terça-feira, 31 de agosto de 2010

O QUE EU FAÇO COM ESSE TEXTO? COMO PREGAR A PARTIR DE TEXTOS BÍBLICOS QUE INCENTIVAM A VIOLÊNCIA



Recentemente voltei a mencionar o problema da violência em textos bíblicos. Voltei a falar de textos que ninguém usa, e que quando lemos fingimos que ele não estava lá. É mais fácil assim, memorizamos e repetimos apenas textos bonitos e inspiradores, enquanto omitimos educadamente aqueles com os quais não sabemos lidar. Se você faz isso também, não se sinta culpado, eles estão em todas as Bíblias, e se ninguém os lê nas igrejas, deve ter um motivo razoável. Pode ficar com a consciência tranqüila, não é você que é ignorante e não entende a Bíblia, ou que é infiel por não obedecê-la por completo, o problema é o texto que é problemático, vamos admitir.

Se eu achasse isso possível, sugeriria a retirada de algumas páginas da Bíblia como as que veremos abaixo, mas a canonização é algo muito forte do que eu. Aprendemos que o que os antepassados disseram é sagrado, e nós temos que idolatrar a memória dos nossos pais mortos. Claro que eles matavam vacas para Deus porque pensavam que Deus gosta de cheiro de churrasco; claro que eles casavam-se com várias mulheres e ainda tinham concubinas espalhadas por aí; claro que eles tratavam os filhos com parcialidade, dando mais valor aos homens do que às mulheres; claro que eles acreditavam que havia um final de mundo depois do mar, e que os dados (urim e tumim) revelavam a vontade dos deuses... É, sabemos que eles agiam de maneira estúpida em muitos momentos, mas quando o assunto é escrever e escolher quais são os textos sagrados, eles eram infalíveis. (Desculpem a ironia).

Sem nenhuma intenção de alterar o cânon, eu gostaria de falar brevemente de duas passagens complicadas que sempre me vêem à mente quando penso em textos que geralmente não são utilizados nas igrejas. Vou tentar ser honesto com o texto, e procurarei sugerir ao leitor uma maneira de “salvá-los”, isto é, vou ensiná-los a utilizar até esses textos estranhos sem ter que distorcer o significado das palavras. Vamos lá?

Primeiro veja o que se lê no Salmo 137.8-9: “Ah! Filha da Babilônia, que vais ser assolada! Feliz aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós! Feliz aquele que pegar em teus filhos e der com eles nas pedras!”. Comece falando para si mesmo o que acha dessas linhas e responda: Foi Deus quem incentivou o assassinato de inocentes como uma forma de vingança àqueles que fazem o mau? Deve ser aceito o conselho do salmista para que se mate crianças nascidas de pessoas más? Se quiser, tente imaginar como ensinaria pessoas de fé a partir desse texto, e depois leia minhas sugestões.

Agora vem a minha interpretação: A Babilônia foi um grande império do mundo antigo; impérios só são impérios porque dominam os outros; o domínio sob os outros, seja ele político, econômico ou cultura, sempre é realizado com alguma forma de violência, com a imposição da vontade do mais forte sobre o mais fraco. Assim, como nação mais fraca, o reino de Judá foi dominado violentamente pela Babilônia, que certamente matou muita gente, estuprou muitas mulheres, roubou suas posses, tomou suas crianças para serviço forçado, e coisas desse tipo.

Quem escreveu esse salmo? Não precisa pesquisar em lugar nenhum para supor que trata-se de alguém que viveu ou nos dias do exílio ou pouco depois dele. É possível que ele mesmo tenha testemunhado a violência da invasão, ou que tenha ouvido sobre ela de pessoas que a vivenciaram. Esse homem marcado pela injustiça humana então escreve um salmo, que nada mais é que um cântico de louvor. Em sua canção ele deixa fluir toda a raiva que há em seu interior. Ele, uma pessoa como eu e você, ferido pela vida, tem muitos motivos para imaginar a ruína da Babilônia e desejar a desgraça dos seus opressores. Você pode até achar que tal ódio é ruim, que o desejo de vingança é reprovável, mas tem que reconhecer que são sentimentos que já eram de se esperar numa pessoa que passou por coisas assim.

Quem sabe o salmista já via o império Persa pronto para arrasar a Babilônia? Quem sabe ele estava feliz por ver o sangue dos opressores pelas ruas da antiga capital do mundo? Bem, o salmista certamente está equivocado ao desejar vingar a violência com mais violência, mas ele merece nosso respeito pela transparência, pela maneira honesta com que expressou seus desejos no salmo.

O salmo tem um grande valor para mim, mas o que ele está fazendo na Bíblia eu não sei. Mas já que lá está, precisamos nos perguntar como podemos usá-lo sem que sua leitura dê margem para a vingança e a violência. Minhas sugestões são essas: eu repetiria à minha audiência tudo o que acima disse sobre o contexto sócio-histórico do texto. As pessoas precisam entender o momento para que não odeiem o salmista ou o imitem. Depois, eu falaria sobre tais sentimentos reprováveis de maneira aberta, reconhecendo que todos temos tais pensamentos de vez em quando. Pediria para que eles se colocassem no lugar do salmista, que imaginassem a família morta quando chegassem do trabalho, que pensassem na filha estuprada, em si mesmos torturados... Quem não desejaria a morte dos seus agressores?

Nenhum defeito há, sinceramente, em pensar tais coisas. Elas são parte do nosso instinto de defesa, e às vezes queremos sobreviver e defender o que é nosso como qualquer animal. Finalmente, passaria para a conduta cristã, que abomina a violência, que controla os instintos por meio da razão e da fé, e que nos faria reprimir nossa violência. Enfim, eu estaria usando o salmo para que todos saibam quão cruéis podemos ser em algumas circunstâncias, mas me voltaria para Jesus como exemplo de conduta no final. Na verdade eu discordei de tudo o que o salmo disse, mas aproveitei-o sem tentar desculpar sua crueldade.

A conclusão é que as pessoas vão aprender mais sobre a Bíblia. Entenderão que nem todo texto é mandamento, que há imperativos, mas que também há meros exemplos, meras expressões humanas antiquadas que nos ensinam como não devemos agir. Eu preferiria ler um evangelho e falar sobre a não-violência de Jesus, seria bem mais fácil, mas em todo caso, é assim que se usa um texto ruim.

Vamos ao outro exemplo? Leia agora com atenção o que está escrito em Deuteronômio 13.6-11:

“Quando te incitar teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do teu amor, ou teu amigo, que te é como a tua alma, dizendo-te em segredo: “Vamos e sirvamos a outros deuses que não conheceste, nem tu nem teus pais, dentre os deuses dos povos que estão em redor de vós, perto ou longe de ti, desde uma extremidade da terra até à outra extremidade”, não consentirás com ele, nem o ouvirás; nem o teu olho o poupará, nem terás piedade dele, nem o esconderás, mas certamente o matarás; a tua mão será a primeira contra ele, para o matar; e depois a mão de todo o povo. E com pedras o apedrejarás, até que morra, pois te procurou apartar do SENHOR, teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão. Para que todo o Israel o ouça e o tema, e não se torne a fazer segundo esta coisa má no meio de ti”

Meu Deus, o que é isso?!?! Hitler adoraria pregar a partir desse texto. Em poucas palavras ele diz que se alguém discorda da opção religiosa que alguém instituiu para a nação, deve morrer. Não me diga que essa exigência foi feita por Deus, a religião aqui é imposta através do medo, e é exigido que a violência contra o “rebelde” parta da própria família. Já viu isso? Alguma mãe mata o filho que revela-se assassino?

Claro que há desculpas. Eu posso dizer que não saí do Egito, e que por isso o texto não se dirige a mim, e que só um louco acharia que deve obedecer essa lei hoje literalmente. Verdade, mas então nenhum texto é pra nós; os destinatários dos textos bíblicos morreram há milênios e nós escolhemos obedecer alguns textos por conta própria. Não sabemos se todos os leitores saberão separar as coisas. Eu também queria ver se há alguém capaz de cortar o pescoço da filha que um dia chegou em casa dizendo que está gostando de freqüentar um centro de umbanda. Um fanático desses, se existir, tem que ir pra cadeia.

Geralmente nós nos colocamos no lugar de Moisés, mais que um homem de Deus, um herói querendo purificar a nação da idolatria; entretanto nos esquecemos dos outros, que não estão tentando contaminar o mundo com o demônio, só estão crendo de forma diferente, em uma divindade tão invisível quanto a de Israel. Este texto tentou implantar um regime opressor, acabar com a liberdade religiosa que Deus deixou, e por tudo isso é muito mais difícil salvar essas palavras do que aquelas do salmo 137, pronunciadas por uma vítima, e não pelo Hitler judeu.

Mas vamos lá; o que fazer com uma página dessas? Pra começar, eu já admito que não usaria esse texto, pois não conteria minha língua e acabaria sendo deselegante. Mesmo assim, supondo que eu fosse pregar numa igreja sobre esse texto...

Difícil, eu fiquei pensando uns dez minutos e não achei formas de salvar esse manifesto do regime nazista. Porém, eu falaria a verdade nua e crua e antes que me expulsassem do altar tentaria ao menos salvar o sermão. Leria textos como João 8.3-9 (Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela), onde Jesus desobedece a Torá para favorecer a vida, ensinando-nos o primeiro critério para uma boa hermenêutica. Talvez seja este um bom momento pra falar sobre porque não guardamos o sábado nem nos circuncidamos; o Antigo Testamento possui sim, ainda que não se admita, menor peso em nossa religiosidade. Falaria então do amor de Jesus e nunca mais mencionaria de novo Deuteronômio 13.

Desculpe a indelicadeza em certos momentos, é que escrevo os textos de uma vez, às vezes no calor das emoções, e depois limito-me a corrigir erros de digitação. Mais que estudos, encaro essas reflexões não exegéticas como formas de arte, onde expresso-me com transparência e improviso. Desculpe também se não consegui atingir o objetivo de ensiná-lo a usar todos os textos difíceis de maneira positiva. Espero, todavia, tê-lo ensinado que na Bíblia não é só Deus quem fala. Se a Bíblia é um livro divino, não é porque nele só há coisas boas, mas porque de alguma forma o Espírito selecionou conteúdos que podem nos ensinar. Textos como os que lemos hoje nos ensinam o que nunca fazer, e graças a Deus que temos discernimento para julgar tais coisas.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

POR QUE ESTUDAR RELIGIÃO PROVOCA CRISES DE FÉ?

Não é preciso muita experiência teológica ou mesmo pedagógica para constatar que muitas das pessoas que decidem estudar a Bíblia sob uma ótica acadêmica ou científica, seja numa faculdade de teologia ou noutro lugar, acabam por atravessar período de crise. Alguns estudantes perdem a fé que tinham e nunca mais voltam a crer como antes; esses tornam-se céticos e passam a lutar contra a fé das outras pessoas com argumentos agressivos. Outros atravessam o período da crise acadêmica e depois conseguem administrar sua vida religiosa, mas adquirem sérias dificuldades para lidar com as instituições religiosas e nunca mais sentem-se parte da antiga igreja.

Há vários fatores a considerar; primeiro falemos dos tipos de instituição de ensino: Há faculdades de estudo bíblico que procuram acima de tudo formar religiosos preparados para determinados serviços; nelas as crises de fé são mais raras, pois partem de um pressuposto religioso, de uma fé comum que é partilhada por professores e alunos. Mas há as instituições imparciais, que não adotam qualquer regra de fé em seus métodos e currículo, e que não preocupam-se com a ocupação eclesiástica dos alunos; o objetivo dessas instituições é transmitir aos alunos um conhecimento sobre a religião de forma geral, que lhes dará a oportunidade de trabalharem fora das igrejas. Minha opinião é que o segundo tipo de instituição é melhor, pois quem ensina a partir da fé, ignora ou omite todas as informações que porventura possam chocar-se com suas convicções. Fugir das crises numa instituição conservadora ou denominacional é fugir também do conhecimento.

Um segundo fator interessante é que muitos dos alunos que um dia atravessam suas crises de fé eram antes do estudo os mais devotados religiosos. Isto é, geralmente aqueles que procuram aprofundar-se estudando religião fora dos limites de sua igreja são os mais interessados, os mais ativos, os que sonham em servir a seu Deus da melhor maneira possível. Assim, a conclusão que chegamos é que tais crises dificilmente são evitadas, pois até mesmo os mais convictos sentem-se abalados nos fundamentos de sua fé. Os resultados finais podem variar, mas os choques intermediários sempre acontecem.

A pergunta agora é esta: Por que estudar provoca crises de fé tão sérias? Que incompatibilidade há entre o conhecimento e a fé que provoca tais crises? Antes de responder à pergunta eu diria que a crise não se limita aos estudos religiosos, mas que toda faculdade provoca algum tipo de desestrutura. Isso não é ruim, é sinal de que estamos aprendendo coisas novas e tendo de corrigir coisas velhas e equivocadas. Porém, nossa mente não se deixa purificar das antigas convicções tão facilmente, e tal processo de troca de convicções é o que chamamos de crise. É como aquilo que todos nós experimentamos na adolescência, mas agora sem relação nenhuma com nossa idade.

Agora, para responder a questão a meu modo, devo admitir que há sérias incompatibilidades entre a nossa fé e a razão. Na verdade, não há problemas entre fé e razão, pois a fé sempre existiu respondendo provisoriamente as perguntas que a razão não podia, mas há sim incompatibilidade entre a religião que praticamos e a razão. O problema não é Deus, mas as igrejas. Ao estudar, notamos que estávamos enganados em relação às nossas igrejas, que elas não são as “donas da verdade”, que suas “leis” não possuem bases bíblicas tão firmes quanto imaginávamos, e que sempre há um incontável número de coisas que lá estão simplesmente por tradição ou interesses pessoais. Eis aí nossa crise: colocamos nossa fé não somente numa divindade, num criador ou na vida eterna (coisas que conhecimento nenhum pode confirmar ou contradizer), mas na santidade das pessoas, na honestidade das instituições, na transparência dos religiosos, na boa vontade dos homens, na veracidade dos discursos... Não é por acaso que algumas instituições proíbem o estudo, querem regular o progresso acadêmico dos membros ou abrem centros de ensino próprio para ensinarem apenas aquilo que aprovam.

Essa reflexão ainda iria longe, mas vamos encerrar nossa conversa dizendo que, com base no que já foi dito, o conhecimento é um tesouro valioso que devemos buscar. As crises não devem ser evitadas, mas bem recebidas como processos de amadurecimento pelos quais devemos passar. Uma dica: se você está em crise por ver em determinado ensino algo contraditório com sua fé, procure resolver a crise pensando no assunto e levando aos mestres todos os seus argumentos. Quando não há argumentos para negar aquela suposta heresia, é hora de reconhecer que ela provavelmente é a verdade, e que você precisa substituir certo conhecimento por um novo.

Mas e a igreja? E como vou pregar depois dessas aulas? Será que ainda vou crer depois desse curso? Será que ainda vou agradar a Deus com tantas questões? Minha resposta é a seguinte: esqueça seus antigos planos, coloque seu ministério até sua fé em segundo lugar e dê lugar para a verdade. Se há um Deus, ele está bem atrás da verdade, e não atrás das coisas duvidosas. Lembrem-se que toda religião julga-se a verdadeira, e dificilmente só essa sua está com a razão. Aceite que em alguns aspectos você pode estar enganado também. Temos que buscar a verdade, ainda que ela não venha da igreja ou da Bíblia, mas da academia, dos livros ou de onde quer que ela venha.

Estas linhas foram escritas para todos os estudantes de teologia com os quais tenho tido contato, sejam eles da graduação, do mestrado ou do doutorado. Quem escreve é um homem em constante crise, mas agradecido pela liberdade que cada uma delas me dá.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O QUE NÃO PERGUNTAR PARA A BÍBLIA (Parte II)

Um dos princípios de interpretação bíblica ensinados aos protestantes de todas as gerações desde então diz que a Bíblia explica a própria Bíblia. Ou seja, caso você leia uma passagem e nela não encontre informações suficientes para extrair-lhe um significado satisfatório, pode e até deve procurar a resposta para tal empecilho em qualquer outra porção da Bíblia. Esse postulado protestante está baseado noutro mais antigo, o de que a Bíblia é um livro divino. Se um único autor com estilo e pensamentos coerentes (Deus) guiou os homens para que escrevessem um livro perfeito, sem dúvida podemos buscar ler todas as suas partes como uma unidade coesa.

Obviamente discordo disso tudo, e por isso, a pergunta que não se deve fazer à Bíblia de hoje é esta: “como outra parte da Bíblia responde a essa questão?”.

Primeiro, devo dizer que o postulado protestante está superado. Ele servia naquele tempo, mas hoje sabemos que independente da presença de Deus por trás da Bíblia nela prevalece a essência humana, que é contraditória e muitas vezes equivocada. Assim, o novo postulado a se considerar é o de que a Bíblia é um conjunto de livros que registra experiências religiosas diversas de homens do passados, mas que nem todos esses homens pensavam da mesma forma, e é por isso que diversas vezes eles expressam pensamentos teológicos contrários.

Não se pode ler Jó, que diz que seu personagem principal não tinha pecados, e tentar harmonizá-lo com Gênesis e outros que declaram a pecaminosidade de toda a humanidade. Em Jó, é possível alguém ser perfeito, ainda que isso seja contrário a outros textos bíblicos. Esses textos não se explicam, pelo contrário, se complicam quando comparados. Exemplos assim são fáceis de encontrar quando lemos sobre Davi em Samuel e Reis e comparamos o relato de Crônicas; ou quando lemos sobre a morte de Jesus em Marcos e João; ou quando lemos sobre as divergências no cristianismo primitivo em Atos e em Gálatas. Mesmo quando narram o mesmo evento, os textos mostram-se contraditórios, negando o postulado da reforma e nos forçando a ler cada texto individualmente.

Claro que há exceções. Há livros que seguem o mesmo princípio teológico de outros, como Lucas e Atos, como as cartas de Paulo (as autênticas: Rm, Co, Gl, Fl, 1Ts), como os livros que compõem a Obra Historiográfica Deuteronomista (Dt, Js, Jz, Sm, Rs), e pode-se considerar em conjunto tradições que extrapolam os limites pessoais e influenciam de alguma maneira toda a cultura judaica na antiguidade.

Em todo caso, a princípio o desafio que propomos é para aqueles que estão acostumados a desconsiderar as diferenças entre os livros bíblicos. Substitua a antiga pergunta pelo que diz a Bíblia em outro lugar pela busca do que diz o mesmo livro, ou o mesmo capítulo. Isso será uma maneira de evitar os antigos equívocos interpretativos.

Se houver outra questão urgente que não devemos fazer à Bíblia, volto com uma nova postagem.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O QUE NÃO PERGUNTAR PARA A BÍBLIA

Às vezes nós nos comportamos mal diante da Bíblia, exigimos dela o que ela não pode nos dar, e as conseqüências são trágicas para as nossas leituras. Somos como crianças que não sabem brincar com o animal de estimação; embora consideremos o filhote um ser adorável, tê-lo nas mãos significa risco de vida para ele. Por sorte, a Bíblia é um livro, e mesmo que ela seja constantemente feria de morte, ela sobrevive e ganha novo fôlego nas mãos dos bons leitores.

Nesta postagem eu quero falar de uma das perguntas que não devemos fazer quando lemos a Bíblia. Existem muitas perguntas, mas vou limitar-me a uma única, deixando outras para momentos futuros. A pergunta que não se deve fazer a Bíblia de hoje é esta: “Como é que o autor sabe isso?”.

Pode parecer bobagem à primeira vista, mas essa pergunta é freqüente, e quando a fazemos em momentos impróprios, geralmente criamos respostas para satisfazê-la. Depois de feita a pergunta, preferimos respostas absurdas à dúvida, e nesse momento nosso texto sofre.

Os exemplos vão esclarecer o que pretendo dizer: Quando você lê Gênesis 1, o relato da criação de todas as coisas, nunca deve perguntar como é que alguém ficou sabendo como as coisas aconteceram antes de existirmos. A resposta errada seria que Deus o revelou por meio de algum fenômeno religioso inexplicável que hoje não acontece mais. É uma resposta fraca, que manterá você, o leitor, acreditando que o texto pretende narrar fatos reais, enquanto temos um texto mitológico que pretende somente legitimar a guarda do sábado como estatuto divino estabelecido desde as origens.

Nesse caso, um bom leitor não pergunta, acredita que o narrador sabe de todas as coisas, que é onisciente como sempre acontece nas narrativas. Aí ele mergulha na história como uma criança mergulha numa fábula, e se deixa conduzir à conclusão de que Deus criou todas as coisas e santificou o sábado desde então. Ao fechar o livro, assim como a criança saberá separar a ficção da realidade e não procurará por animais falantes, você também saberá que quem escreveu o texto não viu a criação e que por isso tudo o que ele disse é apenas uma história, mas compreenderá que ele, ao escrever, já sabia onde queria chegar, na defesa da santidade do sétimo dia.

Então, nunca devemos questionar um narrador quando ele diz o que alguém pensava em segredo, ou como ele é capaz de saber o que se passa em vários lugares ao mesmo tempo, ou porque só ele sabe exatamente qual a opinião de Deus sobre cada evento, ou como ele é capaz de lembrar discursos extensos palavra por palavra. A verdade é que o narrador está utilizando-se de recursos narrativos e você só entenderá a história se mergulhar nela despreocupado com a veracidade das afirmações. Deixe o narrador lhe conduzir, só depois tire conclusões.