Nos primeiros anos da era cristã, o evangelho mais conhecido do mundo não era o que narra os eventos da vida de Jesus de Nazaré. O evangelho era também o termo empregado para se referir ao dia do nascimento de Otávio Augusto, imperador de Roma (30 a.C. – 14 d.C.). Há narrativas que contam que este Otávio foi concebido de maneira milagrosa, filho do deus Apolo com Ácia, sua mãe. Ele era, portanto, embora homem, um filho de deus. A data do seu nascimento também tornou-se notória com o advento da boa nova, e a província romana da Ásia Menor passou a celebrar o ano novo em 23 de setembro. Augusto era o Messias dos romanos, e apresentava-se como salvador adornado por grande riqueza enquanto sustentava sua hegemonia através de incomparável poderio militar.
O evangelho de Jesus de Nazaré, não tão original como gostaríamos que fosse, repete de maneira inegável alguns dos principais elementos que constituem as narrativas da vida de Augusto. Neste caso, não queremos discutir a questão da veracidade ou falsidade de uma ou outra narrativa, pois nenhuma delas nos dá condições de julgar sua historicidade, já que ambas, a que gostamos e a que repudiamos, foram igualmente escritas para servir de propaganda literária para pessoas que já eram veneradas. O irlandês estudioso do cristianismo primitivo John Dominic Crossan ressalta com razão, que a escolha de uma dessas narrativas e a afirmação de que a outra é falsa, é um problema ético.
Mas nestas linhas a comparação entre as duas propagandas que chamamos de messiânicas nos serve para destacar outro aspecto. De maneira muito apropriada, os cristãos primitivos fizeram questão de utilizar-se de fatores sócio-econômicos completamente contrários aos da narrativa de Augusto para narrar as ações do seu próprio Messias. Contrariando todas as expectativas humanas, alguns judeus adotaram como Messias um homem que nascera num recipiente utilizado para alimentar os animais, que trabalhara em atividade braçal num pequeno vilarejo da Galiléia, que jamais teve grandes posses e que para piorar, foi condenado por rebelar-se contra o império e crucificado ao lado de bandidos, com os quais os seus algozes certamente o confundiam.
Entretanto, com o tempo a estranheza do Messias de Nazaré foi sendo “corrigida”. A igreja transformou a imagem da manjedoura em esculturas coloridas; a cruz, instrumento de tortura e morte, foi banhada em ouro e tornou-se estandarte de poder; a comunhão de mesa onde os amigos dividiam pão e vinho tornou-se um verdadeiro culto aos mortos; e aquele que não tinha onde reclinar a cabeça passou a ser indiretamente o dono de suntuosas obras arquitetônicas. Enfim, embora sempre se pensou que o Messias dos camponeses venceu o Messias imperial, concluímos que na verdade muitos adoram o divino imperador chamando-o de Jesus.
Procuro não me importar com a opção religiosa que as pessoas fazem, pois considero pura soberba dizer que só eu tenho a “verdade”; mas me incomoda a maneira como essa sutil inversão messiânica produz consequências negativas no cristianismo que nos rodeia. Coerentes com a opção consciente ou inconsciente pelo Messias imperial, os cristãos de hoje acreditam que a paz pode ser feita por meio da espada, que a justiça divina se realizará pelo extermínio violento de todos aqueles que não adoram o seu imperador, crêem que a vinda do reino messiânico significa prosperidade, e que toda autoridade imperial é digna de irrestrita submissão.
Ora, só posso fazer agora o apelo óbvio que continuamente fazemos, para que voltemos a Jesus de Nazaré, o galileu que sempre continuará escandalizando aqueles que o compreendem. Nosso Messias foi um homem pobre, que chamava de bem-aventurados os miseráveis ou indigentes, e nos estimulou a aceitar a simplicidade em nome da igualdade humana.
Como escreveu J. D. Crossan, temos que escolher nosso Messias, seja ele alguém como o antigo imperador Otávio Augusto ou Jesus de Nazaré, cada um com sua própria proposta de salvação. Acrescento que não há nada de errado se você quer confiar no Messias imperial, mas que gostaria que se esse for o caso, que o chame de Augusto ou qualquer outro nome nobre, e não de Jesus. Quem escolhe Jesus, deve comprometer-se a lutar contra o domínio imperial e contra toda desigualdade humana, pois este é o caminho por ele indicado. Agora de maneira consciente, escolha o seu Messias e corra atrás da sua salvação.
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