Seguindo com nossa leitura de Mateus, agora temos diante de nós mais três versículos que descrevem a aparência de João Batista, o alcance de sua mensagem, e um pouco mais sobre o ritual do batismo que ele praticava. Sobre a aparência (v. 4), não há muito o que dizer, a não ser que ele apresentava de uma maneira muito estranha. É possível que sua roupa e alimentação tenham significados simbólicos diversos, mas a princípio, talvez elas indiquem pela estranheza que transmitem, quão separatista era o profeta. Ou seja, como asceta, ele não apenas separava-se do chão em que os pecadores pisavam, mas também evitava usar roupas como a dos habitantes de Jerusalém e comer o que eles comiam. São apenas alguns palpites; uma pesquisa deve levar o leitor bem mais longe nesta questão, mas este não é nosso propósito aqui, já que nosso objetivo é principalmente falar sobre o texto a partir de uma leitura intuitiva e pessoal, como se fosse o primeiro passo para futuras exegeses.
Adiante, no versículo 5, vemos que de Jerusalém, da Judéia inteira, e até das regiões além do Jordão, as pessoas vinham procurar João. Assim como Jesus, seu predecessor já tinha uma atividade aberta para todo o mundo, e não exclusiva para os judeus. Mas é no versículo 6 que está o mais interessante dessa pequena seção que separamos. O texto é simples, diz que estas pessoas que procuravam João eram batizadas por ele no rio Jordão confessando os seus pecados. São poucos detalhes, mas suficientemente ousados. O batismo é uma prática que nasceu como um ritual de purificação, e não apenas como um ato simbólico de adesão a um movimento, ou como o símbolo de um novo nascimento. A necessidade de se confessar os pecados para que fossem batizados parece demonstrar que realmente a religião de João Batista pregava um perdão de pecados por meio do arrependimento, confissão, da lavagem com a água do rio, e com a aceitação de novos padrões de comportamento que deveriam seguir o modo de vida asceta do próprio João. E se isso estiver correto, a atividade de João não é tão pacífica quanto costumamos imaginar, mas constitui-se numa crítica aberta à atividade sacrificial realizada no Templo de Jerusalém.
João, portanto, considerava impura a religião centrada em Jerusalém e no Templo, e propõe uma nova maneira de buscar a pureza que Deus espera. Ele insta seus seguidores ao arrependimento, pede que se confessem, os batiza e isso talvez já seja uma maneira de livrar-se dos pecados, e depois certamente pede que vivam de maneira asceta como ele. A atividade de João, vista dessa forma, não é simplesmente religiosa, mas política também. Há uma clara condenação para com as instituições mais importantes da religiosidade judaica (Templo e cidade santa). Neste sentido, sua prática é profética, e já era de se esperar que os poderes se levantassem contra tal pregador.
Adiantando um pouco as informações, sabemos que Jesus, apesar de ter seguido João por algum tempo, quando deixou-se não deu continuidade a esta idéia de confissão, batismo e ascetismo. A proposta de Jesus era outra, itinerante, igualitária, apocalíptica, mas também era contrária à religiosidade dos sacerdotes. E não ainda muitas outras tradições judaicas como a dos fariseus e a dos essênios que servem para demonstrar quão diversificada e “sectarizada” era a religiosidade daquela época e lugar? Vemos uma crise na fé judaica, o que não era novidade. Vemos o nascimento de diferentes tipos de judaísmos que sempre estão de alguma forma de acordo ou em oposição aos sacrifícios do Templo. O cenário social e religioso da Palestina era, sem dúvida alguma, muito mais complexo do que costumam retratar as igrejas, os filmes e grande parte dos livros de hoje.