terça-feira, 6 de julho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS – (Parte XI)

Na definição breve de Archibald M. Woodruff, “Uma créia é uma anedota curta, em que um personagem de destaque age e/ou fala em uma maneira memorável”; e nas palavras de Paulo R. Garcia, “A creia tem como finalidade apontar uma lição, através de uma fala ou de um evento da vida de uma personagem”. Com base em tais definições, procuraríamos em nossa perícope por essa tal máxima que critica valores tradicionais nas palavras de Jesus, e entenderíamos a ação da mulher e a crítica dos discípulos como a situação criada para conduzir a créia a seu objetivo.

A tal sentença ou máxima conclusiva está, em nossa opinião, concentrada no v. 11, mas antes de falarmos sobre ela, vejamos algo mais que Klaus Berger acrescenta à definição das creias e que nos servirá a seguir: “De acordo com a forma da créia clássica, a resposta (ou parte dela) muitas vezes é formulada como uma gnome (máxima) ou sentença [...] Aí o horizonte judaico das créias se manifesta. Nas creias pagãs estão nesse lugar sobretudo citações de Homero”. Então, a partir das palavras de Berger, imaginamos que um autor de origem judaica, conhecedor das tradições religiosas de Israel e também das memórias de Jesus de Nazaré, letrado no idioma grego e envolvido num ambiente helenizado (como é o caso do autor de Mateus), poderia não só compreender o uso do gênero creia como também aplicar uma máxima sapiencial jesuânica como seu ensinamento principal. Assim podemos explicar a narrativa da unção em Betânia, seja na versão marcana ou na mateana, como uma creia que recebe uma máxima jesuânica e um contexto narrativo próprio da paixão de Cristo.

O autor de Mateus parece ter compreendido bem o uso marcano da créia, mas foi mais semítico em sua redação, como atesta o arranjo dado em sua versão para moldar a sentença do v. 11 em estilo poético judaico. No v. 10 Jesus abre sua fala acusando os discípulos com uma pergunta, dizendo que com o que diziam eles causavam aborrecimento, molestavam ou afligiam aquela mulher. Em seguida, no v. 11, Jesus rebate o argumento dos discípulos de que era melhor ter vendido o perfume para dar seu valor aos pobres através da sentença decisiva: “Pois sempre tendes os pobres convosco, mas a mim nem sempre tendes”. As palavras de Jesus na verdade não negam a necessidade de se ajudar os pobres, e até confirmam o que acima dissemos, que o Movimento de Jesus era formado e cercado por pessoas despossuídas e carentes de todo tipo de ajuda. A defesa da mulher concentra-se mesmo na “oportunidade, ou seja, os pobres temos a vida toda para ajudar, mas não há muitas oportunidades para se fazer o bem a Jesus, posto que como sabemos, ele estava prestes a ser assassinado.

2 comentários:

Anônimo disse...

a lição aqui pretendida ser mostrada, não poderia ser ensinada por uma parábola?
será que teria muita diferença entre a lição por uma créia e uma parábola?

abraços

Anderson de Oliveira Lima disse...

Não, a créia não é como a parábola. São dois gêneros literários diferentes empregados no Novo Testamento.

Na parábola, além do ensino ser dado através de uma metáfora( geralmente inspirada no cotidiano), seu propósito é surpreender o ouvinte com um final surpreendente. Ela também começa com fórmulas próprias, como por exemplo "com que compararei o reino de Deus"...

A créia possui uma máxima, e a história contada não é metafórica, fala diretamente dos personagens criando uma situação fictícia.

Espero ter esclarecido um pouco, mas sempre é bom olhar para o livro do Klaus Berger que citei (Formas Literárias do Novo Testamento - ed. Loyola) para saber mais sobre isso. Contudo, principalmente sobre parábolas, o material é vasto, e qualquer livro de exegese trata do gênero com bons exemplos.

Anderson.