sábado, 25 de fevereiro de 2012

A PROFECIA DE AMÓS

Um grande agrupamento de ditos proféticos, todos voltados contra o próprio Israel, têm início no capítulo 3 Amós. Podemos dizer que os versículos 1 e 2 servem também como uma introdução a este conjunto literários, e a seguir encontramos uma interessante sequência de perguntas retóricas (v. 3-8) que têm por objetivo afirmar que para o profeta, anunciar a destruição de Israel era inevitável: “Rugiu o leão, quem não terá medo? Falou o Senhor Jeová, quem não profetizará?” (v. 8). A atividade do profeta como porta-voz passivo de Jeová é colocada no final seguindo os mesmos padrões retóricos anteriores, a fim de que pareça ao leitor que os profetas são personagens especiais, que recebem os oráculos divinos e não podem deixar de anunciá-los. A própria necessidade de argumentar em favor da atividade profética já nos mostra que em Amós, profetas são homens que não conseguem se calar diante das injustiças que lhes parecem irreconciliável com a vontade de Deus. Como lemos em 3.7-8, os profetas não fazem o que fazem por prazer; se eles lançam palavras duras que atraem desafetos, é por um impulso divino incontrolável que não os deixa calar. Daí concluímos que a crise entre o dever profético e a compaixão pelo povo injustiçado agem simultaneamente, gerando angústia e talvez infelicidade aos tais instrumentos divinos.

No texto seguinte, o juízo anunciado é bem localizado (Am 3.9-12). Samaria, a capital do reino do norte, Israel, é o alvo da ira divina desta vez. O texto profético chama até os gentios para que se surpreendam com o tamanho da injustiça que era praticada na cidade (v. 9). A opressão é basicamente econômica, está visível no acúmulo de bens nos palácios dos nobres, recursos de procedência conhecida, frutos dos roubos que os tais nobres praticavam (v. 10). Diante disso, o profeta não pode prever outro destino para tal centro urbano que não a sua destruição quase completa, atraída pela ganância de outro povo mais forte que desejaria aqueles mesmos tesouros roubados. Nas palavras de Amós: “Haverá um adversário e cercará a terra; ele te despirá a tua força, e os teus palácios serão despojados” (v. 11). A ganância que os motivou à violência e lhes trouxe riquezas indevidas, é agora a causa de suas mortes. Na sequência, outro dito trata das transgressões de caráter religioso, anunciando a ira divina sobre os altares de Betel (v. 14) sem deixar de mencionar outra vez a riqueza de poucos exploradores (v. 15). Essas são as primeiras indicações de que a religião era um instrumento político (Am 7.13), mais um meio de controlar e roubar a população, motivo pelo qual o profeta só expressa aversão pelas formas oficiais de religião.

Novamente podemos ler ameaças contra a elite de Samaria (vacas de Basã) na passagem de 4.1-5. O profeta segue condenando a opressão que praticavam contra o povo nos versículos 1 e 2, e é interessante que os versículo 4 e 5 novamente enfatizam a crítica religiosa de Amós. Há novos sinais de que o problema não era a opção religiosa do povo; as críticas sempre estão voltadas contra o Estado e suas instituições, e tanto os templos religiosos como seus sacerdotes faziam parte dessas instituições a serviço do rei. Embora hoje as circunstâncias sejam outras, talvez possamos dizer que a voz profética legítima no nosso Brasil não poderia ser aquela que se limita a condenar as religiosidades diferentes da sua de forma intolerante, enquanto se abstém da luta pelos direitos humanos frente aos governos. Uma profecia biblicamente inspirada seria aquela que se preocupa com a política, com a exploração que as multinacionais impõem aos pobres do chamado terceiro mundo, com as exacerbadas diferenças de classes, e claro, com o uso indevido da religião para manipular e explorar os empobrecidos de nossas periferias.

Voltando ao texto, na continuação do capítulo 4 há uma unidade textual mais longa que nos mostra quão agrícola eram as paisagens do Israel no século VIII a.C. (v. 6-13). Agora a voz narrativa é completamente concedida a Deus, que passa a pontuar diferentes eventos da natureza como secas e pragas, fenômenos que sem dúvida representavam grandes ameaças para a vida camponesa. Tais fenômenos, que podem ter marcado a vida e a memória de todos os destinatários do livro profético, eram suficientes para empobrecer os camponeses em suas terras, como também para prejudicar o Estado e a aristocracia, que dependiam dos produtos agrícolas que colhiam diretamente dos produtores através de tributos. Se os produtos dos campos se tornavam escassos, e é de se imaginar que o rei não aliviasse as taxas impostas ao povo mesmo nessas circunstâncias (pois como temos lido, a elite de Samaria parecia viver confortavelmente e com muito luxo para os padrões da época), é possível que a fome, a violência e a infelicidade de forma geral, atingissem níveis ainda maiores. Talvez esses fenômenos naturais, que na linguagem profética são como convites de Jeová à conversão, tenham sido as causas físicas que provocaram as ações mais enérgicas do Estado na cobrança de tributos, que resultaram em extrema opressão sobre os camponeses já empobrecidos, o que por sua vez impulsionou a atividade profética de um homem comum, que por viver no campo, também sentia os efeitos desse infeliz encadeamento de eventos.

O novo anúncio profético de 5.1-17 só confirma o que as leituras anteriores já nos deram. A destruição viria pela guerra (v. 3), e há uma crítica contra os sacrifícios oferecidos nos templos de Gilgal e Betel (v. 4-6). Os responsáveis pela catástrofe iminente eram a minoria, o rei e seu séquito, que subverteram a justiça em Israel (v. 7) e que não cessavam de tomar do pobre o seu sustento: “Por isso, porque pisais aos pés o pobre e dele recebeis exações de trigo, tendes edificado casas de pedras lavradas, porém nelas não habitareis” (v. 11). A ira de Jeová é, voltamos a afirmar, bastante pontual, voltada contra o palácio real, contra o exército, contra a fortaleza que era a cidade, e contra os sacerdotes da religião monárquica. No entanto, não nos esqueçamos que mesmo nesta hora em que o lamento fúnebre já é ensaiado (v. 16-17), ainda há uma esperança, caso haja arrependimento e o restabelecimento da justiça (v. 15).

Mais detalhes sobre a maneira como o profeta rejeita as formas religiosas daqueles dias encontramos na próxima unidade (5.18-27). No mesmo texto em que o terror do “Dia de Jeová” é exemplificado (v. 18-20), e o cativeiro é mais uma vez anunciado com todas as letras (v. 27), são listados vários atos e eventos sociais ligados à religião, como as festas, assembléias, holocaustos, ofertas, cânticos (v. 21-23)... Jeová rejeita todas essas coisas, e ouvimos novamente o apelo profético que diz: “... desça o juízo como águas, e a justiça, como uma torrente poderosa” (v. 24). Outra vez, a religião não isenta Israel de sua culpa; importava mais a justiça que os sacrifícios.

A última parte deste longo conjunto de ditos profético toma todo o capítulo 6. Suas palavras voltam-se uma vez mais contra os homens fortes, os poderosos de Judá e Israel. Os que “dormem em camas de marfim” (v. 4a), que “comem os cordeiros tirados do rebanho e os bezerros do meio da estrebaria” (v. 4b), que “bebem vinho de bacias e se ungem com óleo mais precioso” (v. 6), “irão cativos entre os primeiros que forem levados cativos” (v. 7). Isso já era de se esperar, pois quando um povo era dominado por outro de maior poderio militar, isso queria dizer que no mínimo a sua cidade fora invadida, saqueada, que sua muralha fora rompida, que o rei e os demais membros da corte haviam sido presos e levados à nação vencedora como troféus de guerra...

Temos visto que foi com muitas palavras que Amós anunciou a invasão assíria e o fim do até então emergente reino de Israel. Se há um tema que subjaz a todo este grande conjunto de ditos proféticos, é que o poder e a riqueza dos reis costuma se estabelecer sobre muita exploração e injustiça, porém, o profeta surge para dizer que há um Deus que não está de acordo com esta realidade, prometendo destronar os supostos poderosos a fim de poupar os fracos de mais opressão. O “Dia de Jeová” para Israel ou para qualquer reino injusto não é, na linguagem profética, um dia de morte para todos, e sim, um dia de libertação para aqueles que enfim terão descanso em suas vidas de simplicidade.

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