sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

COLÓQUIO SOBRE AS CRISES DE FÉ DE QUEM BUSCA CONHECIMENTO




Em Agosto de 2010 publiquei neste blog um texto intitulado “Por que
Estudar Religião Provoca Crises de Fé?”.


Escrevi-o pensando em meus alunos de um curso de teologia, que no período demonstravam os efeitos de se estudar religião, questionar seus próprios dogmas e ver suas certezas e objetivos de vida mudando em pouco tempo. Chamei esses efeitos de “crises”, mas bem que poderíamos dizer que se trata de uma nova “conversão”. No período meus alunos demonstraram satisfação com a leitura, e o texto foi um dos mais lidos e comentados que já escrevi para o blog.

Hoje aquele texto me deu uma nova alegria: Um leitor muito especial me enviou um e-mail falando sobre sua leitura do texto, e sobre suas próprias crises de fé. Respondi suas questões de maneira bem pessoal, e logo vi que essa conversa poderia servir como um complemento àquele primeiro texto. Pedi ao leitor que me deixasse publicar nosso diálogo no blog, e ele aceitou gentilmente. Assim sendo, as linhas abaixo apresentam o e-mail do meu leitor e também o que escrevi como resposta. Tomei o cuidado de substituir seu nome real por um fictício e sugestivo “Thomas”. Também omiti as datas e as instituições citadas por nós, e resumi alguns trechos para dificultar a identificação da identidade do meu leitor.


1 - E-mail do Leitor:

Olá Anderson, Boa Tarde.

Não nos conhecemos, me chamo Thomas, sou brasileiro, professor, além de estudante de teologia num seminário protestante.

Li em seu blog o texto no qual você escreve para estudantes de teologia confusos e relutantes; enfim, posso dizer que me identifiquei um bocado com ele, pois estou passando por um momento muito tenso e difícil de minha vida. Estou ingressando no seminário, porém, pelos motivos errados.

Tenho outra formação universitária não ligada à teologia, e minha vivência durante os anos de graduação mudaram drasticamente minha maneira de conceber minha fé e uma porção de perguntas foram sendo acumuladas ao longo dos anos de estudo. Durante a semana, onde eu estudava, eu era um jovem comum, racionalista e sinceramente interessado nos estudos e relações que tinha com amigos. Aos finais de semana eu mantinha minhas funções na igreja. Foi assim durante anos, talvez por solidariedade aos amigos e família, aos compromissos dos quais eu não conseguia me separar, mantive uma espécie de vida dupla: uma religiosa, e outra que buscava ardentemente respostas e que não permitia a existência de nenhuma certeza sem fundamento. Mesmo assim, me interessei por ingressar no seminário, pois queria me aprofundar nos estudos e ainda tenho planos de ingressar no mestrado em ciência da religião.

Apesar dos planos, algo me angustia. Hoje vejo que jamais teria o perfil de um pastor, no entanto, não posso mais me desvencilhar desta responsabilidade, acredito que meu caminho inevitavelmente será a trilha da teologia liberal, do relativismo e por fim o da descrença, por mais que eu tente que as coisas façam sentido pra mim, como se todos os dias eu me olhasse no espelho e repetisse que sou cristão. O que me move não é a fé, e sim uma curiosidade imensa e uma vontade de dar ordem ao caos que há anos embaralha meu senso de realidade.

Acha que seria desonesto ir para um seminário com estas motivações? Não sei exatamente por que estou lhe escrevendo, acho que é porque me identifiquei com sua maneira de pensar, e especialmente porque não encontro ninguém por aqui com quem eu possa me abrir de verdade a respeito de minhas dúvidas e angústia relacionadas à fé.

No mais, agradeço a disposição e paciência,

Um abraço,

Thomas.


2 – Resposta do Autor:

Oi Thomas, li seu e-mail com muita satisfação. Obrigado por confiar a mim suas angústias.

Acho que você se identificou com o texto do blog porque eu também trilhei esse mesmo caminho. De algum modo, acho que tenho alguma experiência para transmitir a pessoas como você. Eu mesmo comecei a frequentar igrejas e seminários de teologia em busca de respostas. Também não estou aberto a crer em coisas sem fundamento, e por isso minha busca por conhecimento me afastou da igreja aos poucos, mas me conduziu até uma carreira profissional ligada à religião.

Sobre sua carreira acadêmica, eu sei do que fala quando diz que não vai conseguir abandonar os estudos da religião. Eu também sou um apaixonado pelo tema. Acho importante que você tenha um contato com a teologia antes do mestrado, mas é um lugar de conflitos para pessoas como nós. O ideal seria fazer uma graduação em ciências da religião, coisa que não existe. Minha solução foi a seguinte: Eu também tinha outra formação (música), então fiz alguns anos de seminário, procurando por disciplinas de meu interesse (grego, exegese, filosofia...), e deixando de lado aquelas relacionadas ao trabalho pastoral, para o qual não tenho vocação. Depois parti para a pós-graduação e mestrado em ciências da religião. Acho que você pode fazer o mesmo, já que a formação em teologia só tem valor para aquisição de conhecimento e para o ministério. Sobre o mestrado, procure por um curso conceituado. Podemos voltar a falar sobre isso quando realmente estiver pronto pra ingressar.

Já que estamos sendo sinceros, acho que a permanência na igreja é uma bomba relógio para pessoas como você. Não acho que você vá aguentar. Alguns alunos conseguem seguir com sua vida ministerial após a teologia como se não tivessem ouvido nada, mas noto que eles precisam enterrar muitas perguntas e coisas que aprenderam. Outros voltam à igreja querendo mudar as coisas e se transformam em causadores de conflitos. Essa vida pra mim não serve. A melhor coisa a fazer é encontrar outros objetivos fora da igreja, mudar os rumos da sua vida. Essa foi minha decisão, e não me arrependo; mas pense no assunto, pois é uma decisão importante.

Sobre a fé, eu acho que nunca cheguei ao ponto do ateísmo. Penso que a maturidade nos conduz a uma espécie de agnosticismo. Eu tenho uma teologia própria, cheia de relativismos e incertezas que hoje não me incomodam. Digo que aceito a existência de coisas além da vida material, mas já não sei se qualquer religião saiba explicar essa "realidade". Assim, pra mim, se as religiões não possuem as respostas, eu não me sinto obrigado a frequentar qualquer uma delas. Da mesma maneira, não vejo motivos para tentar destruir a fé dos outros. Não sei se me expliquei bem, mas acho que isso é uma forma de maturidade, que nos faz ecumênicos, tolerantes, antifundamentalistas...

Caro Thomas, espero tê-lo ajudado de alguma forma.

Grande abraço.

Anderson.

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