Jesus está agora em Jerusalém, cenário
inédito para as suas atividades no Evangelho de Mateus. Curiosamente, a
primeira ação de Jesus é ir ao Templo, símbolo da religiosidade nacional nos
dias de Jesus, mas cuja forma sacrificial de culto já havia sido abandonada
quando o Evangelho de Mateus foi escrito, por volta dos anos 80 e 90 EC. A
Galiléia, no norte da província, havia sido o local de atuação de Jesus, onde
ele conquistara uma multidão de seguidores, fama, e de onde arrebanhara seus
verdadeiros discípulos. Agora, esse grupo é visitante na helenizada Jerusalém, e
esta visita parece ter razão religiosa. A questão é se a motivação é positiva
ou não: Jesus e seus discípulos visitam a venerada cidade santa, visitam o
Templo e ficam ali para as festividades da páscoa, e tudo isso é novidade na
narrativa mateana, já que a religiosidade exposta até aqui não tinha qualquer
dependência em relação àquela instituição. A peregrinação e a visita talvez nos
indiquem certo respeito para com tais tradições, porém, Jesus não chega
discretamente, e surpreende a todos com atitudes violentas de reprovação às
práticas que vê no Templo; as ações de Jesus nestes lugares são sempre
críticas, e talvez a própria “subida” a Jerusalém tivesse propósitos
revolucionários, expressando completa desaprovação por tudo aquilo.
No versículo 12 Jesus realmente parece
agressivo como nunca, sai derrubando mesas e empurrando homens que ali vendiam,
provavelmente sob permissão, animais que deviam servir para as cerimônias
sacrificiais. Mateus segue o Evangelho de Marcos (Mc 11.15-18) ao citar (Mt
21.13) o versículo “construído” a partir da união artificial de Isaías 56.7,
que originalmente fala dos estrangeiros que, caso aderissem às práticas
religiosas judaicas seriam aceitos no Templo, e Jeremias 7.11, que falava a
Judá (reino do sul) sobre a exigência para que se praticasse a “justiça” e pelo
fim da adoração a outros deuses (Jr. 7.5-10), discurso de um tempo em que o
monoteísmo não estava plenamente estabelecido nem mesmo em Jerusalém. Outra
vez, ler esses textos só evidencia que de nada nos serve estudar os textos em
seus contextos literários originais no Antigo Testamento; para os evangelistas,
só importa a memória fragmentária de passagens que nesta leitura cristianizada
lhes serve como confirmação da messianidade de Jesus. Neste caso, todavia,
Mateus depende muito de Marcos, que parece fazer um uso ainda mais inocente
dessas memórias bíblicas. Geralmente Mateus é mais criterioso, dá mais valor ao
texto escrito, e faz das citações o centro da narrativa. Aqui a redação ainda é
marcana, e a crítica de Jesus contra o Templo é mais importante do que os
textos citados. Devemos guardar isto: o comércio praticado no Templo é
reprovável, provavelmente porque a religião não deve servir como fonte de
riquezas.
Marcos partia para a conclusão (Mc 11.18),
mas Mateus dá sequência à narrativa, aproveita o cenário do Templo para outros
conteúdos, e no versículo 14 aparecem deficientes que Jesus cura. Pode-se
encontrar muitos problemas aí, mas a sequência narrativa parece ter uma lógica
própria; Jesus demonstra com sua ira que aquele comércio era uma atividade
imprópria para o local, e passa a curar, fazer o bem, praticar a misericórdia,
e esta talvez seja a atividade considerada própria para as dependências do
Templo. Isso nos lembra a cura do homem que tinha a mão atrofiada em Mt 12.9-14,
onde Jesus mostra com a cura o que é apropriado para se fazer no sábado e na
sinagoga. Também é notável que as ações violentas de expulsar alguns, acabou atraindo
essa classe marginalizada para Jesus.
A cura dos deficientes provoca novas reações
(v. 15-16). Diz o texto que as criancinhas louvavam o “filho de Davi”, o que
nos amarra à perícope anterior, que narra a entrada em Jerusalém (21.1-11), e
nos faz lembrar também do capítulo 18 em que as crianças são empregadas como
exemplo de humildade e pequenez. Aqui, estes “pequenos” se identificam os
deficientes que são curados, interpretam as curas de Jesus como um benefício
feito aos seus; por outro lado, outra classe se mostra irritada, que é a dos
líderes religiosos, sacerdotes e escribas. Eles não parecem dar grande atenção
às curas, antes, ficam indignados por Jesus aceitar o louvor das crianças, como
se isso fosse uma declaração indireta de que ele é o Messias. Jesus vai além ao
citar o Salmo 8.2 em resposta aos líderes religiosos, o qual ressalta o valor
do louvor das crianças, e tanto nós, os leitores, quanto os personagens
(líderes religiosos), entendemos a mensagem. Diferente do que lemos nos
versículos 13 e 14, onde a citação bíblica era secundária, aqui o salmo citado
parece novamente determinante para toda a ação das crianças. A fala contrária
dos líderes religiosos só faz destacar mais uma vez a falta de entendimento
deles, que não compreendem o valor das obras de Jesus, nem são capazes de
interpretar corretamente os textos do Antigo Testamento para aceitar que Jesus
é o Messias que esperavam.
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