quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O FUTURO A DEUS “NÃO” PERTENCE

Introdução

Antes de entrar no assunto desta mensagem, preciso fazer algumas considerações a meus leitores. Primeiro, sou um pesquisador e escritor do campo da religião, e tenho trabalhado em dois campos distintos simultaneamente: um deles é acadêmico, desenvolvo artigos científicos e no momento preparo minha dissertação de mestrado. O acesso a estes trabalho é mais restrito, pois estão sendo publicados em revistas científicas das faculdades brasileiras e são destinados a outros pesquisadores. Segundo, tenho escrito desde 2005 textos de pequena extensão que são bem mais acessíveis. Estes são publicados em igrejas cristãs e geralmente os divulgo em meu blog (www.compartilhandonoblog.blogspot.com). Os dois campos são distintos, um excessivamente acadêmico, outro prático, reflexivo e até devocional; mas eles também se tocam eventualmente. Algumas vezes, um texto acadêmico é resumido para alcançar um público não especializado (como fiz com o texto “Um Rei dos Nossos...”), em outras, um texto breve é re-trabalhado para transformar-se em texto científico (como foi o caso de “Jesus era contra o Divórcio?”).

O texto que abaixo apresento é um texto da classe “popular”, ou seja, apresenta uma reflexão breve, sem demasiada argumentação ou preocupação com a fundamentação das idéias. Uso assim esse instrumento para divulgar em forma escrita um pensamento antigo, que precisa ser aperfeiçoado e confrontado com a opinião de outros. Caso essas idéias sejam aprovadas nesse primeiro teste, penso na possibilidade de lhe aperfeiçoar.

Meu leitor pode estar se perguntando por que nos últimos textos me tornei tão formal. Neste caso, quis ser cuidadoso porque o que vamos ver é uma verdadeira “heresia”, um pensamento totalmente contrário àquilo que a igreja e mesmo os teólogos tradicionais pensam. Não estou tratando de um assunto que domino, mas expressando idéias que me parecem relevantes no âmbito teológico. Assumo o risco de receber críticas, na verdade, é o que espero, para saber quão coerente é esta minha idéia.


Conteúdo

Tenho reconhecida aversão às idéias pré-concebidas que a chamada “teologia sistemática” ensina aos estudantes de teologia. Me parece que falta transparência à teologia sistemática, pois tais idéias não são apresentadas como hipóteses, o que realmente são, desenvolvidas por pensadores de várias gerações. Tais idéias são apresentadas como certezas, método de educação antiquada que impede o aluno de pensar por si mesmo, já que estará sempre influenciado pelas idéias pré-estabelecidas dessa teologia.

O caso que tenho em mente enquanto escrevo é a idéia de que Deus é Onisciente (que aceito), que conduz à idéia de que ele sabe tudo sobre o passado, o presente e o futuro (que rejeito). Os teólogos crêem que Deus vê o “tempo” em sua totalidade, conhecendo tudo o que acontece do princípio ao fim da história. Supostamente tais conceitos tiveram origem na Bíblia, mas sinceramente não sei como essa idéia pode ser defendida com a Bíblia. Que textos falam disso?

Outra vez, quero enfatizar que aceito a idéia de que Deus conhece todas as coisas, o que questiono é que Deus conhece o futuro, o que em minha opinião, não existe. Sempre que debato este tema, cito o mesmo exemplo, e ele não poderia faltar aqui, onde quis registrar exatamente essas minhas dúvidas. Meu exemplo começa com uma pergunta: Deus conhece, por exemplo, a constituição física dos extra-terrestres? Se existem extra-terrestres, ele a conhece, mas se eles não existem, então Deus não deixa de ser Onisciente se não conhecer o que não existe. Assim, para mim Deus conhece todas as coisas, mas não conhece o futuro simplesmente porque ele não existe.

Um leitor da Bíblia que se preze, antes de concordar comigo, vai perguntar coisas como: E as profecias? E o Apocalipse? Deus não anuncia na Bíblia as coisas que ainda virão e, portanto, as conhece com antecedência? Bem, primeiro a profecia não é sempre uma previsão futurista. Na verdade, a maioria das profecias são locais e podem ser explicadas em termos humanos. Se um economista moderno diz que a próxima potência mundial será a China, isso não precisa ser atribuído à inspiração divina; ele observou, estudou, e já pode dizer o que virá, embora possa se enganar e o diga sem riqueza de pequenos detalhes. Na profecia do Antigo Testamento, a inspiração divina não anula esse elemento humano, o dom de observação e a inteligência do profeta. Com base na fé em um Deus de direito e justiça, e com base na observação astuta do cenário político nacional e internacional, os profetas avaliavam as injustiças dos seus dias e o papel internacional exercido pelo seu país, e previam o fim das dinastias pela tomada da nação por um império muito superior militarmente, que aliás, já estava dominando diversas outras nações mais poderosas que Israel. Mais que previsões futuristas, a profecia me parece a aplicação quase sempre precisa dos princípios lógicos de causa e efeito, embasadas na fé em um Deus bom.

Sobre a literatura apocalíptica, a questão é um pouco diferente. As previsões apocalípticas não podem ser facilmente localizadas nem no tempo nem no espaço, motivo pelo qual a interpretação dada aos seus símbolos muda de geração para geração. Como os apocalípticos tratam especialmente do fim dos dias, suas previsões não se concretizaram até hoje, e não há nada além da fé que nos faça crer que ainda se concretizarão. Mas supondo que Deus lhes tenha revelado seus planos para o fim dos tempos, ainda temos que lidar com a linguagem mitológica e simbólica que empregaram para descrever suas visões, repletas de ambiguidades. Assim, mesmo crendo, também não vejo a previsão apocalíptica como prova de que o futuro já está escrito. Os visionários vislumbraram animais de muitas cabeças, chifres e olhos, e não as coisas como realmente serão. Quer dizer que o plano divino lhes foi apresentado por meio de representações, e não como um filme dos fatos, que não existem. Deus lhes contou ludicamente o que pretende realizar, mas não lhes mostrou nada de concreto.

Outra questão precisa ser esclarecida: Se para mim não há futuro, isso não quer dizer que Deus não faz planos para o futuro. Todos fazemos planos, mas Deus, o Criador, não só faz planos como assegura que seus planos se cumprirão. Se Deus porventura fizer previsões, elas não são relatos de fatos prontos, mas de planos que Deus pretende cumprir. Deus é, portanto, capaz de fazer previsões, mas também pode mudar de idéia sem ter que reescrever o fim já determinado. Talvez isso traga alguma luz à eterna questão do “arrependimento” de Deus, que intriga todos os que começam a ler a Bíblia.

Minha conclusão é que não há destinos escritos, não há predestinações, mas projetos divinos que devem acontecer. Quando o Senhor anuncia algo que quer fazer, nós podemos dizer que já sabemos o futuro, mas ninguém, nem mesmo Deus, vê o futuro. Se algum vislumbre do porvir nos for concedido, não significa que este futuro está determinado e nada é capaz de alterá-lo. Em muitos casos, o plano divino é feito a partir das ações humanas, e mudam de acordo com a mudança das nossas atitudes.

Diante desta reflexão, não são necessárias grandes mudanças. Deus continua sendo o Criador Soberano do universo, e nosso destino continua em suas mãos. O que realmente pode mudar é nossa atitude imediata, já que deixando de se conformar com um futuro pré-estabelecido que nos leva a esperar passivamente, aceitamos a responsabilidade de trabalhar em todo o tempo em concordância com a vontade divina para que no final, o melhor destino possível nos seja concedido. O futuro, então, está sendo escrito hoje, e Deus espera que nós façamos o melhor, para escrever um final feliz para nossas histórias.

3 comentários:

Francisco Junior disse...

Gostei deste texto. Excelente introdução. Suas ideias são esclarecedoras. Cada vez que leio seus artigos, aprendo muito. Concordo com você sobre as teologias sistematicas. Este artigo merece aprofundamentos nas ideias. Fico no aguardo de novas postagems sobre o tema que causa arrepios no crentes.

Anônimo disse...

vinha pensando sobre isso a anos e sempre me trataram como uma louca herege. Fico feliz em ver que penso com algum sentido e que não sou a unica a pensar assim

Anderson de Oliveira Lima disse...

Olá amiga "anônima"! Eu também fico feliz por saber que há quem leia e se identifique com essas ideias. Não se trata de estarmos certos ou errados, mas de exercer nosso direito de pensar livremente, sem medo de que nossas opiniões, quando explicitadas, sejam consideradas blasfêmias dignas de castigo eterno.

Obrigado por ler e comentar.