Entre o final do capítulo 3 e o capítulo 4 há o que poderíamos chamar de “eventos visionários de Jesus. Pelo menos é assim que lemos estes textos, como experiências extáticas que iniciaram Jesus no ministério. Vamos falar rapidamente dos dois eventos místicos que envolvem o começo do trabalho de Jesus, sugerindo que os mesmos eventos juntam-se ao batismo já comentado, e formam uma espécie de estatuto para a iniciação de todo cristão. Noutras palavras, acreditamos que o cristianismo primitivo poderia ler estes eventos (batismo, visão, exorcismo e ascenção) como passos necessários a todos os discípulos de Jesus.
Primeiro, Jesus tem uma visão ao sair da água em seu próprio batismo (3.16-17). É difícil dizer se este evento foi testemunhado por outras pessoas presentes, ou se o propósito é dizer que apenas Jesus o vivenciou. Pode ser também, que só aqui Jesus tomou conhecimento direto de sua identidade messiânica. Pode ser que aquela voz ouvida tenha sido o momento decisivo que separou o Jesus galileu filho do carpinteiro, do Jesus messias de todos os povos.
O segundo momento começa quando, após o batismo, Jesus é “arrebatado” pelo espírito e vê-se no deserto, onde é provado antes de iniciar seu trabalho libertador em Israel (4.1-11). Na versão de Marcos não há um relato de tentações, mas apenas a idéia de que Jesus foi tomado pelo Espírito e levado ao deserto para ser tentado. Em todo caso, o importante é que este texto liga-se perfeitamente à tradição apocalíptica judaica, onde muitos visionários viam-se tomados por anjos ou seres celestiais e viajavam aos céus (Cf. Schiavo, 2003). No misticismo posterior, na literatura da chamada Hekhalot, estas ascensões tornaram-se verdadeiras aventuras, e os viajantes não apenas contemplavam os céus e as coisas que haveriam de acontecer ao mundo no futuro, mas eram provados, tinham que vencer obstáculos... Talvez estas tradições expliquem de alguma maneira a viagem de Jesus.
Então, não vemos a visão do batismo ou a ida até o deserto como eventos históricos, reais, mas como experiências extáticas, como arrebatamento dos sentidos, o que nos mostraria que estes textos não narram a vida de Jesus como alto tão próprio, como um desenrolar exclusivo, mas que há muitas similaridades com a vida de muitos outros profetas e visionários apocalípticos, místicos da religião judaica.
Voltamos então a anunciar nossa hipótese: acreditamos que a sequência de eventos pelas quais Jesus passa no texto antes de seu ministério poderiam servir entre os leitores dos evangelhos como um estatuto para novos adeptos. Se estivermos certos, todos deveriam imitar a trajetória de Jesus, batizando-se, jejuando, sendo exorcizados dos demônios, e vivenciando experiências místicas visionárias.
Um comentário:
Anderson, outra opção que estive pensando (esqueci de colocar no meu trabalho de sinóticos sobre a tentação) é uma releitura da tentação de Adão e Eva...As passagens da vida de Jesus em sua grande maioria, são releituras de passagens do AT, principalmente no livro de Mateus, sempre Jesus faz algo para se cumprir as escrituras. Adão e Eva foram tentados pelo "diabo" (na época de Jesus ele ja "existia" e a serpente ja o representava no relato do Genesis) Eva foi tentada e caiu, mas Jesus, pra ser mais perfeito, pra ser Deus, "precisava" passar pela tentação humana sofrida pelo diabo e não cair. Uma comprovação a mais, uma autenticidade maior na pessoa de Jesus.
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