Por meio do evangelho de João, a igreja cristã de todas as épocas adotou uma analogia para se referir à adesão de novos membros. Diz-se que todos devem nascer de novo (Jo 3.1ss). Seguindo na tradicional analogia, podemos dizer que estes novos cristãos que são como crianças em Cristo, devem alimentar-se de uma espécie de leite espiritual (1Pe 2.2) e desejar crescer até que possam ingerir os alimentos sólidos (Hb 5.13-14), que são conhecimentos aprofundados sobre a Palavra de Deus, seus oráculos e práxis. O alimento sólido é coisa pertinente aos mestres e não às crianças espirituais (Hb 5.12). Desta análise superficial da tradição bíblica, podemos inferir que é princípio básico no cristianismo que todo aquele que nasce na fé deve crescer, desenvolver-se naturalmente e chegar à maturidade.
Aqui, não queremos aprofundarmo-nos no estudo desta tradição e nem tampouco questionar a tradição que parece-nos saudável para o crente, já que afasta-o da ignorância e das superstições místicas que sempre estiveram enraizadas no seio das religiões; interessa-nos levantar um problema: Embora o desenvolvimento do crente faça parte da tradição cristã e faça parte do discurso eclesial, nossa intuição nos leva a perguntar se tal tradição ainda é levada a sério, ou se já dissolvera-se para boa parte dos segmentos cristãos de nossos dias.
Voltando a usar a linguagem analógica da Bíblia, diríamos que hoje os alimentos disponíveis são bem melhores que os do passado; são comercializados em níveis nunca vistos, permitindo o acesso de pessoas antes isoladas, são enriquecidos com mais vitaminas, proporcionando-nos mais vigor físico e a maior expectativa de vida que a humanidade já conheceu. Entretanto, há quem prefira que os cristãos não cresçam, preferem mantê-los subnutridos a ver o seu desenvolvimento. Refiro-me à resistência que há entre alguns grupos cristãos em relação ao desenvolvimento intelectual dos membros das igrejas, ao medo de que aquele que antes parecia tão crente, se afaste da fé quando adquire conhecimento. Esta atitude contrária ao desenvolvimento do cristão é anti-bíblica e anti-natural.
Lembre-se da sua infância. Quando somos crianças, as fábulas são encantadoras, e de alguma forma pensamos que carruagens podem voar de verdade nalgum lugar deste mundo ou de outro. Nos contos de fadas homens podem ser imortais e vencer seus inimigos com super-poderes, e para nossa lógica infantil, não há conflitos entre estas fantasias e a realidade. Com o passar do tempo, deixamos de acreditar nas fábulas e essas coisas passam a ser bobagens. Talvez tu não lembres, mas essa transição certamente trouxe consigo confusões, talvez crises, mas as superaste como era de se esperar e finalmente chegaste a ser um adulto. Quando um crente estuda teologia ou cursa uma faculdade, passa pela mesma crise. Aprendendo a pensar de maneira mais científica, questiona e em muitos casos deixa de acreditar nas fábulas que seus pais religiosos lhe contavam para que sonhasse. Aos poucos o encanto da religião se quebra, enquanto que a realidade se faz conhecer.
Antes da maturidade, as crianças pensam que os adultos são chatos, que não entendem a beleza dos seus contos de fadas, que desaprenderam como é bom brincar. Os crentes também julgam os teólogos e os cientistas desta maneira, pois questionam histórias que são tão lindas e aceitas por tanta gente há tanto tempo... No entanto, sabemos quem está procedendo de maneira infantil. Duvido que um adulto queira voltar à inocência da infância. Ele sabe que nunca seria independente se não aprendesse a ver o mundo como ele realmente é; sabe que precisa amadurecer, sair de debaixo da saia dos pais e tornar-se independente. Mas nas igrejas alguns acham que é melhor fugir à crise e continuar crendo nas fábulas, vivendo eternamente como um garoto de cinco anos. Esse tipo de crente credita que é melhor ser imaturo, limitado, dependente de outrem para que dê cada passo. Importa-lhe a alegria, a satisfação que as brincadeiras lhes proporcionam, e não o mundo exterior, as outras pessoas, a verdade.
Pra sermos sinceros todos nós, em nossa primeira década de vida, pensávamos que era melhor sermos crianças para sempre, mas inevitavelmente seguimos o desenrolar determinado pelo nosso criador e crescemos. O problema levantado, em suma, é este: quando se trata de desenvolvimento espiritual os cristãos estão agindo contra a natureza, e deixando-se enganar, abrem mão da maturidade pela eterna alegria de ser infantil. Sabemos que o caminho da maturidade cristã, aquele caminho espinhoso de conflitos internos que os nossos jovens atravessam enquanto cursam ingressam em seminários e faculdades, é doloroso e até perigoso. Perde-se por algum tempo, todo o encanto do existir; desmoronam-se os sonhos, compreende-se que super-heróis não existem, que somos finitos... Ainda assim, querer que um crente não encare este caminho de amadurecimento é interromper o ciclo natural da sua vida religiosa. Esse medo de se desviar em decorrência da aquisição do conhecimento é um dos maiores inimigos da fé cristã dos nossos dias; é uma luta ridícula para manter a fé num nível elementar e manipulável, que acabará por torná-la cada vez menos relevante perante a sociedade que esta religião supostamente pretende salvar.
Karl Marx é um pensador conhecido pela crítica que fez à religião, chamando-a de ópio do povo. Ele escreveu: “A crítica da religião destruiu as ilusões do homem para que ele pense, aja, construa a sua realidade como homem sem ilusões chegado à idade da razão...”. Era de se esperar que a igreja repudiasse esse pensador. No entanto, nós, cristãos de hoje, podemos concordar com Marx em certa medida, certos de que se nossa fé possui fundamentos, não precisa temer as críticas, e que caso as críticas destruam certos fundamentos da nossa fé, estes não estavam firmados em verdades, sendo a sua queda um benefício para nosso crescimento. Acreditamos que a religião do século XXI não precisa ser infantil, estruturada sobre mitos e ilusões, e que é possível unir a religião ao pensamento científico. Esta deve ser a missão do estudioso da teologia e das ciências das religiões que pretende contribuir com o cristianismo, e a primeira tarefa desses novos cristãos será acabar com a idéia de que o crente saudável é o crente desnutrido, sem alimento sólido, sem instrução.
É necessário, para a sobrevivência sadia da igreja cristã deste século, que ela se deixe transformar. A liderança cristã, em vez de manter as pessoas na ignorância crendo em mitos que estão em completa desarmonia com o pensamento do homem atual, deveria desejar que todo seguidor de Jesus progredisse em sua caminhada cristã até orgulhosamente falar como o apóstolo Paulo: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino” (1Co 13.11).
2 comentários:
não sei nem o que dizer, vou re-ler, pois gostei demais. destaco como fonte de pesquisa.
um abraço
Nossa! Tomara que Edir Macedo e outros Líderes leiam isso...Vou recomendar aos Pastores que conheço...E o autor está cursando o mestrado, imagina quando for Doutor em religião!
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