O tema que pretendo abordar é delicado, pois estou ciente de que algumas das opiniões que vou expressar são contrárias ao “censo comum”. Ao falar dele é inevitável que eu também trate de minha vida pessoal, e isso me faz lembrar de momentos não muito agradáveis. Vou falar sobre o trabalho.
Minhas idéias a respeito nasceram de reflexões pessoais, da observação da vida em sociedade. Hoje mesmo, antes mesmo do meu desjejum já olhava para a rua de meu apartamento pouco antes das 7 da manhã e pensava na suposta necessidade de trabalho. Vi o grande fluxo de pessoas que saía de casa no frio, se dirigindo ao metrô para espremidos chegarem aos seus locais de trabalho. A “Radial Leste”, via que permanece movimentada por todas as 24 horas do dias, é a principal “paisagem” que vislumbro. Foram essas imagens que suscitaram em mim, uma vez mais, estas antigas idéias.
Sei que há um ditado popular que diz que “o trabalho enobrece o homem”, mas será verdade? Esse tipo de vida que as pessoas estão levando é enobrecedor? Honestamente, tenho dúvidas. Vejo que a grande maioria das pessoas trabalha (ou se locomove até o trabalho) durante todas as horas de sol que a semana lhes dá; sobram-lhes algumas poucas horas da noite, para um jantar, uma conversa em família, uma brincadeira com os filhos, para um rápido passeio, e para um momento de amor. Alguns acabam desperdiçando estes prazeres limitados com brigas, novelas, bebidas etc., mas esse assunto fica pra outra hora. Logo chega outra vez o cansaço, o sono, e a preparação para mais um dia de trabalho. Assim se vão pelo menos cinco dias da semana, às vezes seis, às vezes mais... E finalmente chega o fim de semana, o feriado, as férias, e então poderão gastar o dinheiro que ganharam e finalmente aproveitar o melhor da vida. Ou seja, estamos gastando nossos poucos dias no trabalho, e nos contentando com poucos momentos de verdadeira satisfação. Isso é enobrecedor? Não estou certo disso.
Sempre fui realista demais para encontrar satisfação na idéia de que terei minha casa própria. Sei que vou morrer e a casa, seja própria, seja de aluguel, vai apodrecer aí. Não acho que vale a pena perder a vida para dizer que conquistei qualquer coisa material na minha velhice. Então, desde cedo tive problemas com o trabalho, com a exigência social de que eu me estabelecesse profissionalmente. Eu demorei mais que a maioria dos amigos da mesma idade para comprar um carro, e até hoje sou estudante. Até na mitologia bíblica o trabalho é uma maldição, e não uma dádiva. Em Gênesis o homem só trabalha porque é obrigado, porque está pagando pelos seus erros. O trabalho, ali, é uma punição, e confesso que esta mesma impressão eu tive muito antes de conhecer a Bíblia.
Aonde eu quero chegar com isso? Será que quero agora incentivar as pessoas a abandonarem suas profissões? Claro que não. Eu encontrei uma solução pessoal para este problema, e é ela que quero compartilhar com meus leitores. A expectativa que tenho é a de que alguns, que também sofrem com a imposição social do sucesso profissional, se identifiquem com minhas palavras e encontrem um caminho mais adequado e que lhes traga felicidade.
Usei o mesmo modo realista de pensar para concluir que eu não ia conseguir mudar as coisas. As pessoas continuarão “se matando” no trabalho, e se contentando com aquelas poucas faíscas de vida. Mas eu não queria isso pra mim. Então, a solução era aderir ao modelo, trabalhar muito, fazer bem o que fazia, procurar destacar-me, obter sucesso profissional... porém, eu decidi fazer isso numa profissão que para mim fosse uma “diversão”. Esta é a solução que encontrei, fazer do trabalho um prazer; e na juventude, só encontrei prazer tocando violão. Dediquei-me à música por anos, tornei-me bacharel em violão erudito, estudei na Escola Municipal de Música de São Paulo, e me tornei professor. Foram mais de dez anos, e esta profissão já não me trazia a mesma alegria. Sempre ganhei pouco com esta atividade, e no ramo da música erudita, as exigências são tantas que o prazer torna-se rapidamente numa tortura. Aquilo que antes me dava prazer se tornou um peso, consequentemente, era hora de mudar de vida.
Continuo tocando violão hoje, e gosto muito. Também não me arrependo de ter cursado música. Digo que com meus 18 anos, se eu não tivesse estudado música, eu não teria estudado nada (ou teria feito outro curso que hoje não seguiria). Por conta de minha opção religiosa eu comecei aos poucos a substituir a música pelo estudo da Bíblia. Hoje posso dizer isso de maneira clara. Não era a igreja que me agradava; não eram as reuniões, que na verdade me desagradam. Eu gostava de algumas pessoas, e gostava da Bíblia. Fui estudando, fazendo cursos, lendo muito, fiz uma pós-graduação em Bíblia, mestrado, e hoje faço doutorado. Mudei de profissão, e novamente as muitas horas que passo lendo, traduzindo, interpretando, escrevendo e ensinando, se tornaram momentos de grande satisfação.
Falando assim resumidamente da minha vida profissional, você deve imaginar que as questões econômicas sempre foram um problema pra mim. Foi o acaso. As coisas que me dão prazer não me dão dinheiro. Mas acho que isso não seria assim com todos. Até brinco com os estudantes de teologia dizendo que para uma boa carreira como teólogos eles devem evitar a todo custo se casar com pessoas que conheceram nas faculdades de teologia. Afinal, dois teólogos numa mesma família é um problema. Por isso me casei com a Angela, que não quer nem saber de teologia.
Acho que o leitor entendeu minha mensagem: Eu gostaria muito de ver as pessoas trabalhando, ganhando dinheiro, realizando seus sonhos, de uma maneira que não lhes custasse a semana. Deixar de trabalhar continua sendo “vagabundagem”, eu não incentivei isso; mas procuro demonstrar que é possível termos prazer enquanto trabalhamos. Podemos ser felizes no trabalho, e não só no lazer. Para isso, a prioridade no momento de escolher uma profissão deve ser sua afinidade com aquela área (afinidade é pouco, talvez devêssemos dizer paixão), e não as possibilidades financeiras. Depois de feita sua escolha (mas sempre há possibilidades de mudar, de recomeçar), é hora de se dedicar. Não há desculpas para profissionais preguiçosos, displicentes, incompetentes. Não tenho filhos, mas um dia vou dizer pra eles (ou para algum sobrinho ou vizinho), que o importante não é o que se faz, mas como se faz. Se você escolheu uma profissão incomum, não precisa se envergonhar quando as pessoas lhe perguntarem se você só canta, se não trabalha (por exemplo); vergonha é só cantar e ainda cantar mal.
Imagem: Pieter Aertsen: Market Scene (1561)
2 comentários:
Concordo com o que disse Anderson, sem puxar saco, graças a Deus vc pensa assim. Já há algum tempo, toda semana desfruto do conhecimento que vc dispõe no seu blog.
Gostaria de lhe fazer um pedido, depois de uns quatro meses fora da net por estar imobilizado, estou tentando criar um endereço eletrônico da comunidade que faço parte. Não para divulgar o lugar mas a idéia. Gostaria de salientar que essa comunidade só nasceu graças ao seu discurso, e ensino na pessoas dos seus alunos do ICEC Keiker Olivira e Màrcio Andrade.
Gostaira de pedir se for possivel liberar alguns dos seus textos aqui publicados para publica-lo no blog da nossa comunidade, avisando de antemão que o endereço do seu blog já está inserido nos nossos link's recomendados.
O endereço eletrônico ainda não foi publicado por faltar algumas informações mais segue caso tenha interesse de ver onde seus textos serão publicados, caso libere a publicação dos mesmos.
www.cristadopovo.blogspot.com
Desde já agradeço, e quero que saiba que vc tem sido fonte de aprendizado e inspiração para mim e para nossa comunidade.
Abraço, Leonardo Pessoa
Leonardo, é uma grande honra saber que tenho ajudado indiretamente na formação de vocês. Os textos do blog estão aí pra serem compartilhados, então, fique à vontade para usá-los no seu site e na comunidade.
Quero conhecer essa comunidade pessoalmente. Diz para o Keiker me convidar.
Abraço.
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