segunda-feira, 28 de junho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS – (Parte IX)

Hoje precisamos examinar o texto bíblico em busca de uma resposta mais satisfatória para alegarmos a culpa dos discípulos ao criticarem o desperdício do perfume por parte da mulher que ungiu Jesus. Há na própria história do desenvolvimento dos evangelhos canônicos diferentes interpretações desse mesmo evento, o que nos dá sinais de que há aí um problema antigo.

Como já observamos, logo após nossa perícope temos a traição de Judas, que vai aos sacerdotes com a intenção de entregar-lhes Jesus e inclusive pede uma recompensa em dinheiro por isso. Poderíamos supor daí que a ganância de Judas já influenciava sua crítica à “oferta” da mulher a Jesus? Essa hipótese não é a correta em minha opinião, mas também não é tão absurda, principalmente por vermos que no evangelho de João, que traz a história dessa unção de Jesus numa versão diferente, a história é interpretada dessa maneira. Eis aí uma ocasião propícia para compararmos Mateus e João e testificar quão distantes são estes evangelhos e porque não costumam ser analisados sinoticamente.

Lendo João 12.1-8, notamos que ali, embora a casa seja em Betânia, não pertence a Simão o leproso, mas a Lázaro, Marta e Maria; ali a mulher não é anônima como nos evangelho sinóticos, é a própria Maria quem unge Jesus, e aliás, nos pés e não na cabeça. Mas o ponto que queremos destacar é que a discussão em João não se dá com todos os discípulos como em Mateus, mas apenas com Judas (vv. 4-5), e o autor aproveita para acusar Judas de ladrão (v. 6), relacionando sua fala à sua ganância. Mas essa leitura, de que a crítica dos discípulos foi motivada pela ganância, e principalmente de Judas, embora encontre alguma razão de existir, não é a que prevalece nos evangelhos sinóticos.

Como já destaquei, a perícope em si não distingue Judas dos demais, e embora o argumento dos discípulos seja de ordem econômica, o grande problema neste caso é de fé. A mulher já estava se preparando para a morte de Jesus, ungindo seu corpo para a sepultura, mas eles, mesmo sendo os mais próximos a Jesus, ainda não entendiam a aproximação desse evento e a necessidade dele. Assim, ainda que estivessem certos quando diziam que os bens de valor dos simpatizantes deveriam servir aos pobres, neste caso específico estavam demonstrando total ignorância quanto à missão de Jesus.

Concluindo, temos que ter cuidado para não sermos influenciados pela interpretação dada ao texto pelo evangelho de João. Aquela é uma versão bem diferente de uma mesma tradição, que possui outros objetivos. Não há, por conta de todas as divergências já anotadas, como harmonizar as duas versões tentando reconstruir o que realmente aconteceu. O quarto evangelho, por essas e outras, não se inclui entre os evangelhos sinóticos, e o conselho exegético em casos como esse é, fique só com o texto de Mateus.

Após a fala dos discípulos, o leitor que porventura nunca viu tal passagem do evangelho de Mateus continua cheios de curiosidade sobre qual será o posicionamento de Jesus, agora em relação à mulher e aos discípulos. Mas o leitor já imagina que Jesus, personagem principal do evangelho, se imporá como juiz e nos revelará quem está com a razão. Neste caso, mais argumentos do evangelista seriam tempo perdido, pois não estamos mais interessados no que a mulher ou os discípulos têm a dizer, nós queremos ouvir Jesus, e o autor atende à nossa expectativa a seguir. Deixo isso para a próxima postagem.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS – (Parte VIII)

Continuando nossa análise literária, trataremos agora do diálogo em si, notando nos versos 8 e 9 que o autor coloca as palavras na boca dos discípulos sem nomear quem falava ou quem permanecera calado dentre o grupo, certamente para demonstrar ser esta a voz unânime dos doze: (8)E vendo os discípulos indignaram-se dizendo: ‘Para que este desperdício? (9) Pois poder-se-ia vendê-lo por muito e ser dado aos pobres’”.

Pela maneira como o texto foi construído, podemos afirmar que todos os discípulos estavam de acordo neste comentário, onde acusavam a mulher de desperdiçar valores. Se nunca tivéssemos lido a passagem antes, provavelmente até suspeitaríamos que os discípulos tinham razão em sua indignação, pois o movimento de Jesus fora formado por pessoas miseráveis, e os itinerantes como esses primeiros discípulos deviam receber com gratidão ofertas como um caro perfume daqueles. A iniciativa de investir suas posses no movimento do Reino de Deus era aceitável, mas na ótica deles, a mulher desperdiçou uma possível oferta para o movimento e para os simpatizantes carentes que eles alcançavam pelo caminho entre aldeias da Galiléia. Não parece essa reclamação dos discípulos condizente com, por exemplo, o convite de Jesus ao jovem rico para que vendesse tudo o que tinha, desse o valor aos pobres e depois o seguisse (Mt 19.16-22)? Bem poderíamos também julgar que a palavra dos discípulos representavam a voz do mestre, mas o texto foi construído de forma que o leitor já sente que esses discípulos são os vilões da história. Isso é sentido pela construção da fala dos discípulos: Eles estavam indignados, enquanto a mulher parece agradecida, devotada, ou possuidora de alguma motivação mais “nobre” do que a deles. Também parece-nos que uma ação repreensível da mulher ou de quem quer que fosse seria questionada diretamente por Jesus no evangelho, e não por porta-vozes como aqui acontece.

Por certo vemos o texto começando a qualificar os discípulos de Jesus como contrários aos acontecimentos. Já no começo do relato da paixão há o destaque para uma figura feminina, que dá os primeiros sinais da fidelidade das mulheres no desenrolar dos acontecimentos (Mt 27.55; 28.1-10). Em contrapartida, os discípulos (homens) vão se tornando cada vez mais vexatórios, e veremos em seguida Judas traindo Jesus (Mt 26.14-16, 47-50), todos fugindo quando Jesus é preso (Mt 26.56), e Pedro negando conhecê-lo (Mt 26.69-75).

Até aqui, a culpabilidade dos discípulos ainda parece um palpite meu, que bem poderia ser uma conclusão influenciada por leituras anteriores. Na próxima seção seguiremos investigando essa suposta culpa dos discípulos.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS – (Parte VII)

Começa agora a análise da segunda seção de nosso texto (perícope). O comentarista Ulrich Luz também a delimita como fizemos, separando os versículos 8 a 12 e chamando esta porção de “diálogo de homens”. O autor passa a descrever um diálogo entre Jesus e seus discípulos que usa um número muito maior de palavras do que a própria narração do tema que discutem utilizara; aqui encontraremos o ensinamento que se queria transmitir por meio da perícope.

Sigamos em nossa análise literária, lendo o texto cuidadosamente para que nenhuma informação nos escape. A primeira novidade é a aparição dos discípulos até então ocultos. Eles são personagens do texto que só entram em cena agora, mas isso não surpreende, pois os evangelhos nos ensinaram que eles estavam sempre ao lado do mestre; ou seja, a presença dos discípulos era um pressuposto para o autor. Contudo, um ponto mais importante nesta nova entrada é que habilmente o autor os discípulos falar antes de Jesus. Os discípulos eram apenas expectadores em relação à unção ocorrida, mas o objeto da ação que é Jesus não se expressa. Ficamos ignorantes sobre sua reação; não há palavras, gestos ou expressões faciais descritas, e isso assim acontece porque a opinião de Jesus sobre a mulher, embora importante, deve também ser vista mediante a posição contrária dos discípulos. O autor poderia ter deixado os discípulos de fora, poupando a memória deles enquanto exaltava a mulher, mas quis distingui-los da mulher para fazer dela uma exceção de grande importância na narrativa da paixão.

Vou ter agora que começar a analisar as palavras dos discípulos, mas optei por deixar isso para uma próxima seção. Se me expressei bem nesta parte de nosso estudo, você deve ter aprendido um pouco mais sobre a análise literária. Com base no exemplo que vimos, entende-se que é necessário ler as narrativas bíblicas não como se fossem relatos de acontecimentos reais, mas como textos, construções que atendem mais aos interesses daqueles que os produziram do que representam fidelidade histórica. Por isso é importante notar as características de cada personagem, os seus padrões de fala, a organização dada ao diálogo... Nunca saberemos se os discípulos realmente fizeram isso ou aquilo, ou se Jesus falava desse ou daquele jeito, mas podemos descobrir como os autores gostariam que eles agissem ou falassem. Por isso, temos que reconhecer desde o princípio que não estamos estudando a vida, o discurso ou os atos de Jesus ou de outro personagem, mas apenas analisando obras literárias.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS (Parte VI)

Hoje finalmente estamos terminando a análise da abertura narrativa do texto, que está entre os vv. 6 e 7. Vimos que Jesus, o personagem, está no começo do seu fim, ou seja, dando início à fase final de sua vida na Judéia. Também vimos que ele entra na casa de leprosos e come com eles, agindo de maneira radicalmente oposta àquela considerada ideal pelas mais influentes vertentes religiosas de sua sociedade. Depois, uma mulher sem nome derrama um perfume valioso na cabeça de Jesus, o que parece chocar as pessoas presentes. A pergunta que falta responder é: por que a mulher fez isso?

Neste ponto, vocês já devem ter se lembrado de livros que leram ou de sermões que ouviram sobre o texto, e isso nem sempre é um bom sinal. Como mencionei antes, essas experiências prévias podem significar limitações para a nossa análise. Para avaliar como essas leituras anteriores nos influenciam, podemos recorrer a outro passo exegético que chamo de história da leitura, onde averiguamos como este texto de Mateus foi lido ao longo dos séculos. Se procurarmos por comentários de Mateus produzidos pelas gerações anteriores, veremos que muitas e muitas vezes se atribuiu à unção de Jesus um significado régio, ou seja, um gesto que simbolizava a unção de um rei. Mas eu discordo dessa leitura, embora ela tenha muitos adeptos. Acredito que ao ungir Jesus a mulher estava fazendo pondo em prática um dos procedimentos típicos de uma cerimônia fúnebre, proposta que também não é nova. Voltaremos a esse ponto mais à frente, mas deixo a quem quiser a sugestão de investigar que tipo de unções ou embalsamamento se fazia naquela época e lugar, e de procurar conferir nos livros, que significado costuma-se atribuir ao ato da unção de Jesus em Betânia.

Enfim, nos dois primeiros versículos, que podemos unir pela linguagem narrativa comum como uma introdução ao diálogo subseqüente, temos o paradoxo de que o Jesus puro no lugar impuro é tratado com grande respeito. A iniciativa daquela mulher anônima podia parecer escandalosa para os fariseus e até estranha para os discípulos, mas para os evangelhos de Marcos e Mateus ela estava compreendendo e de acordo com o ministério inclusivo de Jesus, que traz para perto de si leprosos e outros excluídos. A mulher anônima talvez fosse da família de Simão, e foi motivada pela atitude compassiva de Jesus que ela fez uma boa obra para com ele.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS (Parte V)

Hoje, o destaque da análise será a comparação sinótica a partir dos pressupostos da postagem anterior. Não deixe de ler a parte IV de nosso estudo, e volte também ao versículo 7 de Mateus 26, pois é o texto que vamos começar a analisar.

Se você já leu o v. 7 com atenção, deve ter notado que a mulher, embora aparentemente seja importante na narrativa, não possui um nome. Cuidado para não ser influenciado, por exemplo, pelo evangelho de João, que vai mais longe na identificação da mulher; estamos estudando Mateus, e aqui, ela não é ninguém conhecida. O próprio desconhecimento de sua identidade mostrar-se-á uma informação rica futuramente. Assim, o que temos é uma mulher anônima aproximando-se da mesa onde Jesus, os discípulos e provavelmente o leproso Simão, comiam e conversavam. Ela vem trazendo consigo um valioso frasco de perfume e derrama-o sobre a cabeça de Jesus. Essa atitude dá início à discussão que se desenrolará nos versículos seguintes.

Destaca-se em primeiro lugar que o gesto é digno de atenção entre os participantes daquela reunião devido ao valor elevado que todos atribuem ao perfume. Fazendo aqui uma comparação sinótica, ou seja, comparando a versão de Mateus com as similares em Marcos e Lucas, vemos que Mc 14.5, talvez exagerando, atribui ao perfume o valor de trezentos denários, aproximadamente o salário de um ano de trabalho. Como os estudiosos em geral acreditam que esse texto tenha sido copiado de Marcos por Mateus, a dúvida é pelo motivo da omissão proposital deste detalhe em Mateus. Será que este era um valor absurdo para qualquer fragrância e que por isso Mateus tenha optado por excluir essa informação estranha? Pode ser, mas de toda forma Mateus concorda com Marcos em parte, dizendo que aquele produto valia muito (v. 9). Na pior das hipóteses, a mulher demonstrou desprendimento em relação aos bens de valor do mundo (tema recorrente em Mateus e nas fontes do cristianismo primitivo em geral) fazendo um alto investimento em Jesus. Se este investimento foi bem feito ou não, é o que saberemos no decorrer do texto.

Numa exegese de qualidade não escolhemos falar só de pontos que nos chamam a atenção e ignoramos outros que não entendemos ou que nos parecem desinteressantes. Por isso, também temos de considerar que Jesus está reclinado à mesa, ou seja, distraído enquanto provavelmente comia ou conversava com as pessoas presentes. Outra vez comparando os evangelhos sinóticos, notamos que agora foi Mateus quem acrescentou ao texto marcano a descrição de Jesus à mesa, o que nos faz perguntar pelo motivo dessa discreta inclusão. Eu diria que Mateus procurou deixar mais claro que desenrolava-se um típico momento de comunhão com os impuros.

A situação contraditória do Messias comendo com os impuros e recebendo uma dádiva passivamente quer ressaltar exatamente a distância entre a maneira como a mulher via as coisas e como a religiosidade tradicional as via. Em qualquer leitura notaríamos que o gesto daquela mulher desconhecida era favorável a Jesus, mostrando que ela está de acordo com a comunhão de mesa com impuros. Em resumo, o que Jesus fazia era condenável para uns, mas digno de louvor para outros.

sábado, 5 de junho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS (Parte IV)

A abertura narrativa do texto não acabou ainda, falta-nos o v. 7, que trata exatamente da ação estranha e inesperada de uma mulher para com Jesus. A partir de agora, teremos que começar nossa comparação sinótica, isto é, vamos comparar o texto de Mateus com seus paralelos nos outros evangelhos, e para isso, vamos ter que dedicar pelo menos uma postagem para expor alguns dos pressupostos da exegese dos evangelhos. Nosso tema de hoje é a “teoria das duas fontes”.

Bem, os textos bíblicos não nos dão indicações de autoria, datação ou local de composição; não nos dizem sob que condições foram produzidos e quais são seus objetivos. Nós temos que desenvolver nossas próprias hipóteses e testá-las para ver se elas resistem quando confrontadas com a exegese. Para os evangelhos, há muito que se distingue os sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) de João, que faria parte de uma tradição distinta e que só com grandes reservas deve ser lido em conjunto com os outros. Assim, comparar João com Mateus nem sempre é um estudo compensador, mas a análise entre os sinóticos é quase que um passo obrigatório.

Quanto aos sinóticos e a relação literária evidente entre eles, a pesquisa atual é quase unânime em aceitar que Marcos escreveu seu evangelho primeiro por volta do ano 70 d.C., e que Mateus e Lucas o utilizaram para comporem seus próprios evangelhos entre os anos 80 e 90 d.C. Assim, todo texto de Mateus que encontra um paralelo em Marcos é comparado para se averiguar como Mateus utilizou-se de sua fonte moldando o texto mais antigo segundo seus próprios interesses. Caso um texto de Mateus não esteja em Marcos, mas somente em Lucas, supõem-se que ambos tenham o aproveitado de outra fonte, que perdeu-se e para fins didáticos chamamos de “evangelho Q”.

Em nosso caso, o texto de Mt 26.6-13 veio de Marcos. O autor de Mateus não considerava Marcos um evangelho canônico, sagrado, e por isso não se conteve e reescreveu sua obra com todas as melhorias que lhe convinham. Por isso, vamos sempre observar como Mateus aproveitou-se do evangelho mais antigo e ver a que resultados essa comparação sinótica nos conduz.

Não se engane pensando que toda essa teoria é inútil, toda leitura está embasada em algum tipo de teoria como esta. Se você acredita que quem escreveu o evangelho foi um apóstolo por volta dos anos 50, isso muda tudo. Eu sigo a opinião acadêmica de que o texto foi produzido não a partir de uma testemunha ocular, mas literária, e por volta dos anos 80 a 90 d.C., quando o Templo de Jerusalém já havia sido destruído pelos romanos. O autor do evangelho aproveitou a tradição mais antiga para escrever uma linda mensagem sobre Jesus para seus próprios companheiros, mas nunca conheceu Jesus.

Não desista, logo ficará claro na exegese a importância dessa pausa para expor nossas hipóteses sobre as fontes dos evangelhos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS (Parte III)

No exercício de hoje vamos atentar para o segundo detalhe relevante que se encontra no v. 6b, detalhe que não é incomum nas narrativas sobre Jesus. O texto, além de colocar Jesus na Judéia (v. 6a), nos diz que Jesus está na casa de um homem leproso chamado Simão. Aqui, exegeticamente falando, cabe a análise traditiva, onde procuramos entender como o autor do evangelho entenderia essa informação com base na sua própria experiência de mundo.

Segundo o Antigo Testamento os leprosos eram considerados imundos e deveriam habitar fora do arraial (Lv 13.45). Era exigida a separação da comunidade para evitar que o “impuro” contaminasse os “puros”, e essa contaminação, conforme eles concebiam, não era apenas de uma doença infecciosa, mas do próprio pecado ao qual a doença era atrelada. Por isso, quando alguém dizia-se curado da lepra, não bastava mostrar a pele saudável e voltar à aldeia, ele teria que ir ao sacerdote, o responsável pelos rituais religiosos, e oferecer sacrifícios, que eram feitos exatamente para a remissão dos seus pecados (veja Lv 13). No evangelho, porém, Jesus é descrito como um personagem surpreendente que contraria as leis de pureza da Torá (cinco primeiros livros do Antigo Testamento) comungando com excluídos como Simão. Ele inverte a lógica tradicional e vai até os impuros para os purificar por meio de sua pureza.

Notemos então que essa abertura narrativa aparentemente simples do v. 6 anuncia que Jesus um dia foi ao território inimigo, na Judéia, e ali afrontou com seus gestos inclusivos alguns dos grandes paradigmas da religiosidade nacional. O evangelista está dizendo que Jesus não era como os sacerdotes e fariseus, e que quando o Galileu dirigiu-se à “terra santa” desafiou costumes considerados “sagrados” em favor dos marginalizados, gerando um ódio previsível e acabando preso e depois assassinado. Lembra-se que na parte II de nossa análise eu disse que Jesus entrara na fase final de sua vida quando viajara até a Judéia? Pois bem, a presença na casa do leproso se liga a esse momento; foi uma ação considerada inapropriada pela sociedade local, e que vai ser somada a outros fatores para conduzir Jesus à cruz.

Ficaremos por aqui, dando tempo para que os leitores contribuam com essa pesquisa sobre o papel da ida à Judéia em Mateus, e sobre as leis de pureza do Antigo Testamento relativas à lepra. Toda informação que nos ajudar a compreender o escândalo que Jesus causou e os motivos de sua prisão e morte serão úteis.