quarta-feira, 4 de julho de 2012

JESUS CONTRA O TEMPLO: Mateus 21.12-17


Jesus está agora em Jerusalém, cenário inédito para as suas atividades no Evangelho de Mateus. Curiosamente, a primeira ação de Jesus é ir ao Templo, símbolo da religiosidade nacional nos dias de Jesus, mas cuja forma sacrificial de culto já havia sido abandonada quando o Evangelho de Mateus foi escrito, por volta dos anos 80 e 90 EC. A Galiléia, no norte da província, havia sido o local de atuação de Jesus, onde ele conquistara uma multidão de seguidores, fama, e de onde arrebanhara seus verdadeiros discípulos. Agora, esse grupo é visitante na helenizada Jerusalém, e esta visita parece ter razão religiosa. A questão é se a motivação é positiva ou não: Jesus e seus discípulos visitam a venerada cidade santa, visitam o Templo e ficam ali para as festividades da páscoa, e tudo isso é novidade na narrativa mateana, já que a religiosidade exposta até aqui não tinha qualquer dependência em relação àquela instituição. A peregrinação e a visita talvez nos indiquem certo respeito para com tais tradições, porém, Jesus não chega discretamente, e surpreende a todos com atitudes violentas de reprovação às práticas que vê no Templo; as ações de Jesus nestes lugares são sempre críticas, e talvez a própria “subida” a Jerusalém tivesse propósitos revolucionários, expressando completa desaprovação por tudo aquilo.
No versículo 12 Jesus realmente parece agressivo como nunca, sai derrubando mesas e empurrando homens que ali vendiam, provavelmente sob permissão, animais que deviam servir para as cerimônias sacrificiais. Mateus segue o Evangelho de Marcos (Mc 11.15-18) ao citar (Mt 21.13) o versículo “construído” a partir da união artificial de Isaías 56.7, que originalmente fala dos estrangeiros que, caso aderissem às práticas religiosas judaicas seriam aceitos no Templo, e Jeremias 7.11, que falava a Judá (reino do sul) sobre a exigência para que se praticasse a “justiça” e pelo fim da adoração a outros deuses (Jr. 7.5-10), discurso de um tempo em que o monoteísmo não estava plenamente estabelecido nem mesmo em Jerusalém. Outra vez, ler esses textos só evidencia que de nada nos serve estudar os textos em seus contextos literários originais no Antigo Testamento; para os evangelistas, só importa a memória fragmentária de passagens que nesta leitura cristianizada lhes serve como confirmação da messianidade de Jesus. Neste caso, todavia, Mateus depende muito de Marcos, que parece fazer um uso ainda mais inocente dessas memórias bíblicas. Geralmente Mateus é mais criterioso, dá mais valor ao texto escrito, e faz das citações o centro da narrativa. Aqui a redação ainda é marcana, e a crítica de Jesus contra o Templo é mais importante do que os textos citados. Devemos guardar isto: o comércio praticado no Templo é reprovável, provavelmente porque a religião não deve servir como fonte de riquezas.
Marcos partia para a conclusão (Mc 11.18), mas Mateus dá sequência à narrativa, aproveita o cenário do Templo para outros conteúdos, e no versículo 14 aparecem deficientes que Jesus cura. Pode-se encontrar muitos problemas aí, mas a sequência narrativa parece ter uma lógica própria; Jesus demonstra com sua ira que aquele comércio era uma atividade imprópria para o local, e passa a curar, fazer o bem, praticar a misericórdia, e esta talvez seja a atividade considerada própria para as dependências do Templo. Isso nos lembra a cura do homem que tinha a mão atrofiada em Mt 12.9-14, onde Jesus mostra com a cura o que é apropriado para se fazer no sábado e na sinagoga. Também é notável que as ações violentas de expulsar alguns, acabou atraindo essa classe marginalizada para Jesus.
A cura dos deficientes provoca novas reações (v. 15-16). Diz o texto que as criancinhas louvavam o “filho de Davi”, o que nos amarra à perícope anterior, que narra a entrada em Jerusalém (21.1-11), e nos faz lembrar também do capítulo 18 em que as crianças são empregadas como exemplo de humildade e pequenez. Aqui, estes “pequenos” se identificam os deficientes que são curados, interpretam as curas de Jesus como um benefício feito aos seus; por outro lado, outra classe se mostra irritada, que é a dos líderes religiosos, sacerdotes e escribas. Eles não parecem dar grande atenção às curas, antes, ficam indignados por Jesus aceitar o louvor das crianças, como se isso fosse uma declaração indireta de que ele é o Messias. Jesus vai além ao citar o Salmo 8.2 em resposta aos líderes religiosos, o qual ressalta o valor do louvor das crianças, e tanto nós, os leitores, quanto os personagens (líderes religiosos), entendemos a mensagem. Diferente do que lemos nos versículos 13 e 14, onde a citação bíblica era secundária, aqui o salmo citado parece novamente determinante para toda a ação das crianças. A fala contrária dos líderes religiosos só faz destacar mais uma vez a falta de entendimento deles, que não compreendem o valor das obras de Jesus, nem são capazes de interpretar corretamente os textos do Antigo Testamento para aceitar que Jesus é o Messias que esperavam.

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