É
sabido dos leitores desse blog que as discussões aqui levantadas não pretendem
ser definitivas. Escrevo ideias, registro pensamentos, desabafos, críticas...
No blog convido os interessados a também pensar, e aprecio quando um leitor
exprime seu ponto de vista, mesmo quando são contrárias às minhas. Vou fazer
isso novamente nas próximas linhas; vou rascunhar algumas ideias, expressar por
escrito meus pontos de vista. Dessa vez, escolhi falar sobre um pressuposto da
chamada “Teologia da Libertação” Latino-Americana.
É
impossível estudar teologia com seriedade nesse país e não ser impactado de
alguma forma por essa linha de pensamento teológico que por aqui nasceu no
final da década de 60. Trata-se de uma teologia, e que naturalmente traz a fé
como pressuposto, mas é o outro lado que me importa, o da “libertação”. Essa
teologia lida com o ideal de libertação do “pobre”, dos mais fracos sujeitos da
sociedade, clamando por justiça social, igualdade, e para isso evoca princípios
teológicos e pacíficos na luta contra as instituições que criam e mantém o
estado de desigualdade que testemunhamos. Até aí nenhum problema. Não me
considero um teólogo, mas acho que se alguém quer fazer teologia, deve fazê-lo
pensando nos efeitos práticos que essa sua teologia pode produzir na sociedade,
e segundo esse critério, a TL (Teologia da Libertação) é bastante eficiente. Eu
mesmo conheci pessoas maravilhosas que assumiram um compromisso com a ideologia
da TL e que se tornaram pessoas admiráveis.
A
TL nasceu em contextos sociais específicos, e valeu-se de um instrumental
sociológico para fundamentar suas posições. Nela, lê-se a sociedade de modo
dualista (ricos e pobres), vê-se os poderosos como vilões e os fracos como
vítimas, e seus impulsionadores surgem quase sempre dentre os sujeitos que estão
do lado fraco. Como resultado temos uma teologia muito bonita, ideologicamente
admirável, e com grande potencial para produzir bons resultados. Todavia, e
aqui começam minhas observações pessoais, essa teologia parece girar em torno
de si mesma, pelo que poderíamos sugerir algumas pequenas correções
terminológicas.
Penso
que não posso adotar o “pobre” como sujeito ideal, como eterna vítima imaculada
que precisa ser salva. A prática nos mostra que o pobre não é esse sujeito
santo que a TL construiu. Os efeitos da desigualdade, da má educação, das
condições econômica inapropriada, são terríveis para a construção do indivíduo
pobre, pelo que o pobre, embora vítima, mostrar-se-á o sujeito mais violento,
menos consciente de sua condição infeliz, menos capacitado para lutar pela
transformação da sociedade injusta. Acreditar no seu potencial é uma coisa,
considerá-lo um privilegiado eleito por Deus é um exagero. Por isso, acho incorreto
o amor ao pobre do modo como os teólogos da libertação pedem. Não se pode amar
esse tipo de sujeito a ponto de se esquecer dos efeitos nocivos que a própria
pobreza produziu nele.
A
pobreza é um estado a ser transformado, pelo que não devo amar o pobre, mas me
apiedar dele, e ansiar por sua libertação. Se o pobre precisa ser libertado da
pobreza, a oposição semântica mais fundamental me obriga a reconhecer que a
libertação do pobre consiste em fazê-lo rico, e aí a TL encontra dificuldade,
precisamente porque construiu mal o seu conceito de riqueza.
O
pobre é um sujeito destituído dos valores que hoje consideramos necessário para
a formação do ser humano, e o nosso papel é tirá-lo da pobreza. Isso não se faz
através de esmolas que amenizam o sofrimento e não libertam, mas principalmente
através de investimentos na educação, que tira o sujeito daquele estado de
ignorância que o impede de lutar por si mesmo pela libertação. Por outro lado,
a riqueza não é um estado demoníaco como acreditam muitos. O rico é o indivíduo
que por circunstâncias diversas possui bens capazes de lhe proporcionar
conforto, e que possui as condições de adquirir a boa educação. Assim, do mesmo
modo como o pobre não é um santo, mas uma vítima que deve ser tirada da
pobreza, o rico não é um vilão, mas alguém que está livre da pobreza, embora
muitas vezes também precise de um tipo de libertação. A libertação do rico é a
conscientização de que ele, que atingiu o estado ideal para vida humana digna,
deve contribuir para acabar com a pobreza mundial.
Não
sei se estou me expressando bem nesse texto que estou escrevendo tão depressa.
Quero dizer que não devo “adorar” o pobre. Na verdade, nem acho que seja
preciso abraçar as crianças carentes para envolver-se na luta contra a pobreza.
Do mesmo modo, não devo menosprezar o rico. Tenho que encontrar no meu modo de
viver um meio de libertar-me das limitações da pobreza, e de também
proporcionar uma saída a outros. É preciso que todos os seres humanos desfrutem
dos avanços da medicina, dos benefícios dos alimentos orgânicos, dos tecidos
mais duráveis, dos meios de transportes mais eficientes, da educação de
qualidade, do entretenimento mais saudável... Por outro lado, não tenho que
exterminar o rico. É verdade que a riqueza excessiva alimenta a desigualdade,
mas não tenho que transformar ricos em pobres. Podemos discutir mais noutro
momento o que venha a ser essa riqueza, que para mim é o acesso a todos aqueles
recursos que hoje estão limitados, mas já não precisamos ser hipócritas e dizer
que a riqueza é um mau, enquanto na verdade todos podem ver que é muito bom
morar bem, ter um bom carro, conhecer o mundo, comer em bons restaurantes etc.
Enfim,
o processo de libertação do pobre é esse: educação. O sujeito educado, seja
qual for sua origem, pode lutar por si mesmo contra as limitações da pobreza.
Já o processo de libertação do rico é: educação. O sujeito educado, quando em
boas condições econômicas, não constrói muralhas em torno de si, mas desfruta
do que o mundo pode lhe oferecer enquanto trabalha para tornar tais privilégios
cada vez mais acessíveis. Se há uma luta na qual devemos nos empenhar, é a luta
contra ignorância; não existem lutas contra os ricos, e não existem lutas de
preservação dos pobres. Esses dois grupos não são tão distintos quanto um dia
se disse; suas fronteiras são fluídas, e há pessoas passando de lá pra cá o
tempo todo. Ricos e pobres não são dois povos, mas um único povo que ainda não adquiriu
o equilíbrio mais sadio que poderia acabar com a pobreza extrema e com o medo
que os ricos têm dos pobres. Noutras palavras, afirmo que os pobres precisam
ser extintos, ou melhor dizendo, precisam ser libertados das correntes
limitadoras da pobreza. Todos deveriam ser ricos, e esse é nosso objetivo.
Aí
está minha sugestão àqueles que ainda se apegam à TL. Porém, deixe-me fazer uma
observação final que amplia a discussão e evita críticas. Como professor, penso
sempre nessa ação direta de educar e produzir sujeitos mais preparados para transformar
o mundo nesse sentido, mas outros cientistas e profissionais também devem
assumir tais ideais e trabalhar para produzir uma humanidade rica, ou seja, que
tenha acesso à comida boa e barata, ao transporte eficaz, à educação de
qualidade, à saúde, ao lazer... Há muitas maneiras de contribuir com aquele
mundo que o Deus dos teólogos deseja.