No capítulo 3 de Mateus entra em cena João Batista. Há uma motivação histórica para que todos os evangelhos falem dele, pois sabia-se que Jesus havia procurado o grupo de seguidores de João, e por um tempo que não podemos determinar, havia sido um de seus seguidores. Os estudiosos não hesitam em afirmar que Jesus fora um discípulo de João Batista, e que só iniciou seu ministério porque João foi preso. Mas Mateus conta uma versão diferente da história, que procura exaltar Jesus, fazer de João um mero servo, explicando aos leitores qual é o real papel de ambos na história.
O João “batizador” aparece no deserto da Judéia (3.1). Está ao sul, longe da Galiléia de Jesus e de Nazaré. Sua localização nos indica que João é herdeiro de uma tradição judaica ascética, que condena o mundo e separa-se dele para que por meio do isolamento, viva de acordo com a pureza que sua fé exige. Isso também está presente no ritual de purificação do batismo. É, portanto, uma tradição bem diferente daquelas que geralmente seguimos a partir da leitura bíblica. Mas João não é apenas asceta, ele é também um profeta apocalíptico, que pregava a chegada da hora derradeira, quando Deus interviria no mundo para estabelecer seu reino (v. 2). O Reino de Deus (ou Reino dos Céus como prefere Mateus) não é apenas uma instituição religiosa, mas também política, pois para que Deus assuma o controle do mundo definitivamente, terá antes que derrubar os que no momento o governam. Há uma negação implícita ao Império Romano, ao governo dos Herodes, e sem dúvida, esse tipo de mensagem, quando atrai grande número de ouvintes, acaba provocando uma reação do poder governamental. Não é por acaso que João será preso.
No conjunto, o ministério de João previa o fim daqueles dias de dominação estrangeira, e o fim do sistema sacrificial. A proposta dele era a de que as pessoas deveriam declarar arrependimento, mudarem de vida, e então saírem do meio dos pecadores e batizarem-se para que esta “lavagem” os tornasse limpos e marcasse o início de uma nova trajetória. Nisso, ele está relativizando a importância de Jerusalém e do seu Templo, assim como dos sacerdotes e dos seus serviços sacrificiais.
Para explicar João, fazê-lo menor que Jesus, o cristianismo primitivo utilizou-se de Isaías 40.3. Mas lá, o texto claramente fala do exílio babilônico. A forma poética nos permite ver isso na maioria das Bíblias, com exceção daquelas que incluem acentuações em lugares equivocados. Uma versão coerente diria:
Uma voz clama:
Endireitai no ermo vereda a nosso Deus.
Só para lembrar, textos bíblicos em suas línguas originais não possuem acentuação, e por isso, os “dois pontos” são inclusões dos tradutores visando facilitar o entendimento do texto. Pela forma poética, vemos em Isaías 40.3 que há um paralelismo que destaca o imperativo para que se prepare no deserto o caminho do Senhor. Trata-se de um texto exílico, onde o autor lembra a libertação do Êxodo e pede que preparem o caminho do deserto, porque novamente é por lá que o povo de Deus passaria quando saíssem do cativeiro. A introdução, sem lugar no paralelismo, foi separada pelos dois pontos. É uma voz profética que anuncia a libertação.
Em Mateus 3.3, cuja versão foi tirada de Marcos, há uma alteração no texto:
Uma voz clama no deserto:
Endireitai suas veredas.
A citação não é literal, como vemos. O texto se parece, mas como os evangelistas já associaram a voz profética a João Batista, eles também viram o deserto como o local geográfico da atuação desta “voz”, e não como o próprio lugar por onde o Senhor trilharia o caminho. Ao tirar o deserto do paralelismo, foi necessário também excluir seu paralelo, o “ermo” que líamos na primeira versão, ou a poesia ficaria desigual. Exegeticamente, o Novo Testamento está errado em sua interpretação. Hoje veríamos esse uso como uma adulteração. Isaías não profetizou a vinda de João, e muito menos disse que haveria um pregador que antecederia a vinda do Messias, como eles pretendem dizer. Nós aprendemos daí, como é que as tradições eram usadas para legitimar as próprias convicções dos leitores; vemos que não existiam leituras críticas e preocupadas com o contexto original dos textos. Isso, porém, as igrejas fazem até hoje, mas são mais culpadas do que Marcos e Mateus, pois não vivem mais na antiguidade e já dispõem de recursos diversos para que leiam adequadamente os textos bíblicos.
No caso de Mateus, sugiro que perdoemos tais erros. Ele não tinha como ler ou apropriar-se da tradição de modo diferente. Seguia a modo tradicional de interpretar, e fez isso com a melhor das intenções, afirmando aos seus leitores que Jesus era o Messias, e que João, embora tenha sido uma espécie de mestre de Jesus por algum tempo, era apenas um auxiliar.
Um comentário:
Bom dia Profº,Gosto do seu conceito sobre as escritura sagrada,me mande mais material a respeito.
Email edpereira72@hotmail.com
Meu nome Edvaldo sou aluno seu no seminario Batista independente SP.
Fui..............................................................................................
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