segunda-feira, 24 de agosto de 2009

JOGANDO PELO EMPATE

Notei que é com grande intensidade que todos almejam a vitória. Somos treinados desde a infância a desejá-la mais que tudo; estamos acostumados a parabenizar e admirar os vencedores, e sonhamos com a nossa vez. A constatação seguinte é que a vida, em grande medida, não passa de uma constante batalha rumo à vitória. O curso universitário é para muitos apenas uma vereda que precisa ser trilhada para se alcançar essa posição, e não uma preparação para uma carreira profissional competente. Lêem-se cada vez mais livros de auto-ajuda não por serem boas literaturas, mas porque são manuais que prometem nos mostrar caminhos eficazes para nos tornarmos vencedores. E as loterias então, meios eficientes para arrecadar dinheiro de sonhadores. O mesmo pode ser dito até dos relacionamentos amorosos e das religiões, afinal, se não vencemos nessa vida, consolemo-nos com a esperança de que seremos vencedores pelo menos na próxima...

Todavia, há um problema a se considerar neste assunto: O verbo vencer pertence a um contexto próprio, o dos jogos, dos estádios, das competições, e não me parece que tenha sido criado para ser aplicado a todas as áreas da vida como hoje fazemos. Consideremos por exemplo um campeonato de futebol: Vinte equipes disputam um único prêmio. Mesmo que todas elas desfrutem da sensação momentânea de vitória ao derrotarem outra equipe nalguma partida, no final do campeonato há um só vencedor e dezenove perdedores. As chances são poucas, portanto. Isso é pior ainda se pensarmos que não basta vencer o campeonato de futebol se ele não for o da primeira divisão, o que quer dizer que não são apenas dezenove os perdedores, mas centenas de equipes que sonham em um dia conquistarem aquele que é o maior prêmio do futebol. Mas o campeão nacional é também um provável perdedor no cenário internacional, e assim, o funil vai se estreitando até que quase todo mundo perde.

Bem, o que quero dizer é que há uma expectativa de vitória em nós que para a grande maioria da população nunca será satisfeita plenamente. Lutamos para transformar os outros em perdedores, mas parece que sempre há alguém capaz de nos superar. A solução que encontramos para não vivermos decepcionados com nossos fracassos é inventar nossos próprios campeonatos. Se eu não posso vencer nos grandes campeonatos da vida, eu venço um pequeno torneio que inventei em que só eu e outro, que naquela atividade posso superar, competem. Quer exemplos? Se eu não posso ser um grande atleta como aqueles que são exaltados na tv, treino no videogame mesmo e chamo meu vizinho para que eu o detone. Se eu não posso ser líder de grandes equipes em uma multinacional, me satisfaço dando ordens para os dois funcionários da pequena empresa que montei ao me endividar com um empréstimo. Se eu não pude ser pastor de uma grande igreja, alugo o salão do bar que fechou na minha rua e me torno o guia espiritual da minha família e mais meia dúzia de pessoas; e mais, se essa nova grande denominação não der certo, reduzo minhas metas pessoais e luto para ser o grande detentor do direito de estar à frente do importante ministério de vender pipocas na cantina de alguma igreja. Tudo isso é loucura, nós forjamos vitórias insignificantes e lhes damos grande valor, mas no final continuamos perdendo as grandes batalhas. Mas esse é o meio que encontramos para sobreviver bem conosco.

Penso que essa competitividade que nos domina e é tão estimulada traz mais prejuízos que benefícios à sociedade. As pessoas brigam no jogo de futebol do campo mal-acabado do bairro como se aquele jogo fosse a coisa mais importante das suas vidas, se ofendem mutuamente por causa dos videogames, encerram amizades porque alguém roubou seu lugar atrás do importante carrinho de pipocas que contribuía mensalmente com vinte reais para o trabalho social da igreja. Na verdade, os conflitos foram criados pela importância exacerbada que damos a condição do vencedor.

Na antiguidade bíblica, entre a maior parte da população, que era camponesa e em geral produzia apenas o necessário para a própria subsistência, acreditava-se que os bens eram limitados. Isso quer dizer que para eles, agricultores que não tinham tratores ou defesas contra pragas, a natureza só podia produzir o suficiente para que todo ser humano vivesse. Em decorrência desse senso comum, os pobres viam as elites como inimigas, pois se os ricos tinham mais do que realmente precisavam, estavam tirando o que era necessário para outrem. Não se reconhecia méritos na riqueza; o rico não era alguém que venceu na vida e merece admiração, mas alguém que de maneira avarenta tirou o que devia estar nas mãos de outros. Daí lemos na Bíblia que não se deve acumular bens sobre a terra (Mt 6.19-21), pois isso é avareza; lemos que os ricos dificilmente entram no reino de Deus (Lc 18.25), pois promovem a miséria. Não acho que eles estavam completamente certos, nem completamente enganados, mas hoje as coisas são bem diferentes. Geralmente, mesmo entre os pobres, os empresários de sucesso tornam-se grandes celebridades, exemplos que devem ser seguidos. As palestras dos administradores que obtiveram grandes lucros são as mais procuradas (afinal ele deve saber o caminho da vitória), e já não nos perguntamos se eles enriqueceram às custas dos outros. Se os funcionários dos grandes supermercados permanecem estacionados na pobreza exercendo a função de duas pessoas pela metade do salário, não importa, nós nunca nos colocamos no lugar dessas pessoas exploradas, sempre nos imaginamos no topo, no lugar do presidente da empresa. A riqueza agora é uma vitória, e as vitórias são sempre bênçãos de Deus, mesmo quando há muita sonegação de impostos e exploração da pobreza e do alto desemprego do país.

Vejam que coisa interessante escreveu o apóstolo Paulo, que era um judeu helenista habitante dos ambientes citadinos onde se construíam os ginásios de esportes: “Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta de tudo se abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma incorruptível” (1Co 9.24-25). Por um lado ele reconhece que a competitividade humana, geralmente conflituosa, gira em torno de coisas sem valor. No entanto, Paulo pensava ser alguém que competia por algo que realmente tem valor, uma coroa incorruptível. Ao empregar esta metáfora, ele demonstra que como homem de certa forma elitizado, morador das cidades, que estava entre os poucos alfabetizados do seu tempo, que fora treinado para ser um mestre entre os judeus da diáspora, também estava infectado por essa doença que é a competitividade humana. Até Paulo almejava sempre a vitória, e exortava os ouvintes a só se contentarem com a vitória. A derrota é, ainda hoje, como ir para o inferno.

Vamos piorar as coisas. Jesus também, para falar de coisas transcendentes, usa frases que nos permitem ver como ele e seus seguidores, homens marginalizados que ansiavam por condições de vida mais digna na terra, lamentavam seu presente estado de derrotados sociais. Ele diz que no reino de Deus as coisas seriam diferentes, que os últimos seriam os primeiros (Mc 10-31). Esta inversão de papeis obviamente não resolveria o problema da desigualdade nem mesmo no reino de Deus, mas castigaria os opressores e tornaria aqueles derrotados em vencedores. No texto já citado de Mateus 6.19-21, o estímulo para que acumulemos tesouros no céu também implica a desigualdade entre os habitantes celestiais. Se até no céu alguns possuem tesouros e recebem galardões, as diferenças entre classes permanecerão. Na verdade não creio que no céu exista tais distinções, mas infelizmente até a religião, como fenômeno humano, expressa-se por meio da linguagem humana que sempre está mergulhada na competitividade, que alimentada pela ganância e pelo egoísmo, é o alicerce da desigualdade.

Eu diria que nós precisamos urgentemente aprender que vencer não é essencial. Temos que nos acostumar com a realidade, que nem sempre permite que sejamos os primeiros. Temos que abandonar a ânsia cega pelos primeiros lugares, que transformar nossa visão competitiva de mundo e compreender que todos, tanto os primeiros como os últimos, são filhos de Deus. Gostaria que no lugar da competitividade, vivêssemos pela mutualidade. Não é 1Coríntios 9.24 que devia nos guiar, mas textos como Lucas 3.11, onde João Batista diz: “Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo” (Lc 3.11). Nossa luta real é contra nós mesmos, e temos que nos empenhar para derrotar nossas fraquezas e nos aproximar do nosso criador, sabendo que no final, o primeiro lugar no pódio de Deus cabe todo mundo. Quanto às relações interpessoais, tentemos nos livrar dessa cultura competitiva que nos conduz a tantos conflitos internos e externos, vamos aprender a lutar pelo empate, o único resultado capaz de deixar todos felizes.

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