quinta-feira, 29 de setembro de 2011

CONHEÇA OS MANUSCRITOS DA BÍBLIA

Hoje não trago nenhuma reflexão nem exegese. Trago curiosidades bíblicas, imagens para complementar nossos conhecimentos.

Nas aulas, falo muito sobre a construção dos textos bíblicos, sua história, e sobre o processo que nos permite ter acesso hoje a um texto coeso e completo. Resolvi então indicar aqui dois sites que nos permitem visualizar alguns desses manuscritos.

O primeiro é: http://www.csntm.org/manuscript. Este site traz breves descrições dos manuscritos do Novo Testamento e nos deixa visualizar muitos deles em fotos de alta resolução. É um excelente auxílio para a crítica textual do Novo Testamento.

O outro site que quero indicar é este: http://dss.collections.imj.org.il. Este traz alguns dos mais completos textos achados em Qumran, os Manuscritos do Mar Morto. Vejam, por exemplo, o rolo de Isaías, que está muito bem preservado. É possível ampliar a imagem e ver até a tradução instantânea ao passar o mouse pelos textos.

Detalhes, as imagens são universais, mas os textos bíblicos são mais limitados, em grego e hebraico. Os sites são em inglês, mas só de poder ver como são alguns dos manuscritos que hoje dispomos já vale a consulta.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

DE CHICO BUARQUE À BÍBLIA: PARA ANÁLISES EXTRA-TEXTUAIS

O texto que lhe apresento é parte do “curso de exegese bíblica” que estou produzindo. Preparei uma introdução ao capítulo sobre as análises extra-textuais fazendo uma breve análise de uma canção de Chico Buarque, para que os mesmos problemas depois sejam transferidos à tarefa de analisar textos bíblicos.

Vamos direito ao ponto. A canção que estudaremos parcialmente é “Barafunda”, do disco “Chico” de 2011 (http://www.youtube.com/watch?v=ioq7DaOCU_8). No samba, o enunciador ou narrador é construído como um homem de idade avançada, que lembra fatos históricos passados e apresenta problemas com a própria memória. Nesta canção ouvimos o seguinte verso:

E salve este samba / Antes que o esquecimento

Baixe seu manto / Seu manto cinzento.

A princípio o pedido para “salvar” o samba pode parecer uma exclamação ou exaltação, mas no contexto do esquecimento ele também nos remete à necessidade de registrar o samba, num armazenamento digital de um arquivo de som, por exemplo. Ou seja, o próprio samba que está sendo cantado deve ser preservado para que não se perca em meio às falhas da memória do seu compositor. Ao ouvir esta canção, alguém que aprecie este gênero musical pode se lembrar de outro samba mais antigo chamado de “Cor de cinza” de Noel Rosa, que só foi gravado em 1955, vários anos após a morte do compositor. O caso é que este belíssimo samba já trazia o termo “cinzento” várias vezes (todo o céu ficou cinzento..., ao ver o carro cinzento..., de pelica e bem cinzento...), e conta exatamente a história de um “esquecimento” (A luva é um documento / com que provo o esquecimento / daquela que me esqueceu / A luva é um documento / de pelica e bem cinzento / que lembra quem me esqueceu). A referência ao samba de Noel Rosa não e explícita, mas como intérpretes, podemos levantar a hipótese de que exista alguma relação entre os dois sambas.

Poderíamos argumentar para defender nossa hipótese dizendo que o compositor mais recente, numa entrevista à Rádio Eldorado em 1989, quando respondeu quais são seus compositores favoritos, citou o nome de Noel Rosa em primeiro lugar, e depois disse: “Eu citava Noel no samba A Rita. Eu fiz algumas canções à maneira de Noel. Claro que Noel me marcou muito”.[1] Provavelmente Chico Buarque ainda tem na memória muitos fragmentos de Noel Rosa, e nesta canção mais recente utiliza-o novamente, embora não possamos afirmar que esta ligação tenha se dado de maneira consciente.

Este tipo de relação entre dois textos é o que chamamos de intertextualidade. Mesmo que a lembrança tenha se dado de maneira inconsciente, isso não mudaria nosso juízo sobre a relação intertextual entre as duas canções. Não sabemos se Chico Buarque, o autor-real, pensou em colocar Noel Rosa no seu novo samba, mas isso não é tão importante, pois esta pergunta nos dirige a uma instância que não é relevante para nós, intérpretes de documentos milenares. Se nosso narrador é um compositor de samba de idade muito avançada, é natural no nível literário que este personagem, o autor-implícito, tenha na sua desfocada memória reminiscências do talentoso Noel Rosa. É bem verdade que talvez não sejam muitos os ouvintes capazes de entender o jogo intertextual, o que é uma característica da intertextualidade.

Mas isso não é tudo. Na mesma canção há outro verso que podemos empregar como exemplo. Chico canta:

Foi Garrincha

Não, foi de bicicleta

Juro que vi aquela bola entrar na gaveta

Tiro de meta...

Ainda demonstrando confusões com suas lembranças, o cantor agora traz palavras que não são de conhecimento tão limitado quanto aquelas que desenterramos de um samba de Noel Rosa; elas já não se restringem a um livro ou a uma canção mais antiga, e o uso que delas é feito não pode ser compreendido simplesmente por meio de uma consulta ao dicionário. Agora, a interpretação das expressões dependem de conhecimentos externos, que estão disponíveis na cultura, na sociedade do compositor e de muitos dos possíveis destinatários dessa comunicação.

Os dicionários coletam algumas das possibilidades interpretativas para as palavras, aquelas possibilidades mais comuns, mais prováveis, mais recorrentes, mas não todas. Neste caso, é provável que a consulta a um deles não ajudasse muito para entender que “bicicleta” é, na linguagem futebolística, um tipo de chute em que o atleta acerta a bola no ar enquanto gira o corpo para que ela se projete para trás de si. Tampouco os dicionários nos ajudariam a entender que “gaveta”, na linguagem futebolística, se refere aos cantos superiores do gol, locais considerados privilegiados para um chute, pois os goleiros geralmente não são capazes de alcançá-los. Agora estamos diante de um caso de interdiscursividade.

Não fomos capazes de identificar uma fonte privilegiada para a compreensão dessas palavras como fizemos no primeiro exemplo; as significações que estão em pauta não são tão formalizadas, e por conta disso uma interpretação mais adequada só será simples para aqueles que pertencem a comunidades próximas à do autor, que compartilham desses mesmos conhecimentos acordos de linguagem socialmente desenvolvidos. Agora o personagem de Chico Buarque não se comunica com os ouvintes por meio de textos, canções, livros; não quer lançar códigos decifráveis apenas àqueles que também tiveram acesso àquelas mesmas fontes; desta vez ele se comunica através de acordos tácitos da cultura brasileira, para um público mais amplo, porém, utilizando-se de fontes informais.

Essas nossas observações sobre as canções podem não parecer simples, agora imagine se não soubéssemos nada sobre Noel Rosa e Chico Buarque, se em vez de ouvir os sambas só tivéssemos pedaços de papel com as letras, evidências que talvez nem nos permitissem saber quem se inspirava em quem. E se estivéssemos fazendo essa análise num tempo e lugar em que termos como “garrincha” são enigmáticos, e onde o futebol inexistisse. Talvez toda aquela estrofe que têm o esporte como pano de fundo permaneceria indecifrável. Antes de analisar o significado dos termos e as relações de intertextualidade, precisaríamos estudar o próprio país e tempo dos textos, e quem sabe reconstruir o futebol e seu vocabulário típico. Imagine agora quantos problemas desse tipo não existem para impedir nossa compreensão dos textos bíblicos, que foram escritos há milênios e em lugares e culturas completamente diferentes das nossas. É por essa dificuldade que para a interpretação bíblica não podemos abrir mão das análises extra-textuais, onde definimos uma “teoria literária” com hipóteses sobre o tempo e o lugar do texto, e verificamos suas relações intertextuais e interdiscursivas.



[1] http://www.chicobuarque.com.br/texto/mestre.asp?pg=entrevistas/entre_eldorado_27_09_89.htm

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

DICAS PARA A SUA BIBLIOTECA PESSOAL

Aprendi com os anos a apreciar o conhecimento, e com ele o estudo e a leitura. As coisas não foram sempre assim comigo, não fui bom aluno até os últimos anos do ensino médio, mas desde a faculdade (que terminei em 1999), tornei-me um excelente aluno. Segui sempre estudando desde então, fiz um daqueles antigos cursos técnicos de processamento de dados, fiz música, mais música, teologia, até estudei para ser corretor de seguros, pós-graduação, mestrado e estou no doutorado. Nestes anos, ganhei experiência no estudo e aprendi a aproveitar melhor meu próprio tempo de estudo, assim como meu dinheiro. Este texto tem por objetivo transmitir parte dessa experiência, especialmente no que diz respeito aos livros. É bom dizer que tenho em mente os estudantes de teologia com os quais convivo atualmente, embora as dicas possam ser aproveitadas por todos os leitores que gostam de estudar e ler como eu.
A primeira dica pode parecer surpreendente, mas é a seguinte: você não precisa de milhares de livros em sua casa, pense em ter uma biblioteca limitada, mas que dê prioridade à qualidade dos volumes. Aprendi a não comprar todos os livros, pois a grande maioria dos livros que adquirimos só ocupam espaço. Os livros certos para comprar são aqueles que usaremos pela vida toda, ou por muitos anos. São os dicionários, as gramáticas, os manuais de metodologia, os livros que tratam de temas abrangentes, e que vez ou outra estamos consultando. Aqueles livros que lemos de uma vez e não voltam a ser consultados, não são boas compras. Não quero dizer que não devemos ler estes livros, só que deveríamos evitar comprá-los.
Quem gosta de ler deve ter amigos que gostam de ler, e trocar livros para economizar. Quem gosta de ler deve ter acesso a alguma biblioteca, de onde possa tomar livros desse tipo emprestados sem ter que gastar dinheiro com eles. Caso você já tenha muitos desses livros que só servem uma vez, faça como eu, venda-os ao sebo. Eu não tenho qualquer relação sentimental com os livros, e por isso não tenho problema em vendê-los, ou doá-los. O que me incomoda é ver aquele livro que com certeza eu nunca mais vou ler na minha prateleira. Com o tempo nós evoluímos, e os livros não, e por isso é muito comum deixarmos de apreciar livros que no passado foram importantes. Pare de ser materialista e dê um fim nisso. Ah! Se o livro não presta, deve ir para o lixo; não presenteie ninguém com lixo.
Outra dica importante é aprender a usar a internet. Eu tenho uma biblioteca com centenas de títulos no computador, com mais títulos do que tenho em minha biblioteca física. Livros que eu não poderia ter em mãos, a maioria importados, caros, mas que pela internet eu pude adquirir. Sei que há quem não goste de ler no computador, mas a tecnologia está evoluindo para acabar com essa dificuldade, e provavelmente num futuro breve só pessoas que realmente não se adaptam a novas tecnologias farão questão de ler no papel. Atualmente também prefiro ler no papel, mas isso não me impede de usar muito o computador. Há muitos livros que só queremos por um capítulo ou outro, e o computador é o melhor meio de acessá-los.
Então eu diria que não devemos comprar todos os livros que queremos ler. Por outro lado, também não precisamos ler todos os livros que compramos ou que temos em mãos. Desisti faz tempo dessa mania perfeccionista de sempre querer terminar os livros que começo a ler. Isso é um grande desperdício de tempo! Há livros que são horríveis, e não merecem tanto tempo assim. Aprenda a parar a leitura, e a selecionar bem o que realmente deve ser lido, e a pular de capítulo quando notar que esse não é o que procurava. Se você é dessas pessoas que amam mais o livro do que o conhecimento, comece a se libertar fazendo algumas doações e vendas, aprenda a riscar os livros pra valer, o que facilita na hora de novas consultas.
Outra dica, mais específica aos estudiosos da religião. As editoras católicas são muito melhores que as evangélicas, e até os bons autores evangélicos só são publicados pelos católicos. Assim, se você é evangélico, precisa aprender a entrar nas livrarias católicas da Praça da Sé e nunca mais pisar na rua Conde de Sarzedas. Quer saber o que é bom nas edições evangélicas? Só as capas, o conteúdo costuma ser horrível, limitado a repetir os dogmas da denominação que está por trás da editora. Para não generalizar, procure saber mais sobre os autores dos livros. Cuidado com pastores sem formação que um dia resolvem escrever para aproveitar um pouquinho mais do seu público; cuidado com os “grandes” relançamentos de clássicos do século XVI que já deveriam ter sido enterrados, mas que sobrevivem porque seus editores ainda estão no século XVI; cuidado com quando ver evangélicos discutindo ciência e evolucionismo; e cuidado com o fundamentalismo e com as promessas de prosperidade dos norte-americanos.
Outra maneira de economizar dinheiro com seus livros é ter paciência e pesquisar. É assim, descobriu que há um título importante que precisa ler, ou há um assunto que precisa pesquisar, então não vá comprando qualquer coisa que encontrar. Primeiro entre na internet e veja se não encontra esse autor ou outros livros sobre o mesmo tema para baixar. Mesmo se você não gosta de ler no computador, pode ler algumas poucas páginas para avaliar o livro antes de comprar. Para comprar, pesquise sobre o seu autor ou seu tema no site das grandes livrarias, aí você saberá quando custa o livro, e provavelmente descobrirá que há vários outros títulos que talvez sejam melhores que o que tinha mente. Segundo, faça uma lista dos livros que lhe interessam, e procure comprá-los de algum distribuidor conhecido, ou espere por eventos como feira de livros, que sempre oferecem descontos atrativos. Mesmo assim, sempre esteja ciente de que o livro (falo do material e não do conhecimento nele contido) não vale o que você pagou, a não ser que tenha pago algo em torno de 5 reais por cada 100 páginas, o que é muito raro.
Se quer saber um modo mais inteligente para fazer boas comprar, consulte pessoas mais experientes. Se você quer um livro de história da igreja, por exemplo, procure um professor da área e anote suas sugestões. Os riscos de errar na compra serão bem menores. Se o livro que ele lhe indicar for ruim, mude de professor; é o jeito.
Eu só tenho uma dica que talvez te faça gastar mais dinheiro em vez de economizar, mas as ocasiões são raras. Como trabalho com exegese, ou seja, com interpretação bíblica, eu leio muito a respeito, e tenho vários livros do mesmo assunto. Se você se identifica com algum tema, ou se quer mesmo se especializar nalgum assunto, tal dedicação é necessária. Neste caso, eu prefiro ler três livros diferentes sobre o mesmo assunto do que ler o mesmo livro três vezes. Com o tempo você aprende a avaliar pelos sumários os livros de sua área, e já não comprará qualquer coisa.
Falando agora de Bíblias, pare de ser um colecionador, ninguém precisa de 15 Bíblias. Para os estudiosos, três ou quatro são suficientes, para os demais, bastam uma ou duas. A Bíblia é um livro barato, de domínio público, cujos autores não recebem direitos autorais, e por isso nenhuma Bíblia deveria custar mais do que 30 reais. Dê preferência às mais baratas, e tenha duas ou três versões bem diferentes umas das outras. As Bíblias de estudo são lançadas para que se possa cobrar 70, 100 ou mais por elas. Fuja imediatamente de todas essas publicações! Na maioria das vezes aquelas notas de rodapé só atrapalham sua própria interpretação, tentam doutrinar o leitor. Então, não é com Bíblias que vamos gastar nosso dinheiro. E mais uma coisa: uma Bíblia é um punhado de papel como qualquer outro livro, e se você acha que algo ali é sagrado, é só o conteúdo, não o papel. Com o desgaste, acredite, até as Bíblias precisam ser descartadas. Não é pecado jogar uma Bíblia fora; pecado é usar a mesma Bíblia por vinte anos, e quanto ela estiver caindo aos pedaços, fazer caridade, levar à igreja para “ajudar” os irmãos. Também não seja idólatra a ponto de fazer um sepultamento para o livro, pode jogar fora sua Bíblia velha e comprar outra.
Mais algumas dicas: Jesus não foi médico, nem advogado, nem administrador de empresas, nem psicólogo ou qualquer coisa parecida. Ele foi um carpinteiro (o termo pode servir para diferentes atividades braçais, como pedreiro ou ferreiro), e foi um curandeiro mesmo, mas ninguém quer dizer isso hoje em dia. Ele também não foi evangélico, nem protestante, nem católico, ele foi judeu, como judeus eram todos aqueles que nasciam sob aquela etnia e cultura. Por favor, queime todos os livros que façam essas afirmações ridículas. Se não é para o seu bem, pense naqueles que porventura podem abrir um livro desses algum dia, ou imagine que um dia algum arqueólogo desinformado pode encontrar essas porcarias que você preservou soterradas por aí e achar que toda a nossa geração era assim ignorante. Brinquei com alunos esses dias dizendo que deveriam queimar alguns livros nas fogueiras de São João, mas lembrei que eles são evangélicos, e então sugeri a “fogueira santa de Israel”, o que já seria uma opção mais ortodoxa.

sábado, 3 de setembro de 2011

DE ONDE É O EVANGELHO DE MATEUS?: TEORIAS LITERÁRIAS A PARTIR DE MT 4.23-25

A próxima unidade textual de nosso comentário ao Evangelho de Mateus está em Mt 4.23-25. Aí temos um sumário parecido com aqueles que são comuns em Atos dos Apóstolos, que unem perícopes, abreviam o tempo e passam um resumo da situação geral da história que está em andamento. Vale a pena falar dessa passagem porque as conclusões que os leitores tiraram a partir desses versículos exerceram grande influência na história da interpretação de Mateus.

Lendo os versículos vemos que se trata de um grande resumo das atividades de Jesus, que viajava, ensinava, curava, e acumulava seguidores e admiradores pela Galiléia e regiões adjacentes. O primeiro ponto que merece destaque é que ao falar que Jesus ensinava pelas sinagogas da Galiléia, o texto se refere a esses centros da religião judaica chamando-as de “sinagoga deles” (v. 23). “Deles” quem? Pelo menos, para o autor, a sinagoga não é “nossa”. Há um claro distanciamento em relação às sinagogas, mas que não pode ser generalizado rapidamente. O distanciamento é, como mostram muitos outros textos do evangelho, somente em relação às sinagogas da Galiléia, e esse detalhe costuma ser deixado de lado pelos exegetas. De qualquer maneira, essa estranha referência expressa novamente a rivalidade entre o grupo que o evangelho pensa representar e os judeus da Galiléia, que são vistos como um grupo cada vez mais distantes. Eles, embora sejam judeus, já não são dos “Nós”, estão mesmo se distanciando e já há quem diga que fazem parte do “Eles”. Daí alguns leitores vão dizer que provavelmente Mateus é originário da Galiléia, e que ali estaria enfrentando essa crise inter-religiosa. Será?

Nesta passagem há também uma menção estranha à fama de Jesus na Síria (v. 24), dado que não consta na versão de Marcos (que é a fonte de Mateus para essa passagem), e que leva muitos estudiosos a crerem que Mateus seja originário desta região. As informações novamente são poucas, e não é possível tirar grandes conclusões a partir delas. A menção à Síria pode estar aí por vários motivos, mas indica pelo menos que o local possuía alguma importância especial para este evangelho. Uma das hipóteses para explicar o acréscimo é a de que o evangelho esteja localizado na Síria, e assim ele estaria dizendo que seu “cristianismo” é muito antigo. Mas poderíamos supor ainda que ele só quisesse justificar a força do cristianismo na Síria, sem exatamente estar lá; talvez esta referência que enobrece a Síria na história do cristianismo fosse do interesse de outrem, de algum “leitor” para quem o evangelho se dirigia. Ou seja, são só conjeturas, mas há outras evidências (também não decisivas) que realmente tornam a hipótese de Mateus ser da Síria uma possibilidade atraente.

E agora, diante das duas estranhas expressões (“sinagoga deles” e “Síria”), o que fazer? Uma possibilidade conciliatória é a de que Mateus possa ser da Síria, provavelmente de Antioquia, uma grande cidade do Império Romano, e de lá estaria sofrendo pressões por parte dos judeus da Palestina, que naquele período começavam a formar uma coalizão em busca de consolidar a religião judaica pós-70 a partir do farisaísmo. Os fariseus, como faziam os “judaizantes” dos dias de Paulo, locomoviam-se da Galiléia até a Síria para combater o florescimento de seitas como a dos cristãos mateanos. Essa é uma hipótese que precisar ser mais estudada, testada, e estamos neste processo. Até o momento, ela parece dar conta dos conflitos presentes no evangelho.