O que mais te chama a atenção na Bíblia? Para mim, além de seu valor religiosos, a Bíblia é também um livro admirável tanto como literatura como documento histórico. Diferente da maior parte dos outros “tesouros” literários da antiguidade, que foram escritos por pessoas privilegiadas, que tiveram boa educação, dinheiro, ou que viveram em cortes e escreviam para exaltar o nome dos seus reis e imperadores, a Bíblia é um livro do povo. Para mim isso é algo fantástico!
Com algumas exceções, os textos que foram reunidos e hoje compõem o livro que regulamenta a nossa fé são obras de pobres e oprimidos. Seus autores, os israelitas, o desenvolveram enquanto viviam ameaças de dominação estrangeira, quando eram cativos na Babilônia, quando tinham que lutar para manter o direito de viver na sua terra e plantar o seu alimento, enquanto suavam no trabalho agrário para superar a terra seca e ainda tinham que pagar tributos abusivos que os reis investiam em luxo e guerra. A Bíblia é, portanto, a voz do povo. Suas reivindicações, seus sonhos, sua fé, não é nada mais que a expressão do homem simples, pai de família que trabalhava na roça de sol a sol e da dona de casa que criava os filhos regulando a comida para que não faltasse no dia seguinte. Esse é o livro dos pobres, o povo de Deus.
Você já notou como as pessoas mais simples são pessoas de fé? Por isso a Bíblia é tão rica em transmitir-nos mensagens que estimulam a fé. Mas há na Bíblia algumas coisas que se repetem freqüentemente, expressões espontâneas dos desejos profundos daquele povo humilde que nós curiosamente ignoramos ao ler o texto sagrado. Me refiro ao clamor pela terra e pelo pão. Esse era o grande sonho daquela gente cheia de fé.
Veja como eles davam importâncias às promessas de Deus quando se referiam a terra: Em Gn 12 Abrão recebe a promessa de que receberia uma grande terra, fértil para produzir muito e alimentar toda a sua grande descendência. A esperança no Êxodo não é somente a libertação, mas também a terra fértil que mana leite e mel (Êx 3.8). O profeta Miquéias anuncia o direito à propriedade nos seguintes termos: “... assentar-se-á cada um debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira, e não haverá quem os espante” (Mq 4.4). Jesus, como bom galileu sem grandes posses, também dava valor a terra e dizia que quando a justiça de Deus se manifestasse, todos teriam sua própria terra. Ele disse em Mt 5.4: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra”. E como último exemplo, quero lembrar-lhes que a esperança para o fim dos tempos, para a vida após a morte, também inclui a terra, mas desta vez, um novo céu e uma nova terra compatíveis com nossa condição de seres transformados e imortais (Ap 21.1).
Vimos que o sonho da casa própria não é coisa dos tempos modernos, e que este é também o desejo de Deus para cada um de nós. Todavia, para os israelitas a terra não tinha apenas o propósito de servir de lar e abrigo, era também o meio de sustento da maioria das famílias. A terra era para ser cultivada, era o emprego dos homens, a escola das crianças, o lar das mulheres. O salário que eles esperavam não compraria TV’s de plasma, apenas alimentaria a família e os seus animais, era para o pão de cada dia.
O direito ao pão também percorre as páginas da Bíblia inteira. Os relatos do Êxodo sobre o maná ensinavam os israelitas de todas as gerações a confiar em Deus para a provisão do pão, mostrava-lhes que tudo vem dos céus, de Deus; e também ensinava-lhes a não acumular, a não desejar ter sobras e enriquecer, pois o resultado dessa ganância exacerbada é a falta na mesa do próximo e a punição do Senhor para os gananciosos (Êx 16). Na igreja primitiva, lemos que os irmãos não tinham falta de nada pois partiam o pão entre eles suprindo a necessidade uns dos outros (At 2.42). Finalmente, a mais famosa oração já feita diz: “... o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (Mt 6.11).
Enfim, a Bíblia é mesmo o livro do povo, que fala das suas necessidades e da sua fé; conseqüentemente, é até contraditório se dizer cristão e negar ao próximo o pão de cada dia, o direito da casa própria, a oportunidade de trabalho. Deus ama os pobres, e a igreja deveria apresentar as mesmas preocupações, lutar pelos mesmos interesses. Como irmãos, deveríamos partir o pão, não acumular para que não se apodreça diante de nós aquilo que falta na mesa do povo de Deus. Lutar pela terra e pelo pão para todos é viver em conformidade com os princípios bíblicos.
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