Chegamos ao último verso da perícope fazendo uma pergunta: O texto já não estava completo após a sentença do v. 11 disseminar o pensamento central jesuânico e o v. 12 responder que Jesus interpretou positivamente o ato da unção porque estava prestes a morrer? Por que existe um versículo 13? Este último versículo parece dispensável para a narrativa, mas já que ele existe, quando o lemos vemos que é marcante e o autor não o pôde descartar. Ele diz apenas isso: “Em verdade vos digo: onde for pregado este evangelho em todo o mundo será falado também o que esta fez para sua lembrança”.
A partir do posicionamento favorável de Jesus, sabemos que os evangelistas concordavam também com a ação da mulher, e quem melhor explica a sublime declaração de louvor de Jesus para com ela John Dominic Crossan, que em O Nascimento do Cristianismo comenta a versão marcana assim:
“Essa mulher não identificada crê nas profecias sobre morte e ressurreição de Jesus feitas por ele em Mc 8.31; 9.31 e 10.33-34. Ela crê nelas e sabe, portanto, que se não ungi-lo para o sepultamente agora, nunca poderá fazê-lo mais tarde. É por isso que recebe a espantosa declaração de louvor, sem paralelo em todo o evangelho” (p. 590).
No texto, a mulher não só quis fazer uma boa obra, ela o fizera porque acreditava que o corpo de Jesus merecia um tratamento fúnebre digno, mas crendo que ele ressuscitaria, ela não esperou sua morte para fazê-lo. Era a única chance de dar ao corpo mortal de Jesus tal tratamento, mas a atitude acima de tudo quer expressar que aquela mulher foi a única que creu em sua ressurreição antes das aparições, e creu também em sua morte, sofrendo por ele antes mesmo de sua prisão. Isso responde tudo.
A admirável hipótese proposta por Crossan, que já vínhamos apresentando ao longo da exegese, explica ainda outro detalhe, que é o fato de os sinóticos não darem nome a esta mulher. Ela diferencia-se das demais mulheres nomeadas que depois irão ao túmulo de Jesus para ungi-lo em Mc 16.1, e obviamente não o encontram lá. A intenção delas demonstra que não creram nas promessas de ressurreição como aquela mulher anônima crera. Em outras palavras, esta mulher não está entre aquelas que seguiam Jesus desde a Galiléia, pois aquelas não creram nos avisos de Jesus e sofriam pelo morto que já voltara a viver.
Outra conclusão a que podemos chegar a partir da interpretação de Crossan, é que a fé e a demonstração de gratidão dessa mulher, que era de Betânia, devem ser relacionadas à entrada de Jesus na casa do leproso Simão. Ela parece ser agora, alguém próxima ao leproso, e vendo como Simão foi tratado de modo surpreendentemente acolhedor pelo Galileu que com ele comeu, creu também em suas palavras e missão. Foi por não conter sua gratidão e fé que ela ungiu Jesus com seu valioso perfume antes de sua morte e ressurreição. O gesto inclusivo que destacamos no começo, expresso na menção à casa de um leproso como cenário para a narrativa, só faz sentido assim.
É verdade que alguns detalhes descobertos por Crossan em sua exegese a partir do evangelho de Marcos não estão tão claros em Mateus. Aqui não há, por exemplo, uma clara intenção das mulheres discípulas de ungir o corpo de Jesus após sua morte, e isso dificultaria a explicação para a omissão da identidade da mulher se lêssemos apenas Mateus (compare Mc 16.1 com Mt 28.1). Podemos supor que o próprio autor de Mateus, ao aproveitar o material marcano, não tenha notado esse detalhe enriquecedor de Marcos que distingue essa mulher anônima das demais seguidoras, porém, Mateus não tirou da perícope o principal, a fé diferenciada desta mulher, fato que a fez especial e levou Jesus a louvá-la de maneira surpreendente.
Com base na coerência dessa última interpretação, vemos a outra leitura proposta pelo evangelho de João, que destaca a ganância de Judas e diminui o ato de fé da mulher que lá ganha até um nome, como desnecessária para a interpretação dos sinóticos.