quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A GENEALOGIA DE JOSÉ, O PADRASTO ELEITO: MATEUS 1.1-17


Até o capítulo 4 do evangelho de Mateus há uma grande concentração de textos exclusivos deste evangelho, textos que não encontram paralelos noutras fontes do cristianismo primitivo, e que por isso mesmo parecem atender de maneira mais direta aos interesses do evangelista. Isso vemos desde a genealogia de Mateus 1.1-17, que não pode ser comparada à genealogia presente no evangelho de Lucas. Certamente a genealogia procura legitimar algum personagem ligando-o a grandes nomes do passado de Israel, como Abraão e Davi. Em Mateus, surpreende-nos o fato de que o personagem que está sendo legitimado é José, e não Jesus. O evangelho admite que Jesus não é filho legítimo de José, fazendo toda uma lista de nomes que não possuem necessariamente nenhum vínculo sanguíneo com o próprio Jesus. Veremos nos textos seguintes que José é a figura decisiva da narrativa até o final do capítulo 3, sendo muito mais importante do que Maria em Mateus; é por isso que o evangelho começa dando-lhe tal ênfase.


O uso de uma genealogia de José para abrir o evangelho já é suficientemente surpreendente. Mas esta perícope inicial vai mais longe. Nela encontramos os nomes de cinco mulheres, quatro delas com reputação duvidosa, mas que se tornaram heroínas na tradição de Israel (Chevitarese, 2006, p. 48-50). Só pra lembrar, temos Tamar, que se fingiu de prostituta para engravidar do próprio sogro (Gn 38.1-30); temos a prostituta Raabe (Js 2.1-21); temos Rute, que tomou uma iniciativa imprópria para uma mulher quando se deitou de noite “aos pés” de Boas e o levou ao matrimônio (Rt 3.1-18); e temos a mulher de Urias, que está envolvida numa das mais famosas histórias de adultério e assassinato da Bíblia (2Sm 11.2-27). A quinta mulher mencionada é Maria, a mãe de Jesus, que será apresentada como a mulher de José em breve.


Assim, o evangelho constrói José como um homem que possui entre seus ancestrais mulheres que foram mal vistas pela sociedade, mas que se tornaram grandes personalidades. A genealogia liga, em torno do nome de José, as quatro mulheres de tradição duvidosa a Maria, e isso indica que está implícita a acusação de que Maria possa ser também uma dessas mulheres. Em torno dos círculos cristãos do primeiro século, é bem provável que alguém insistisse que Jesus era um filho bastardo, e o cristianismo se defende disso ao afirmar a paternidade divina de Jesus. Claro que o evangelho não acredita que Maria tenha engravidado de qualquer outro homem, mas do Espírito Santo, como veremos a partir do versículo 18; no entanto, como o foco está em José, parece-nos que ele é retratado como o homem certo para receber a virgem grávida do Messias. Por sua história familiar, José seria capaz de não condenar a menina mesmo sem saber que nela Deus operava um milagre.


Diríamos, depois disso, que Maria não está sendo acusada de pecado. Não é este o propósito da genealogia. Antes, ela quer apresentar José como um homem escolhido, alguém capaz de suportar o peso da responsabilidade que receberia ao ser o pai adotivo do Messias, e o marido de uma mulher que engravidou antes dele a tocar.



Referência Bibliográfica


CHEVITARESE, André Leonardo. Maria, Menino Jesus e a Ilegitimidade Física do Filho de Deus. O uso do Modelo Iconográfico de Tipo Universal (Mãe/Filho) pelos Cristãos. In. Jesus de Nazaré: Uma Outra História. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006, p. 43-59.

4 comentários:

DarkeikerBR disse...

Pois é professor adoro voçê pela ousadia de dizer coisas que pra mim não fere o cerne de minha fé, mas daria o que falar nas igrejas, com certeza seriamos tachados de herege, mais como ninguem paga nossas contas srsrsrsr.....

E outra, se Jesus não foi comcebido do E.S da maneira como acreditam a maioria dos religiosos, levando o texto ao pé da letra, ao meu ver so enobrece mais ainda a historia de Jesus de Nazare, creio sim que Jesus foi comcebido tambem pelo E.S.

Não e necassario nascer de novo? Pra nascer de novo não precisava ser no ventre de Maria ou seria?
Não é isso que ele diz a Nicodemos, mais ai ja e João e to misturando.

Abraços em fim vc deve uma visita na comunidade onde frequento viu.

Anderson de Oliveira Lima disse...

Valeu Keiker pelo comentário. Veja que curioso é esse texto, ele realmente parece ser uma defesa contra os acusadores de Jesus e Maria, mas não afirma a divindade de Jesus e nem o nascimento virginal. Todavia, ele não foi produzido para ser lido sozinho; é claro que o próprio Mateus acreditava que Jesus tinha nascido pelo Espírito Santo.

Mas ter fé de verdade é isso, se Deus existe e nele está a verdade, não importa o que descubram, eu reconheço que eu é que estava errado, que Deus não mudou nada por isso, e passo a servi-lo baseado noutras coisas.

Abraço.

Kenner Terra disse...

Olá Anderson,
Parabéns pelo blog. Pena que só o encontre agora... continuarei a lê-lo.
Sobre o post, quando eu estava no primeiro ano do seminário, um veretano, lendo a genealogia de Mt, olhou para mim e disse: "Realmente Jesus era um filho de (da) puta"... Na hora fiquei escandalizado. Depois de alguns anos percebi o quanto estava certo...rsrsr

abraço.

Anderson de Oliveira Lima disse...

Oi Kenner! Fiquei feliz que achou meu blog. Aproveitei pra ver o seu também.

No começo eu postava reflexões para a igreja, depois, com muito trabalho acadêmico, acabei aproveitando as pesquisas em postando-as de maneira mais simples, para que todos possam compreender.

Vou ler seu blog com mais calma e depois volto a escrever.

Abraço. Anderson.