segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O QUE NÃO PERGUNTAR PARA A BÍBLIA (Parte II)

Um dos princípios de interpretação bíblica ensinados aos protestantes de todas as gerações desde então diz que a Bíblia explica a própria Bíblia. Ou seja, caso você leia uma passagem e nela não encontre informações suficientes para extrair-lhe um significado satisfatório, pode e até deve procurar a resposta para tal empecilho em qualquer outra porção da Bíblia. Esse postulado protestante está baseado noutro mais antigo, o de que a Bíblia é um livro divino. Se um único autor com estilo e pensamentos coerentes (Deus) guiou os homens para que escrevessem um livro perfeito, sem dúvida podemos buscar ler todas as suas partes como uma unidade coesa.

Obviamente discordo disso tudo, e por isso, a pergunta que não se deve fazer à Bíblia de hoje é esta: “como outra parte da Bíblia responde a essa questão?”.

Primeiro, devo dizer que o postulado protestante está superado. Ele servia naquele tempo, mas hoje sabemos que independente da presença de Deus por trás da Bíblia nela prevalece a essência humana, que é contraditória e muitas vezes equivocada. Assim, o novo postulado a se considerar é o de que a Bíblia é um conjunto de livros que registra experiências religiosas diversas de homens do passados, mas que nem todos esses homens pensavam da mesma forma, e é por isso que diversas vezes eles expressam pensamentos teológicos contrários.

Não se pode ler Jó, que diz que seu personagem principal não tinha pecados, e tentar harmonizá-lo com Gênesis e outros que declaram a pecaminosidade de toda a humanidade. Em Jó, é possível alguém ser perfeito, ainda que isso seja contrário a outros textos bíblicos. Esses textos não se explicam, pelo contrário, se complicam quando comparados. Exemplos assim são fáceis de encontrar quando lemos sobre Davi em Samuel e Reis e comparamos o relato de Crônicas; ou quando lemos sobre a morte de Jesus em Marcos e João; ou quando lemos sobre as divergências no cristianismo primitivo em Atos e em Gálatas. Mesmo quando narram o mesmo evento, os textos mostram-se contraditórios, negando o postulado da reforma e nos forçando a ler cada texto individualmente.

Claro que há exceções. Há livros que seguem o mesmo princípio teológico de outros, como Lucas e Atos, como as cartas de Paulo (as autênticas: Rm, Co, Gl, Fl, 1Ts), como os livros que compõem a Obra Historiográfica Deuteronomista (Dt, Js, Jz, Sm, Rs), e pode-se considerar em conjunto tradições que extrapolam os limites pessoais e influenciam de alguma maneira toda a cultura judaica na antiguidade.

Em todo caso, a princípio o desafio que propomos é para aqueles que estão acostumados a desconsiderar as diferenças entre os livros bíblicos. Substitua a antiga pergunta pelo que diz a Bíblia em outro lugar pela busca do que diz o mesmo livro, ou o mesmo capítulo. Isso será uma maneira de evitar os antigos equívocos interpretativos.

Se houver outra questão urgente que não devemos fazer à Bíblia, volto com uma nova postagem.

Nenhum comentário: