Concordo quando criticam o governo brasileiro
por investir tanto dinheiro na copa do mundo, que não passa de um show
de entretenimento, negligenciando outras necessidades bem mais urgentes
do povo. Também concordo quando os brasileiros exaltam
a memória de Nelson Mandela por sua luta contra o preconceito racial e
suas consequências. Todavia, me incomoda o radicalismo fundamentalista
com que se defende essas causas nas redes sociais. A foto de Mandela com
a taça da Fifa é só pra lembrar que esse grande homem também apoiou o
evento esportivo na África do Sul, e nenhum brasileiro se importou com
os gastos públicos nem criticou o já divinizado Mandela. A vida é assim;
nossos heróis são falhos, nossos ideais limitados, nossa visão é míope,
nossas ambições utópicas...
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
DICA DE LEITURA - A BÍBLIA PÓS-MODERNA
No ano 2000 a editora Loyola publicava uma obra que merece ser considerada
entre os estudos literários da Bíblia no Brasil. Trata-se de A Bíblia Pós-Moderna: Bíblia e Cultura Coletiva,
que havia sido publicada originalmente em 1995 nos Estados Unidos por uma dezena
de estudiosos da religião.
Para
introduzir o leitor ao conteúdo os autores começam colocando o básico truísmo que
justifica os estudos bíblicos na contemporaneidade: “a Bíblia tem exercido mais
influencia cultural no Ocidente que qualquer outro documento”, e como de costume,
gastam algum tempo apresentando as limitações e defasagens das abordagens bíblicas
tradicionais como a Exegese Histórico-Crítica,
que chamam de “crítica histórica” (2000, p. 11-12). Então os autores colocam sua
proposta:
[...] defendemos uma crítica
bíblica transformada, que reconhece que
nosso contexto cultura é marcado por estáticas, epistemologias e princípios políticos
muito diferentes dos que predominavam na Europa dos século XVIII e XIX, onde a erudição
bíblica tradicional está tão completamente enraizada. Também defendemos uma crítica
bíblica transformadora, que se incumba
de entender o impacto ininterrupto da Bíblia na cultura e, portanto, tire vantagem
dos generosos recursos do pensamento contemporâneo sobre linguagem, epistemologia,
método, retórica, poder, leitura, bem como das questões políticas prementes e muitas
vezes controversas da “diferença” – gênero, raça, classe, sexualidade e, naturalmente
religião – que passam a ocupar o centro do palco tanto em discursos públicos como
acadêmicos. (2000, p. 12)
Em
suma, os objetivos do livro excedem os limites de uma abordagem literária da Bíblia.
Os autores querem expor uma diversidade bem maior de possíveis abordagens pós-modernas
da Bíblia, passando pelos estudos da recepção e pela crítica narrativa, mas chegando
a tratar de abordagens psicanalíticas, feministas e ideológicas. Essa abertura é
considerada uma virtude pelos autores, que criticam, por exemplo, o famoso Guia Literário da Bíblia de Alter e Kermode,
que segundo eles se limita a trabalhar “certa forma de crítica literária canônica”
e exclui deliberadamente outras abordagens tão atuais e relevantes quanto aquela
(2000, p. 17).
Em
2008 João C. Leonel Ferreira escreveu um artigo onde apresentava algumas das publicações
nacionais sobre a abordagem literária da Bíblia, e falando de A Bíblia Pós-Moderna, lamentou dizendo: “Infelizmente
o texto é matizado por demasiadas questões contextuais norte-americanas” (Ferreira,
2008, p. 5). Lendo a obra, não demoramos muito a entender essa crítica. Para os
leitores acostumados às abordagens texto-centradas como a dos demais autores que
leem a Bíblia como literatura, essa obra causa estranheza por estar marcada por
uma ideologia pós-moderna norte-americana que vê as estratégias de leitura que propõe
como atividades políticas, como meios de “questionar as estruturas de poder e sentido
predominantes” (2000, p. 13). A posição dos autores é bem colocada nas linhas abaixo:
[...] ler a Bíblia de
maneira erudita tradicional significa com demasiada frequência lê-la, com ou sem
intenção, de maneiras que reificam e ratificam o status quo – ao permitir a subjugação das mulheres (na Igreja, nos maios
acadêmicos ou na sociedade em geral), justificar o colonialismo e a escravidão,
racionalizar a homofobia ou legitimar de outro modo o poder de classes hegemônicas.
(2000, p. 14)
O
que vemos é que os autores identificaram as leituras bíblicas tradicionais como
arcaicos mantenedores de certos valores que eles (e a sociedade pós-moderna) consideram
superados. O projeto, portanto, quer propor novas leituras que não tragam em seu
encalço os resquícios dos tempos em que o machismo, a escravidão, a homofobia e
o totalitarismo religiosos eram biblicamente legitimados. Noutras palavras, seus
objetivos excedem os limites da crítica literária, do prazer estético, e os leitores
brasileiros por vezes se veem diante de um embate de acadêmicos religiosos norte-americanos
que estão numa luta legítima contra um fundamentalismo religioso que não alcançou
tanto poder nessa parte da América.
Tentando
agir de forma coerente com seu projeto ideológico os autores produziram uma obra
coletiva. De fato, não há hierarquias nessa produção conjunta; os autores dos capítulos
não são nomeados e se comunicam sob a identidade coletiva identificada apenas por
um “nós”. Tudo isso é explicado na introdução da obra como uma tentativa de transformar
as práticas autorais e editoriais correntes, também maculadas pelos antigos valores,
pelo desejo de controlar a produção literária e seu sentido (2000, p. 25-28). Os
nomes dos autores as respectivas vinculações acadêmicas só aparecem nas “orelhas”
do livro, onde contatamos que todos estão envolvidos com os estudos bíblicos ou
religiosos nos Estados Unidos ou Canadá, o que, ao lado da publicação brasileira
pela Loyola, justifica a inclusão desse livro entre as obras que contam com uma
mediação religiosa desde a produção até a leitura.[1]
Em todo caso, vale a pena a leitura. Trata-se de uma obra atual, escrita em linguagem acessível e que, apesar dos apelos norte-americanos, pode colaborar com o amadurecimento do leitor brasileiro.
[1] Os autores serão aqui citados em
ordem alfabética a partir de seus sobrenomes, e de cada um, mencionaremos o departamento
em que trabalhava na época da produção do livro: AICHELE, George, do Departamento
de Filosofia do Adrian College. BURNETT, Fred W., do Departamento de Estudos Religiosos
da Anderson University. CASTELLI, Elizabeth A., do Departamento de Religião do Barnard
College. FOWLER, Robert M., do Departamento de Religião do Baldwin-Wallace College.
JOBLING, David., do St. Andrew’s College e Ex-presidente da Sociedade Canadense
de Estudos Bíblicos. MOORE, Stephen D., do Departamento de Religião da Wichita State
University. PHILLIPS, Gary A., do Departamento de Estudos Religiosos do College
of the Holy Cross. PIPPIN, Tina, do Departamento de Bíblia e Religião e no Programa
de Estudos da Mulher no Agnes Scott College. SCHWARTZ, Regina M., do Departamento
de Inglês da Northwestern University. WUELLNER, Wilhelm, da Pacific
School of Religion e da Graduate Theological Union.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
SOBRE O USO NÃO AUTORIZADO DO MEU TEXTO
Amigos, volto a escrever para dizer que estou bastante insatisfeito com alguns acontecimentos.
Descobri recentemente que um de meus textos favoritos, escrito para esse blog, está sendo comercializado na internet por outro suposto autor. O texto é "Como Usar a Bíblia para o Mal":
http://compartilhandonoblog.blogspot.com.br/2010/02/como-usar-biblia-para-o-mal-10.html?showComment=1383573174274#c7002984278253172059
Parece foi composto um livro digital e esse meu texto é parte dele. Meu trabalho está sendo usado integralmente, e sem que eu tenha sido avisado ou autorizado seu uso. Vale observar que nos comentários ao texto original aqui no blog há um leitor chamado "jairoluix", o mesmo que deixa comentários em diversos blogs da internet que fornecem argumentos anti-cristãos. Não sei se esse leitor é o responsável pelo suposto crime, mas o autor que vende livros na internet se chama Jairo Luis.
Estou examinando o caso para tomar as providências cabíveis.
Anderson de Oliveira Lima
Descobri recentemente que um de meus textos favoritos, escrito para esse blog, está sendo comercializado na internet por outro suposto autor. O texto é "Como Usar a Bíblia para o Mal":
http://compartilhandonoblog.blogspot.com.br/2010/02/como-usar-biblia-para-o-mal-10.html?showComment=1383573174274#c7002984278253172059
Parece foi composto um livro digital e esse meu texto é parte dele. Meu trabalho está sendo usado integralmente, e sem que eu tenha sido avisado ou autorizado seu uso. Vale observar que nos comentários ao texto original aqui no blog há um leitor chamado "jairoluix", o mesmo que deixa comentários em diversos blogs da internet que fornecem argumentos anti-cristãos. Não sei se esse leitor é o responsável pelo suposto crime, mas o autor que vende livros na internet se chama Jairo Luis.
Estou examinando o caso para tomar as providências cabíveis.
Anderson de Oliveira Lima
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
NOVO ARTIGO PUBLICADO: DEBATES SOBRE A ORIGEM DO EVANGELHO DE MATEUS
Amigos, venho informar que mais um artigo meu foi publicado e está disponível. Dessa vez o espaço nos foi cedido pela revista Ciências da Religião: História e Sociedade, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
O artigo fala sobre o Evangelho de Mateus e suas origens, seu local de nascimento, discutindo as hipóteses mais comuns a esse respeito para chegar à minha própria posição. A discussão é parte das minhas atividades acadêmicas há anos, pelo que acredito oferecer nesse aspecto um posicionamento atual e de valor para os estudiosos dessa área.
Acessem a revista e baixem o arquivo em pdf: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cr/article/view/5729
quinta-feira, 18 de julho de 2013
terça-feira, 14 de maio de 2013
O ISLAMISMO E A HERANÇA JUDAICO-CRISTÃ
1 – Os Mitos Fundantes que
Aproximam Judeus e Muçulmanos
Não
há dúvidas de que as raízes do Islamismo estão vinculadas à herança do judaísmo
e do cristianismo, religiões que o precederam e na época de sua origem (começo
do século VII EC.) já haviam sedimentado suas tradições escritas e os
principais dos seus dogmas. Isso não é novidade; o próprio islamismo procurou
vincular, até com exageros, a figura de Maomé à memória do patriarca hebreu
Abraão.
Sobre
Abraão nós podemos ler no livro bíblico de Gênesis a partir do capítulo 12. Nas
narrativas, ele foi chamado por Deus para dar origem a uma nova nação, um povo
eleito por Deus, através do qual todas as nações da terra seriam abençoadas. Na
Bíblia, é obvio que a história de Abraão e sua descendência é contada como mito
fundante do povo hebreu, mas segundo as lendas sobre as origens do islamismo, Maomé
seria um descendente de Abraão. Diz-se até que o próprio Abraão teria construído
em 2000 AEC. a Caaba, uma estrutura de granito localizada no centro da grande
mesquita da cidade de Meca, na qual está incrustada uma pedra negra que
supostamente veio do céu.
Em
Gênesis, uma crise marcante é instalada no texto quando, apesar da promessa
divina de que Abraão (ou Abrão) seria o pai de muitas nações, lemos que sua
esposa era estéril. Além disso, Abraão e Sara (ou Sarai) já tinham idade
avançada, e o próprio Abraão começa a duvidar das promessas (Gn 15.1-7). O
capítulo 16 é marcante, pois conta que Abraão e sua mulher tentam solucionar a
crise entre a promessa divina e a limitação física gerando um filho de Abraão
com uma escrava (v. 1-3, 15-16), e dessa decisão nasce Ismael. Segundo o texto bíblico
o privilégio da escrava Hagar gera ciúme em Sara, um conflito que prenuncia pela
primeira vez a rivalidade entre judeus (filhos legítimos) e árabes (filhos bastardos)
(Gn 16.4-12).
Depois
de uma longa lacuna a história bíblica continua no capítulo 21, quando já idosa
Sara finalmente (e milagrosamente) gera o verdadeiro descendente de Abraão,
Isaque (v. 1-7). Passado alguns anos, o conflito crescente entre Ismael e
Isaque força a separação entre os dois irmãos. Abraão escolhe proteger Isaque,
ouve as reclamações de sua esposa e expulsa sua escrava com o menino, que
todavia, seriam acolhidos por Deus (v. 8-21). Nesse ponto Ismael simplesmente
desaparece das narrativas, mas sua passagem deixa com o leitor a promessa de
que ele também daria origem a uma grande nação. Essa narrativa talvez reflita a
certeza por parte dos autores e redatores bíblicos de que um numeroso povo
árabe que habitava as regiões desérticas do oriente próximo tivera uma origem comum
à deles, mas a lacuna deixada pela narrativa quanto à vida de Ismael, seu destino
e a concretização da promessa divina seriam aproveitadas pelo islamismo. Para
os muçulmanos, parte dessa história é real. Ismael não seria o bastardo, mas o verdadeiro
herdeiro da promessa divina, pelo qual a sucessão patriarcal viria e a fé de Abraão
seria preservada. Esse traço interdiscursivo é testemunha das proximidades que desde
o princípio essas religiões mantiveram, e um modo de o islamismo se posicionar harmoniosamente
dentro de uma já consolidada tradição religiosa judaico-cristã que dominava o mundo
em que ele nascia.
Como
sabemos, para os muçulmanos Maomé é uma figura digna de extrema admiração e
respeito por ter sido o último dos profetas de Deus. Mas nem por isso ele é
considerado alvo de adoração. Ele está acima dos patriarcas, acima dos profetas
anteriores, e assume um posto similar ao de Moisés para os judeus. Só o cristianismo
dentre as três religiões acabou divinizando seu suposto fundador. Vejamos
alguns dos versículos do Corão que falam sobre sua relação com o judaísmo e o
cristianismo:
Surata
2.134-137: Aquela
é uma nação que já passou; colherá o que mereceu e vós colhereis o que
merecerdes, e não sereis responsabilizados pelo que fizeram. (Eles) disseram:
Sede judeus ou cristãos, que estareis bem iluminados.
Responde-lhes (vós):
Qual! Seguimos o credo de Abraão, o monoteísta, que jamais se contou entre os
idólatras.
Dizei: Cremos em
Deus, no que nos tem sido revelado, no que foi revelado a Abraão, a Ismael, a
Isaac, a Jacó e às tribos; no que foi concedido a Moisés e a Jesus e no que foi
dado aos profetas por seu Senhor; não fazemos distinção alguma entre eles, e
nos submetemos a Ele.
2 – As Origens do Corão
Não
é por acaso que o islamismo seguiu a tradição dos judeus e cristãos compilando
também as “revelações” dadas ao seu profeta sob a forma de um livro, que ganharia
rapidamente valor normativo. Seguiu-se também o modelo judaico-cristão no que diz
respeito à produção de uma tradição religiosa escrita. O Corão supostamente reúne
as revelações de Deus feitas ao profeta Maomé através do anjo Gabriel, e traz instruções
para a crença e a conduta do seguidor da religião, embora não fale apenas de
fé, mas também de muitos aspectos sociais e políticos do seu tempo. Assim como ocorre
com a Bíblia, os leitores geralmente aceitam o livro canônico e não questionam seu
processo redacional, mas o Corão também nasceu de supostas revelações divinas que
Maomé, analfabeto como Jesus e seus discípulos, transmitia oralmente. Conta-se que
Maomé e seus primeiros seguidores foram perseguidos por grupos rivais e tiveram
que deixar a cidade de Meca, partindo para Medina em 622. Esse evento é chamado
de Hégira, e marca o começo histórico
do Islamismo. Foi a partir daí que essas memórias religiosas começaram a ganhar
a forma escrita em língua árabe, e em fragmentos cujos suportes eram o couro, ossos,
madeira etc.
Outra
tradição relevante sobre esse processo é que o sucessor imediato de Maomé, o califa
Abu Bakr, teria encomendado uma primeira compilação do material fragmentário, livro
que teria sido destruído décadas depois, quando outro califa empreendeu um processo
reacional que revisou e ampliou a coleção original. Para assegurar a sacralidade
do Corão, muitos afirmam que a preservação da memória de Maomé e sua reprodução
escrita foi perfeita, milagrosa, mas é certo que os estudiosos empreendem a comparação
de manuscritos e de variantes textuais, assim como fazem com a Bíblia.
O
Corão está dividido em capítulos e versículos; são 114 "suratas"
(capítulos) com vários versículos cada, mas é particular nessa literatura que
ele foi escrito em árabe, pelo que com o tempo tornou-se de difícil compreensão
mesmo para os adeptos. Há quem afirme que o Corão (que literalmente traduzem
por “recitação”) foi produzido para a leitura ritual, isto é, para a recitação
religiosa, e não para a leitura e meditação, pelo que muitos afirmam não ser correto
tomá-lo como mero objeto de reflexão. Os rituais religiosos muçulmanos devem, portanto,
sempre reservar um importante espaço para a recitação, para a leitura em voz alta
do texto sagrado que é quando realmente Deus se manifesta.
Segundo
a tradição, foi em Medina que Maomé e seu livro sagrado ganharam fama, o que parece
improvável já que como vimos, esse livro provavelmente não estivera pronto durante
a vida de Maomé. Mas parece certo que o próprio profeta retornou a Meca (e até hoje
os muçulmanos peregrinam até Meca numa grande festa religiosa e repetem simbolicamente
a viagem do projeta), e ali sua religião se consolidou, dando a oportunidade de
que em poucas décadas os adeptos tivessem acesso a uma tradição fixada por escrito.
Dizem que quando Maomé morreu a maior parte da Arábia já era muçulmana. Um
século depois, o islamismo era praticado da Espanha até a China, e hoje é a
religião que mais cresce no mundo, contando com algo em torno de 1,3 bilhão de
adeptos.
3 – Islamismo Contemporâneo
Os
muçulmanos dos nossos dias estão divididos entre grupos distintos e às vezes rivais.
Dentre eles se destacam os sunitas, o grupo majoritário, e os xiitas, os quais também
contam com variações. De forma geral os primeiros se caracterizam pela aceitação
da autoridade de uma tradição secular de califas, que deram sequencia ao
trabalho do profeta Maomé conduzindo a fé islâmica. Os xiitas, que reúnem apenas
cerca de 10% dos muçulmanos, criaram uma divisão no islamismo por adotar Ali, um
primo de Maomé, como o herdeiro legítimo do poder islâmico após a morte do
profeta. Ou seja, esses últimos rejeitam a sucessão adotada pelos sunitas, pelo
que até hoje existem sérias divergências entre esses dois grandes grupos. Dos
grupos muçulmanos mais extremistas, boa parte está ligada ao islamismo de tradição
xiita, que são mais numerosos em países como o Líbano, Irã e Iraque.
Em 1979 houve uma chamada “revolução
iraniana” liderada pelo clero xiita, que derrubou uma monarquia pró-Ocidente. A
partir daí o islã virou sinônimo de fanatismo e terrorismo aos nossos olhos. Embora
atos de radicalismo e violência religiosa existam, temos que lembrar que são
minoria. Na Arábia Saudita, onde mais de 90% da população é sunita, quem rouba ainda
tem a mão cortada, e quem mata injustamente é executado em praça pública. Estes
são alguns resquícios de um radicalismo muçulmano minoritário cada vez menos
praticado, tanto é, que hoje a maioria dos países muçulmanos está reconhecendo
os direitos das mulheres, permitindo a elas que trabalhem ou que usem roupas
modernas junto com os tradicionais véus, coisas inadmissíveis antigamente.
A
base da fé islâmica é o cumprimento dos desejos do “único” Deus, assim como a
fidelidade à mensagem do Corão. Este livro sagrado é para eles a continuação de
uma grande linhagem de profecias, trazidas por figuras que fazem parte dos
livros sagrados dos judeus e cristãos. Mas além dessas leis gerais, há outras
cinco regras mais específicas a serem cumpridas:
1. Todos
devem pronunciar a “chahada”, uma declaração de fé que diz: “Não há outra
divindade além de Deus e Mohammad é seu Mensageiro”.
2. Devem
realizar cinco orações por dia, no ritual chamado "salat". Essas
orações não precisam ser feitas nas mesquistas, mas nelas, algum membro experiente
da comunidade recita versos do Corão em árabe, e depois todos fazem suas
súplicas pessoais em seu próprio idioma. As orações são feitas no amanhecer, ao
meio-dia, no meio da tarde, no cair da noite e à noite.
3. O
muçulmano deve ajudar quem precisa, e este é o chamado "zakat". A
caridade é uma obrigação, mas deve ser voluntária e, de preferência, em
segredo.
4. Eles
também jejuam durante o mês sagrado do Ramadã. Nesse período, todos os
muçulmanos (capazes) devem jejuar durante o dia, além de absterem-se de bebida
e sexo. Os “incapazes” podem fazer caridade em lugar dos jejuns, ou simplesmente
o guardar noutro período.
5. Realizar
a peregrinação a Meca, o "haj". Todos os muçulmanos (capazes) devem realizar
a peregrinação pelo menos uma vez na vida. Todos os anos, cerca de 2 milhões de
pessoas de todas as partes do mundo se reúnem em Meca com vestimentas modestas para
eliminar as diferenças de classe e cultura durante suas festividades.
sexta-feira, 19 de abril de 2013
REFUTAÇÕES AO KARDECISMO
Permitam-me
iniciar este ensaio falando de seu autor: sou cientista da religião,
especialista em literatura bíblica, e atuo também como crítico literário que
estuda algo de linguística, semiótica, e lido quase sempre com textos
clássicos. Flerto ainda com a historiografia, especialmente com a teoria da
história, e na prática trado do mundo romano, do judaísmo formativo e do cristianismo
primitivo. Por fim, sou bacharel em música, embora minha prática ao violão
tenha se tornado apenas um hobbie eventual
atualmente. Não manuseio essas áreas do conhecimento de maneira
individualizada, mas por serem partes do que sou como indivíduo e pesquisador,
cada trabalho que produzo acaba refletindo simultaneamente vários desses
conhecimentos. E por qual razão era importante fazer essa apresentação?
O objetivo não é legitimar o
conteúdo do ensaio através do elogio ao seu autor (embora seja difícil negar
que isso sempre está presente), mas explicar minha antiga produção, quase
sempre voltada para o cristianismo, e justificar alguns dos argumentos que
empregarei. Por conta dessa experiência acadêmica explicitada, e de outras
experiências pessoais que aqui deixo implícitas, quase sempre disserto sobre
temas ligados à Bíblia, tecendo duras críticas às práticas religiosas da
atualidade ao expor as inadequações de seus discursos. É assim: falamos mal principalmente
daquilo que somos, dos movimentos sociais e religiosos de que somos ou fomos
parte. Mas se porventura fiz a alegria de outros ao criticar o cristianismo e
em especial os movimentos evangélicos, agora proponho um breve desvio nessa
carreira para falar do kardecismo, com o qual tive apenas algum contato
indireto.
Deixo exposta minha parcial ignorância
quanto ao tema, mas ainda assim faço questão de me expressar com liberdade,
expondo pontos de vista pessoais que, obviamente, podem ser contestados por
quem se julgar mais apto. Farei três breves refutações ao kardecismo, explicando
os principais motivos pelos quais tal escolha religiosa não me agrada. Essas
refutações (Deus me livre!) não seguirão os moldes das argumentações cristãs,
apologéticas, com citações bíblicas e afirmação de dogmas tradicionais que
classificam o diferente como herege; escolho outro caminho cuja validade e
eficácia caberá ao leitor julgar.
1 – Uma religião pseudocientífica
A primeira refutação que faço diz
respeito às pretensões do kardecismo à racionalidade, à cientificidade. Hoje,
como cientista da religião, considero toda tentativa de se empregar ciência na argumentação
religiosa inapropriada. Em geral, os dados científicos, as teses, nada
acrescentam à fé, que sempre está baseada em fatores cuja comprovação
científica é impossível. Por isso começo minhas refutações ao kardecismo desse
ponto.
Considere: os pontos mais
importantes de uma religião são sempre os não empíricos. Ninguém vai provar a
existência ou inexistência de Deus, de espíritos, de reencarnações, nem vai ter
como afirmar se Jesus ressuscitou ou não. Não é possível demonstrar que um
livro sagrado foi realmente composto sob inspiração divina, se um oráculo recebido
é real ou imaginário, e assim por diante. A lógica e a racionalidade humanas
são incompatíveis com essas experiências religiosas, pelo que quase sempre,
quando alguém emprega argumentos desse tipo na religião, está tentando
legitimar alguma coisa, impressionar os destinatários do sermão, tornar mais eficaz
o apelo do discurso. Além disso, nesse tipo de argumentação pseudocientífica
sempre há limitações; o religioso faz escolhas dentre as muitas afirmações
feitas num determinado campo do conhecimento acadêmico, e alcança a admiração dos
leigos que não notam que há muitas outras afirmações científicas contrárias à
sua religião que não entraram no sermão. Assim, os usos que as religiões fazem
das ciências são quase sempre interesseiras, limitadas; melhor seria se as
religiões se mantivessem apoiadas nas suas experiências fé naturalmente
incontestáveis, convidando as pessoas a experimentá-las apenas.
O
kardecismo se apresenta exatamente como uma religião moderna, racional, crítica,
que supera algumas limitações da linguagem religiosa antiga, considerada
simplória, cheia de mitos e superstições. Que as religiões antigas são cheias
de mitos e superstições é verdade, mas que o kardecismo é racional e moderno,
isso já não é mais verdade. O kardecismo é uma religião nova, nasceu na França na
primeira metade do século XIX, justamente no centro mundial do iluminismo e de
expoentes filosóficos como Diderot (1713-1784) e Voltaire (1694-1778), e como
era de se esperar, produziu um discurso adequado à mentalidade daquele mesmo
ambiente que com poucas exceções, ainda exaltava as virtudes do conhecimento
como se ele fosse a saída para a construção de um mundo ideal. Essa linguagem
iluminista era inevitável, e até necessária para uma nova religião que
precisava se firmar num mundo cujas convicções filosóficas construíam sujeitos avessos
às religiões de modo geral.
Para
os nossos dias, essa linguagem pseudocientífica, pseudorracional, comum aos
textos do kardecismo originário, pode até agradar a uma classe média que lê Superinteressante, assiste ao Fantástico, e se considera “antenada”
quanto aos avanços das ciências, mas é difícil que verdadeiros cientistas ainda
se iludam com essas pretensões antiquadas. Julgo que o kardecista de hoje
precisa renunciar a essa linguagem e se prender a seus contatos mediúnicos se
quiser ser levado a sério. A estratégia de sobrevivência do kardecismo
originário se tornou um problema para o kardecismo do século XXI, mas se ainda
impressiona a alguns, é porque nas sociedades humanas ainda existem resquícios
daquele iluminismo superado há mais de dois séculos, que sobrevive na ambição
cientificista daqueles que não são cientistas.
2 – O sincretismo religioso no
kardecismo
Além de ter nascido num período
imediatamente pós-iluminista, de ter produzido um discurso que parecesse
atraente aos racionais daquele tempo,
temos que levar em conta que o kardecismo nasceu numa França cristã. Se o
ateísmo era uma boa opção (do tipo religiosa) para alguns, outros seguiam mantendo
suas tradições católicas romanas ou protestantes calvinistas (esses últimos chamados
de huguenotes na França). Como toda
religião que nasce, o kardecismo naturalmente também se ocupou de se fazer
atraente aos religiosos, produzindo um tipo de sincretismo particular entre cristianismo
e espiritismo.
Para falar mais desse tipo de
sincretismo observável no nascedouro das religiões, lembremos que o
cristianismo nasceu como uma forma de judaísmo, e em vez de criar uma ruptura
brusca e radical, fê-lo de maneira gradual e sincrética. Isto é, o cristianismo
tentou ser o novo judaísmo, adotou suas tradições e memórias, seus livros
sagrados por mais que destoassem dos ensinos de Jesus, e só se tornou uma nova
religião quando o próprio judaísmo o rejeitou. O mesmo fez o islamismo: o
profeta Maomé escrevia em Árabe e no século VI, mas fez questão de se incluir
numa tradição literária e religiosa judaico-cristã, dando em sua própria
religião um lugar para os patriarcas hebreus, para Moisés, para os profetas do
Antigo Testamento, para Jesus, e para os textos sagrados deles todos eles.
Certamente é possível dizer algo parecido sobre o protestantismo em relação ao
catolicismo, sobre os movimentos evangélicos em relação aos protestantes
históricos etc.
Deveras, se uma nova religião nascesse
numa França cristã como aquela do século XIX e simplesmente afirmasse que tudo
o que o cristianismo já dissera era mentira, sofreria ataques e poucas chances
teria de subsistir. Novamente, notamos que o kardecismo tomou o caminho certo,
porém, esse mesmo caminho é sua fraqueza para o observador de hoje. Tenho em
mente a obra de Allan Kardec chamada “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, publicada
em Paris em 1864. Essa obra dá conta desse sincretismo, trata dos evangelhos
canônicos do Novo Testamento sob a ótica da doutrina espírita, mas comete
inúmeros equívocos que justificam minha refutação.
Falando agora como especialista no
Novo Testamento, é fácil notar que o autor, mesmo que afirme escrever sob orientação
dos espíritos, não conhece o Novo Testamento grego. Ele deve ter lido a Bíblia
que tinha em mãos, em língua francesa, e adota várias teorias sobre autoria dos
livros bíblicos que a crítica moderna desacreditou. Se o conteúdo da obra de
Kardec é realmente um produto espiritual, diríamos que pouco conhecimento
bíblico possuíam os tais espíritos. Se nalgum ponto algum personagem célebre
das narrativas bíblicas se expressa por meios mediúnicos (um apóstolo falando
do evangelho que traz seu nome, por exemplo), temos que reconhecer a falsidade
da autoria, posto que há muito se sabe que o tal apóstolo não escreveu aquele
texto canônico, nem tampouco dera ao seu primeiro texto o sentido que agora é
sugerido na obra espírita.
É
por notar limitações dessa espécie que eu digo que o sincretismo é uma fraqueza do
kardecismo. Se Kardec tivesse nos escrito sobre suas experiências com espíritos
desencarnados, sobre sua crença na reencarnação, nada teríamos a fazer, a não
ser aceitar ou rejeitar suas ideias e imperativos. No entanto, como ele falou
sobre o cristianismo, colocou-se nas mãos dos estudiosos do cristianismo e da
literatura bíblica, que hoje encontram as imprecisões de seus argumentos
vendo-o como um leitor da Bíblia em harmonia com os conceitos e tradições
cristãs conhecidos por qualquer leigo de meados do século XIX. Esses estudiosos
têm, a partir daí, motivos para levantar dúvidas sobre a credibilidade até
mesmo das afirmações de caráter religioso e não verificáveis que o mesmo autor
deixou. Pior ainda seria se os tais estudiosos, teólogos no caso, aceitando a
possibilidade de que tais equívocos sejam mesmo frutos de uma experiência mediúnica,
questionar a competência dos espíritos que aconselharam Kardec, o que colocaria
em dúvida tudo o que o autor produziu.
Isso
nos leva à minha terceira refutação, que não é tão complexa quanto as duas
primeiras
3 – A inaptidão artística dos
espíritos
Entra em pauta minha sensibilidade
artística, decorrente da minha formação como música. Me desprendo agora do
cientista da religião e também de Allan Kardec, para expressar em termos bem
pessoais, minha opinião sobre as produções artísticas espíritas, aquelas cuja
autoria é atribuída a espíritos que atuaram por meio de médiuns (ativos).
Reconheço que é difícil discutir a
fonte de algumas manifestações espirituais tais como a psicografia. Não podemos
simplesmente dizer que sempre são fraudes. Porém, ainda que se não se possa
desmentir a própria mediunidade, a intervenção espiritual na criação de textos,
quadros, músicas etc, ainda é possível avaliar o resultado, do mesmo modo como
avaliei o uso que o “O Evangelho Segundo o Espiritismo” fez do Novo Testamento
e das tradições cristãs. Nesses casos, a suposta espiritualidade ganha
materialidade, e nessa forma pode ser examinada.
Sempre
fiz questão de dar atenção a tais manifestações, porém, senti falta da surpresa,
da admiração que as grandes obras de arte costumam nos proporcionar. As cartas
mediúnicas e os romances espíritas geralmente atuam emocionalmente sobre seus
receptores, todavia, ainda não tenho conhecimento de um crítico literário
renomado que tenha reconhecido o valor literário de uma dessas obras a ponto de
dar-lhe lugar entre os “clássicos” canônicos. Isso me decepciona, pois, se há
realmente um espírito por trás do livro, tudo me leva a crer que infelizmente
ele não é artisticamente superior a Shakespeare, a Dostoievski, a Pessoa, e até
a Paulo Coelho. Até onde eu sei nenhum especialista em artes plásticas
reconheceu os traços típicos de um grande artista desencarnado numa pintura
mediúnica, e pior, pela falta de atenção dada pelos críticos a tais obras,
imagino que nenhum médium legou à humanidade pinturas tão primorosas quanto a
de um Caravaggio, de um van Gogh, Blake, Monet...
Outra
vez, só duas conclusões me parecem possíveis, embora eu gostaria de conhecer
outras: Primeiro, pode-se supor que tais experiências são falsas, que não há
verdadeiros espíritos por trás dessas ações. Que psicólogos e psiquiatras
assumam a partir daqui a tarefa de explicar como podem os homens produzir espontaneamente
essas obras para as quais afirmam ser inaptos através de seus estados alterados
de consciência. Segundo, pode-se tentar manter a ideia de que há espíritos por
trás dessas criações, mas nesse caso, volto a dizer que tais espíritos não
exibem habilidades e inteligências tão admiráveis quanto pretendem os próprios
espíritas, pelo contam com as mesmas limitações humanas. Se essa segunda
conclusão é a correta, será que se deve dar tanto crédito ao que tais espíritos
dizem? Ao que parece, os mais sábios ou evoluídos deles não costumam dar-se a
tais exibições.
Por
essas razões ainda prefiro ouvir os conselhos humanos que os dos espíritos, prefiro
ler os clássicos que os romances espíritas, visitar as exposições dos grandes
artistas do que ter quadros produzidos mediunicamente, e confiaria minha saúde
a um cirurgião diplomado nalguma universidade humana em vez de me submeter a
uma cirurgia espírita. Essas sãos as minhas escolhas atuais; entende-as como
resultados das minhas reflexões, e não como convites aos meus leitores. Sobre
as cirurgias realizadas através de experiências mediúnicas prefiro não me
estender. Deixo aos médicos a tarefa de as criticar, embora acredite que nalguns
aspectos essas intervenções espirituais na matéria se assemelhem àquelas artísticas
que acima critiquei.
Considerações Finais
Espero que tenha ficado claro que
não estou me colocando contra a religiosidade espírita, mas refutando alguns
dos argumentos que o kardecismo emprega para se legitimar nas sociedades
humanas até hoje. Como tentei dizer desde o começo, faço isso constantemente
quando falo do cristianismo, e nem por isso qualquer dos meus argumentos levam
as pessoas a abandonar suas igrejas e sua fé em Jesus. Do mesmo modo, os
kardecistas que porventura se depararam com esse texto devem saber que não
procuro os conduzir à conversão. Seria
bom que, se alguma das minhas refutações parece razoável ao leitor kardecista, ele
a desenvolvesse no seio da sua religião, para eliminar tais limitações que nos
dias atuais são contraproducentes à experiência religiosa e aos ensinamentos
morais espíritas que, sem dúvida, têm o seu valor.
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