariamente agrícola. Elas eram construídas em lugares altos e cercadas por muralhas, e isso porque não eram apenas centros comerciais, mas principalmente, postos administrativos que possibilitavam ao Império Romano a administração das províncias distantes. Assim, além de serem visíveis pela arquitetura incomum, eram construídas para servirem como fortalezas militares, que guardavam as elites (desde sacerdotes, soldados, proprietários de terras e funcionários imperiais em geral), assim como a riqueza que era arrecadada dos campos para Roma. No texto que lemos, sem dúvida o que importa é no emprego da cidade é a sua posição estratégica, e seu destaque arquitetônico em meio às terras cultivadas. O discípulo, como a cidade, não foi feito para se esconder, mas para chamar a atenção e se tornar um ponto de referência.
Na sequência (v. 15), a luz da candeia volta à cena. O discípulo é também comparado à candeia, que num mundo que não conhecia a eletricidade, tinha a função de iluminar a casa na escuridão. Para que exerça devidamente esta função, a luz deveria encontrar um lugar de destaque, de visibilidade, de acesso a todos os que estão no ambiente. O texto nos oferece alguns exemplos absurdos, mas de efeito eficaz no processo argumentativo. Ao lê-los, concordaremos que ninguém acende uma lâmpada e depois a esconde debaixo de uma vasilha, assim como não se ascende a luz para deixá-la debaixo da cama. Portanto, um discípulo, que neste texto existe para iluminar o mundo e tornar mais claro o caminho das pessoas, não deve se esconder, permanecer isolado, sozinho. É para a sociedade que o discípulo deve brilhar, lição simples que nem sempre o cristianismo levou em consideração.
Após construir a identidade dos discípulos, como grupo minoritário, porém decisivo para a sociedade, o texto termina dizendo que os “homens” que viram as boas obras destes discípulos glorificariam a Deus por causa deles (v. 16). Isso tudo faz desses breves versículos um material especialmente importante para compreendermos que o cristianismo mateano estava aberto para os de fora. Ele não é exclusivista, não se preocupa com a construção de um mundo paralelo e se esquece de seu contexto. O cristão em Mateus é um não apenas um bom “irmão” para os “pequeninos” da comunidade, como também é sal e luz para o mundo todo.
Sabemos que os seguidores são comparados ao sal, mas não fica claro a partir da linguagem metafórica, qual elemento real está sendo comparado ao sabor que dá valor ao sal, ou que tipo de problema está sendo descrito como a perda do sabor. Também não temos informações suficientes para subtrair da metáfora o que seria o “ser lançado fora e pisado pelos homens”. Para essas importantes implicações que sem dúvida determinam a aplicabilidade prática da mensagem, não temos outro caminho a não ser as conjeturas. Imaginamos que o discípulo é comparável ao sal que dá sabor quando, em contato com a sociedade, mostra-se eficaz em influenciá-la positivamente.
Não se trata apenas de evangelismo, mas também de bom testemunho na vida de forma geral (v. 16). Sem dúvida, o discípulo desta comunidade idealizada por Mateus é alguém que pratica sua religiosidade de maneira impecável, mas é também alguém que torna o mundo melhor por conta de sua conduta ética incondicional. Lembremos que em Mateus há forte ênfase no amor ao próximo, e em especial em Mt 7.12, lemos que “... tudo o que quereis que façam a vós os homens, assim também vós fazei a eles”. Ainda que tais mandamentos morais objetivem acima de tudo o convívio intra-comunitário, não podemos achar que eles não valiam quando se tratava de relacionamentos extra-comunitários.
Consequentemente, o sal sem sabor seria a imagem que representa o discípulo que, esquecendo-se desses ensinamentos (supostamente de Jesus), não exerce no seu cotidiano aquilo que é esperado de um discípulo. Ele está no meio da sociedade, porém não a torna melhor (com bom sabor), como se a própria experiência cristã não tivesse tido qualquer significado. Para estes discípulos improdutivos é que vale a ameaça mateana. Sabemos que o Evangelho de Mateus (desenvolveremos essa ideia mais à frente, especialmente quando tratarmos do capítulo 18) não estimula qualquer tipo de punição ou excomunhão dos discípulos faltosos, e por isso, ser lançado fora para ser pisado como o sal sem sabor deve nos remeter a um juízo escatológico. Basta lembrar que em Mateus 7.21-22 está escrito que nem todo aquele que se diz servo de Cristo entrará no Reino dos Céus.
O uso da segunda imagem, a da “luz do mundo” (5.14-16), é semelhante. Ainda que tenhamos duas metáforas, o encadeamento delas no texto de Mateus quer nos obrigar a lê-las em conjunto. O versículo 14, após apresentar os destinatários (leitores-implícitos) como a “luz do mundo”, emprega um terceiro elemento metafórico que é a cidade. Sem nos estendermos muito, cidades naquele tempo eram construções estranhas ao cenário prioritariamente agrícola. Elas eram construídas em lugares altos e cercadas por muralhas, e isso porque não eram apenas centros comerciais, mas principalmente, postos administrativos que possibilitavam ao Império Romano a administração das províncias distantes. Assim, além de serem visíveis pela arquitetura incomum, eram construídas para servirem como fortalezas militares, que guardavam as elites (desde sacerdotes, soldados, proprietários de terras e funcionários imperiais em geral), assim como a riqueza que era arrecadada dos campos para Roma. No texto que lemos, sem dúvida o que importa é no emprego da cidade é a sua posição estratégica, e seu destaque arquitetônico em meio às terras cultivadas. O discípulo, como a cidade, não foi feito para se esconder, mas para chamar a atenção e se tornar um ponto de referência.
Na sequência (v. 15), a luz da candeia volta à cena. O discípulo é também comparado à candeia, que num mundo que não conhecia a eletricidade, tinha a função de iluminar a casa na escuridão. Para que exerça devidamente esta função, a luz deveria encontrar um lugar de destaque, de visibilidade, de acesso a todos os que estão no ambiente. O texto nos oferece alguns exemplos absurdos, mas de efeito eficaz no processo argumentativo. Ao lê-los, concordaremos que ninguém acende uma lâmpada e depois a esconde debaixo de uma vasilha, assim como não se ascende a luz para deixá-la debaixo da cama. Portanto, um discípulo, que neste texto existe para iluminar o mundo e tornar mais claro o caminho das pessoas, não deve se esconder, permanecer isolado, sozinho. É para a sociedade que o discípulo deve brilhar, lição simples que nem sempre o cristianismo levou em consideração.
Após construir a identidade dos discípulos, como grupo minoritário, porém decisivo para a sociedade, o texto termina dizendo que os “homens” que viram as boas obras destes discípulos glorificariam a Deus por causa deles (v. 16). Isso tudo faz desses breves versículos um material especialmente importante para compreendermos que o cristianismo mateano estava aberto para os de fora. Ele não é exclusivista, não se preocupa com a construção de um mundo paralelo e se esquece de seu contexto. O cristão em Mateus é um não apenas um bom “irmão” para os “pequeninos” da comunidade, como também é sal e luz para o mundo todo.
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