domingo, 30 de maio de 2010

A MULHER QUE UNGIU JESUS (Parte II)

Continuemos nosso estudo de Mt 26.6-13. Na primeira parte, mostramos a tradução do texto e uma primeira análise formal bem sucinta. Suponho que esta primeira parte foi bem compreendida, que não gerou maiores questionamentos. Porém, saber ler formalmente um texto da Bíblia, que originalmente não possui qualquer divisão de parágrafos, e muito menos de capítulos e versículos, é algo sempre desafiador e que exige prática. Por sorte, o texto que escolhi não é tão trabalhoso neste aspecto.

Hoje vamos começar a ler o texto e enfrentar seus desafios, mas deixe-me dar alguns detalhes mais técnicos a quem interessar. Nossa análise é exegética, termo que já indica a abordagem acadêmica que virá, mas ela não distinguirá sempre a que passo do método histórico-crítico ou de qualquer outro estamos nos voltando. Aplicaremos os métodos conforme a necessidade se apresentar, fazendo um texto mais prático, fácil de ler e compreender. Eu diria para quem espera detalhes técnicos, que daremos ênfase à análise literária, interrompendo-a quando o texto assim o exigir para fazer uso de outros métodos. Hoje, por exemplo, a análise terá que dar espaço a reflexões sobre o contexto maior, sobre o projeto literário do evangelho de Mateus como um todo.

Por questão de espaço, comentarei apenas o v. 6a, a primeira parte da introdução que distinguimos anteriormente. Leia-o antes de prosseguir, e tente identificar pontos relevantes e compreender a importância dessas primeiras palavras. Um dos mais importantes conselhos que se pode dar a um estudante da Bíblia, é para que sempre tente interpretar a Bíblia por si mesmo antes de qualquer pesquisa, lendo somente o texto sem qualquer auxílio. Quando ouvimos o que os outros têm a dizer primeiro, essas opiniões condicionam nossa leitura e deixamos de apurar nossa própria percepção.

Falando então do texto no v. 6, vemos que ele começa com um narrador dando informações preliminares. Mesmo nesta breve abertura, o narrador deixou-nos duas informações que podem até parecer secundárias, mas que mostrar-se-ão fundamentais. Primeiro, ele diz: “Ora, encontrando-se Jesus em Betânia...”. Betânia era um povoado próximo a Jerusalém, e esse dado é muito relevante se levarmos em conta que o evangelho de Mateus concentra a missão de Jesus na Galiléia, e que sua ida à Judéia só acontece no final de sua vida. A segunda informação se refere à casa do leproso em que acontece a unção de Jesus e a subseqüente discussão, mas esse será o tema da próxima postagem.

Agora, só sobre o v. 6a, temos que recordar que a Galiléia (parte norte do país) fora, desde o início do evangelho de Mateus, o alvo principal da missão de Jesus. Em Mateus Jesus não costuma visitar a Judéia (parte sul) como acontece noutros evangelhos, e ao mencioná-la só no final, nota-se que o autor está fazendo uma transição no texto. Neste evangelho a ida à Judéia remete aos últimos dias de Jesus, que acontecem num território que está sob controle dos “inimigos”.

Já sabemos então que o texto da unção de Jesus em Betânia faz parte, na composição do evangelho, de seu clímax, da narrativa da paixão. Ficamos sabendo por meio da referência geográfica que o tema em pauta daqui por diante é a morte e a ressurreição de Jesus. Já não é a divulgação do Reino aos camponeses galileus, a interpretação jesuânica da Lei ou sua capacidade de curar e perdoar pecados que estão em pauta, mas a oposição a Jesus por parte dos líderes religiosos e do império romano. A transição que se dá no projeto literário do autor chamou-nos a atenção para isso, e o conhecimento adquirido será importante mais adiante. Guardemos essa informação.

Exegeticamente, vemos que não basta analisar uma “perícope”, que é um recorte textual, uma unidade delimitável como Mt 26.6-13. O projeto maior que chamamos de evangelho é composto pela costura de perícopes que tiveram origens distintas, e na união das perícopes, o lugar dado a cada uma desempenha um papel para o autor. É neste aspecto que a menção feita a Betânia mostra-se relevante.

2 comentários:

Francisco Junior disse...

Gostei da proposta de estudar exegeticamente este texto. Estou acompanhando passo-a-passo. Anotei as valiosas dicas sugeridas para interpretar o texto.

Anderson de Oliveira Lima disse...

Legal que esteja acompanhando o estudo e tirando deles os princípios exegéticos. Esse é nosso objetivo Júnior, aprender o método de análise enquanto usamos esse texto como exemplo.