A fé cristã, assim como a Bíblia, é
bastante popular aqui no Brasil. Todos podem assumir essa forma de religiosidade,
e com essa opção, exercer sua religiosidade de diferentes formas. O que quero
dizer por “exercer sua religiosidade” é: frequentar cultos cristãos, estar
entre outras pessoas dessa mesma confissão, orar livremente à divindade a que
crê, aprender sobre os dogmas de sua religião e até divulgar essas coisas
elementares a outros. Mas as coisas não são tão simples quando estamos falando dos
líderes cristãos.
A liderança religiosa pode ser
escolhida por inúmeros critérios diferentes, escolhidos pela própria religião.
No cristianismo, muitas vezes o tempo de participação é importante, já que indica
alguma experiência com os dogmas e também dá mostras de que tal cristão vive
sob tais dogmas há anos, sem cometer sérios deslizes. Outras comunidades exigem
também algum grau de instrução, talvez uma formação teológica. Outras usam
critérios mais subjetivos, como a posse de determinados “dons espirituais”. A
questão que me leva a escrever essas linhas está relacionada ao grau de
instrução dos líderes cristãos, algo que me parece significativo para o tipo de
cristianismo que por aqui se pratica.
Falando
brevemente, eu pessoalmente não acho que a educação formal, aquela que se
adquire em instituições de ensino, seja necessária para a prática cristã ou
para o ato de “pastorear”. Convém lembrar que o cristianismo nasceu entre
pessoas de pouca ou nenhuma instrução (me refiro a Jesus e seus apóstolos), onde
a leitura de textos era uma questão muito marginal ou mesmo desnecessária, e no
meu modo de ver, algo está errado quando a inexistência de diplomas inviabiliza
a prática cristã. O problema é que já não é esse o cristianismo que vemos.
Eventos como o advento da imprensa, a produção de traduções da Bíblia para praticamente
todos os idiomas desde a Reforma Protestante, a popularização da educação
formal, e a valorização do conhecimento científico desde o Iluminismo, tornaram
os cultos momentos intelectualizados. Hoje, os cristãos valorizam o
conhecimento, dedicam boa parte de seus encontros à leitura de seus textos
sagrados, e tudo isso tornou o nível de alfabetismo determinante. Os líderes já
não são somente condutores de orações, incentivadores de experiências
religiosas, manipuladores do sagrado; atualmente eles exercem também a
atividade docente.
Nas
reuniões cristãs (note-se que me refiro principalmente aos cultos evangélicos)
os pastores leem a Bíblia, tentam explicá-la, e esperam que os ouvintes guardem
seus ensinos e os ponham em prática. Isso não é culto, é aula, e para isso a
educação formal é necessária. Na infância não sabemos ler, e vamos à escola
onde somos instruídos, estudamos gramática, temos algum contato com literaturas,
e gradualmente vamos nos tornando mais aptos para ler, interpretar, e
consequentemente, para ensinar. Assim, se o culto cristãos de hoje se
transformou em parte numa atividade de leitura, interpretação e ensino, é obvio
que o nível de instrução dos líderes se equivale à qualidade dessa leitura,
interpretação e ensino. Noutras palavras, se o cristão quer basear sua fé num
texto, é preciso saber ler.
Não
posso sugerir que se abandone a prática da leitura, então só posso argumentar a
favor da formação dos líderes que, por exigência do cristianismo contemporâneo,
também devem exercer a atividade docente. Claro que há pastores eloquentes,
convincentes, articulados... mas isso não quer dizer que tenham feito uma boa
leitura do texto bíblico. Por minha experiência com o texto bíblico e com a
frequência em encontros desse tipo, eu diria que estão aptos para a atividade
que comumente chamamos de “pregação”, aqueles indivíduos que não apenas sabem
ler e escrever, mas que são capazes de entender o que leem. É difícil falar
sobre isso de maneira simples, afirmar que ter o nível fundamental, médio ou
superior completos capacita alguém a ler e interpretar. Chamamos de analfabetos
funcionais os indivíduos que embora tenham estudado, saibam ler e escrever, não
estão aptos para ler livros de dificuldade média, interpretar, compreender e
emitir juízos sobre o que lê, e infelizmente, boa parte da nossa população
segue nessa condição.
As
igrejas que exigem uma escolaridade mínima para o ministério, ao meu ver, estão
fazendo algo correto. Reconhecem o papel docente dos pastores e contam, ao
menos, com a garantia mínima que um diploma de alguma instituição reconhecida pode
oferecer. Algumas pessoas podem discordar do que estou dizendo, alegando
conhecer pastores sem formação alguma e que são “uma bênção”. Novamente,
acredito que possam ser cristãos honestos, que cuidam (pastoreiam) bem de seus
discípulos (ovelhas), e até que possam ser convincentes em seus sermões, mas
sigo duvidando da qualidade de suas leituras, da coerência do conteúdo de suas homilias,
ou de sua originalidade, já que podem estar se limitando a repetir outros
pregadores. Nenhuma inspiração divina me fez reconhecer exceções a essa regra
básica até agora: a Bíblia é uma coleção de textos, e sem uma educação formal
de qualidade não se alcança uma razoável compreensão de sua mensagem.
Todavia,
além desse nível de instrução mínimo que, segundo minha opinião, todo líder
cristão que pretende pregar deveria ter, devemos considerar ainda as
especializações. Muitas vezes as pessoas se confundem e aceitam instruções de
pessoas que são formadas noutra área. Assim, um pastor com nível universitário
não é necessariamente um especialista em Bíblia. Se a formação de um líder é em
filosofia, psicologia ou mesmo teologia, ele está teoricamente apto para emitir
juízos sobre filosofia, psicologia ou teologia. Novamente, minha experiência me
fez ver que pastores sociólogos, médicos ou advogados, falam da Bíblia como
bons leitores, mas ainda como leigos em Bíblia. Essas formações podem tê-los
tornado bons intérpretes de textos, mas alguém com uma boa formação de nível
médio saberia ler tão bem quanto eles.
Aí
surge outra questão: é necessário ser um especialista em Bíblia para ser um
líder cristão? Nesse caso eu diria que não, pelo menos ainda não, já que o
ensino de qualidade sobre a literatura bíblica é tão raro. Exigir que pastores
saibam traduzir os textos do grego, que façam exegese, que conheçam os princípios
da teoria literária, é ir longe demais para a nossa modesta realidade.
Deixo
assim minhas breves considerações sobre essa difícil questão que é a necessidade
de instrução formal para o exercício do ministério pastoral. Escrevi-as com o
intuito de auxiliar, mas se alguém porventura mostrar-se incomodado com meus
argumentos, basta matricular-se numa escola. Dificilmente pessoas que tenham
gasto dinheiro e tempo em algum curso declara arrependimento ao final.